CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo exposto, conclui-se que a judicialização da saúde, quando analisada à luz dos direitos humanos e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, é um fenômeno de grande relevância e complexidade. Ela surge como uma resposta necessária diante das falhas do sistema em garantir o acesso universal e equitativo à saúde, um direito humano fundamental. No entanto, sua excessiva expansão pode gerar desafios institucionais e financeiros para o Estado Democrático de Direito.
Através da análise dos princípios dos direitos humanos, fica claro que o direito à saúde é intrinsecamente ligado à dignidade da pessoa humana, à igualdade e à não discriminação. Nesse sentido, a judicialização se torna um recurso legítimo para assegurar que esses princípios sejam efetivamente realizados. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem desempenhado um papel central na definição de parâmetros e na busca de equilíbrio entre as demandas individuais e a sustentabilidade do sistema de saúde.
De fato há uma necessidade de buscar novos meios para que a procedimentalização desse recurso – a judicialização, seja minimizada. A diminuição de litígios voltados para área da saúde, tal como o fornecimento de medicamentos, como bem informado ao inteiro dessa lide, evidenciou a grande problemática financeira em que o governo enfrenta ao ter que desembolsar certos produtos farmacêuticos aos cidadãos. De igual modo, fere e se faz errado não proporcionar a medicação ao indivíduo, posto que é de seu direito constitucionalizado, ter um acesso digno à saúde. É graças a esses acontecimentos, que o Supremo Tribunal Federal vem se embasando pra equalizar uma decisão proveniente a todos, demonstrativo disso são os recursos e temas que são discutidos na mais alta corte, como no RE 566.471 e no tema 1234.
No entanto, é crucial reconhecer que a judicialização não deve ser uma solução permanente para as deficiências do sistema de saúde. Ela deve ser acompanhada por esforços contínuos para fortalecer o sistema público de saúde, promover políticas públicas eficazes e garantir a transparência na alocação de recursos. Além disso, a prática deve ser pautada por critérios bem definidos e acompanhada de avaliações regulares de seu impacto.
Enfim, em última análise, a judicialização da saúde é um sintoma de desafios mais amplos enfrentados pelo sistema de saúde e pelo Estado. Ela demonstra a necessidade de uma abordagem integrada que una o poder judiciário, o legislativo e o executivo na busca por soluções que respeitem os direitos humanos, preservem o Estado de Direito e assegurem o acesso à saúde para todos. Somente ao fazer isso, será possível encontrar um equilíbrio entre a proteção dos direitos individuais e a sustentabilidade do sistema de saúde, garantindo uma sociedade mais justa e saudável.
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Abstract: This article will address the dilemma of the simultaneous application of conflicting rights, especially those related to fundamental guarantees, in the judicialization of public policies, with a focus on the health area. This occurs when the Judiciary intervenes to guarantee rights that should be implemented by the Legislative and Executive branches. Judicialization plays a positive role in making fundamental rights effective, which are often not guaranteed spontaneously in many societies, but it is important to impose limits to avoid imbalances between public powers. The aim of this research is to clarify this thesis by examining human rights principles, defining fundamental guarantees and analyzing the interpretation of the higher courts, especially the Supreme Court, in cases where state bodies fail to fulfill their obligation to ensure the right to health and other social rights. As for the methodology, we opted for the deductive method, based on an analysis of bibliographical, legislative and jurisprudential sources.
Key words : Health Judicialization. The Right to Health as a Human and Fundamental Right. Position of the Federal Supreme Court.