Pelo princípio da publicidade, a Administração Pública não deve cometer atos obscuros, à revelia da população e dos órgãos de controle; ao contrário. Mostra-se imperioso que os divulgue de modo que os interessados possam efetivar os seus preceitos teleológicos.
A mitigação do princípio em tela somente se dará em casos de segurança nacional, investigações policiais ou interesse superior da Administração. Nesse caso, há de ser previamente declarado o sigilo do procedimento. Veja-se, para tanto, as disposições da Lei 8.159/91:
Art. 22. É assegurado o direito de acesso pleno aos documentos públicos.
Art. 23. Decreto fixará as categorias de sigilo que deverão ser obedecidas pelos órgãos públicos na classificação dos documentos por eles produzidos [01].
§ 1º Os documentos cuja divulgação ponha em risco a segurança da sociedade e do Estado, bem como aqueles necessários ao resguardo da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas são originariamente sigilosos.
§ 2º O acesso aos documentos sigilosos referentes à segurança da sociedade e do Estado será restrito por um prazo máximo de 30 (trinta) anos, a contar da data de sua produção, podendo esse prazo ser prorrogado, por uma única vez, por igual período.
§ 3º O acesso aos documentos sigilosos referente à honra e à imagem das pessoas será restrito por um prazo máximo de 100 (cem) anos, a contar da sua data de produção.
De outro modo, a nossa Lei Maior faculta a qualquer interessado a requisição de certidões para a defesa de direitos ou esclarecimento de situações, bem como a interposição de hábeas data em casos de denegação desse pedido, dado que a publicidade é inerente aos registros administrativos [02], entre outros exemplos.
Outrossim, a publicidade atinge toda a atuação estatal, desde a divulgação de seus atos até a conduta interna dos agentes públicos, sendo os efeitos jurídicos dos atos dados a partir do momento em que são divulgados na imprensa oficial. Decisões secretas, editais ocultos e até mesmo a divulgação em abrangência menor à determinada legalmente não atenderão ao princípio em comento, havendo um ferimento visível e claro à transparência na qual deve se pautar o Estado [03].
No âmbito das licitações, a publicidade de atos é proeminente, não devendo haver procedimento sigilosos. Tal prática contrariaria o próprio intuito do instituto: buscar a formação de um futuro contrato vantajoso ao Poder Público, de acordo com os critérios estabelecidos no instrumento convocatório.
Nesse caso, a abrangência se revela desde a divulgação do aviso de sua abertura até o conhecimento do edital, o exame da documentação e das propostas, o fornecimento de certidões e a abertura dos envelopes. A falta de publicidade, nos termos legais, torna anulável o procedimento. A exceção, todavia, fica com a fase do julgamento, podendo este ser realizado em ambiente fechado, conferindo à comissão de licitação uma maior tranqüilidade para que possam discutir o mérito das questões a serem decididas. Após, o resultado deverá ser amplamente divulgado, possibilitando a interposição de recursos e o conhecimento do resultado a toda a população, afinal, é de interesse social as contratações feitas pelo Estado [04].
Ocorre que, por mais incrível que possa parecer em um consolidado Estado Democrático de Direito, ainda há tentativas de mitigação do referido princípio no seio da Administração Pública. É o caso da Licitação 03/2007 da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) [05].
O referido instrumento convocatório tem por objetivo licitar a outorga de "autorização de uso de radiofreqüências na faixa de 152 MHz a 174 MHz associada à autorização para exploração do Serviço Limitado Especializado ou Privado, submodalidade Serviço de Radiotáxi Especializado ou Serviço de Radiotáxi Privado nas Regiões Metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro", o que, indubitavelmente, não é abarcado pela Lei 8.159/91.
O aparente prosaísmo do procedimento é mascarado pelo fato de a direção da Agência Reguladora, braço administrativo do Estado em um campo técnico especializado, condicionar o conhecimento do edital ao pagamento de uma taxa. E mais: nos termos postos, pessoas naturais não podem ter acesso ao instrumento convocatório, uma vez que se requer a inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ).
A afronta não para por aí. A sede de arrecadação da autarquia especial fez a cobrança da taxa, que poderia ser meramente simbólica — mas, nem por isso, inconstitucional —, assumir a monta de R$ 200,00 (duzentos reais).
Veja-se:
"A aquisição do Edital será feita mediante ressarcimento dos custos da cópia, no valor de R$ 200,00 (duzentos reais), recolhidos por meio de Guia de Recolhimento – GR simples, emitida no momento da aquisição; e apresentação do documento de identidade do adquirente e do número de inscrição no CNPJ da organização interessada"
Mais absurda que a inconstitucionalidade da cobrança é a sua justificativa: ressarcimento dos custos da cópia. Muito bem fundamentada a resposta do Estado, afinal, editais com 4.000 — quatro mil! — páginas são extremamente comuns (sic) [06] no âmbito da Administração Pública.
Pelo exposto, não há dúvidas de que a conduta da direção da ANATEL mostra-se inconstitucional, devendo práticas congêneres ser expurgadas da conduta dos entes públicos. Publicidade é um dever constitucionalmente previsto, e não um favor do administrador.
Notas
01 Este decreto é o 4.553/02, que revogou o 2.134/97.
02 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. São Paulo Paulo: Malheiros, 2004, p. 94.
03 FIGUEIREDO, Lúcia Vale de. Curso de Direito Administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 62-63.
04 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e Contrato Administrativo. 13. ed. São Paulo Paulo: Malheiros, 2002, p. 29-30.
05 Disponível em http://www.anatel.gov.br/.
06 Por alto, o preço de custo de uma fotocópia é de 0,05 (cinco centavos) por página.