4.Pontos levantados pelo inss e demais opositores à desaposentação e comentários da autora
A autarquia previdenciária e alguns doutrinadores vêm defendendo a impossibilidade da desaposentação, tendo embasado seu posicionamento em diversos pontos.
Vejamos os mais comuns:
4.1.caráter irrenunciável da aposentadoria
Os opositores da desaposentação defendem o caráter indisponível e irreversível da aposentadoria, conforme disposto no artigo 181-B do Decreto n. 3.048/99. Vejamos os ditames do Decreto:
Art.181-B. As aposentadorias por idade, tempo de contribuição e especial concedidas pela previdência social, na forma deste Regulamento, são irreversíveis e irrenunciáveis. (Artigo acrescentado pelo Decreto nº 3.265, de 29/11/99)
Parágrafo único. O segurado pode desistir do seu pedido de aposentadoria desde que manifeste essa intenção e requeira o arquivamento definitivo do pedido antes do recebimento do primeiro pagamento do benefício, ou de sacar o respectivo Fundo de Garantia do Tempo de Serviço ou Programa de Integração Social, ou até trinta dias da data do processamento do benefício, prevalecendo o que ocorrer primeiro. Acrescentado pelo Decreto nº 4.729, de 9/06/2003)
Entretanto, é patente que um Decreto, como norma subsidiária que é, não pode restringir a aquisição de um direito do aposentado, prejudicando-o, quando a lei quedou-se omissa. E, no tocante a admissibilidade da renúncia, a mesma já resta pacificada na jurisprudência pátria.
Não podem prosperar os argumentos de irrenunciabilidade e irreversibilidade da aposentadoria, que constituem garantias em favor do segurado, quando da pretensão de tolhimento do benefício pelo concessor do mesmo, não cabendo sua utilização em desfavor do aposentado, quando o mesmo optar pela desaposentação.
4.2.Necessidade de anuência do órgão previdenciário envolvido – administração pública ou INSS
Alguns doutrinadores sustentam sua posição no entendimento que a renúncia não poderia ser configurada como renúncia, posto que depende de requerimento e concordância da Administração (órgão pagador e gestor do benefício), excluindo-se assim a necessária unilateralidade do instituto.
Destacamos o posicionamento de Lorena de Mello Rezende Colnago:
É de suma relevância lembrar que um fato jurídico ingressa no mundo jurídico através de um suporte que, geralmente, é uma norma. No caso da aposentadoria, o fato natural: inatividade remunerada pelos cofres públicos torna-se jurídica e exigível através de um ato administrativo vinculado: aposentação, que necessita de um agente capaz, de expressa previsão legal, de objeto lícito e moral, além do interesse público.
Assim, para que o fato jurídico aposentadoria seja retirado do ordenamento, pelo princípio da paridade das formas, necessário se fará um outro ato administrativo vinculado: o ato da desaposentação, com requisitos idênticos à emissão do ato de aposentação, veículo introdutor da aposentadoria.
Embora haja o interesse do segurado, no caso da desaposentação, não há interesse público, previsão legal, e, nem mesmo, objeto lícito e mora – face à aferição de vantagem em detrimento do equilíbrio financeiro dos Regimes de Previdência, ou seja, o enriquecimento ilícito do segurado. [21]
Nesse tópico, devemos lembrar que, restando pacificado o entendimento da disponibilidade do direito a aposentadoria, não haveria que se falar na impossibilidade de renúncia. E assim, a anuência do poder ou órgão gestor deveria ser automática. Isso porque, como vimos anteriormente, a aposentadoria, apesar de influir no direito da coletividade (fundo previdenciário do regime geral, caráter solidário do sistema) é um direito eminentemente pessoal e individual, sendo intransferível.
Portanto, se adotarmos tal entendimento, a Autarquia poderia apenas criar requisitos para a anuência da desaposentação, como por exemplo a devolução dos valores, desde que prevista a necessidade em lei.
Entretanto, não haveria que se falar no interesse público, até porque não nos parece lógico pensar que o interesse público (no caso, da continuidade da aposentadoria) poderia se sobrepor ao do indivíduo (que seria o da desaposentação).
Não se pode portanto, obrigar alguém a continuar aposentado, da mesma forma que não se poderia obrigá-lo a continuar trabalhando uma vez implementadas as condições para a concessão de uma aposentadoria.
Por óbvio que, no caso em análise, o direito individual se sobrepõe ao público, ainda que subsistam lado a lado.
4.3.ausência de previsão legal
Também é invocado pelo INSS, bem como pelos opositores da desaposentação, o princípio da legalidade, de observância obrigatória para a administração pública, nos termos do artigo 37, caput da CF/88. Sob esse enfoque, a ausência de previsibilidade legal para o procedimento de desaposentação e suas implicações no sistema de seguridade seria impeditivos da concessão do requerimento por parte da Autarquia.
No caso, os autores defendem que a Administração Pública estaria impedida de conceder a desaposentação por ausência de previsão legal, mas interpretando de forma oposta aos defensores da tese.
Ou seja, uns defendem que no tocante ao segurado ela seria possível porque ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Já outros defendem que à Administração pública somente é permitido aquilo que a lei prevê. Logo, pela ausência de previsão, não haveria que se falar em direito a desaposentação. Até porque, assim como a concessão do benefício, a desaposentação também seria um ato vinculado feito pela Autarquia Previdenciária.
Entretanto, para ponderar o defendido pela corrente, devemos novamente analisar na forma direito individual versus direito coletivo ou da administração pública.
E, no nosso entender, mas uma vez sai vitoriosa a interpretação que a liberdade individual se sobrepões ao direito da administração.
Portanto, a liberdade concedida e garantida constitucionalmente de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei é mais consistente do que o dever da administração de somente fazer aquilo que a lei permite ou determina.
No caso, até se entende que, interna corporis, seja complicado para a autarquia previdenciária criar um procedimento para a desaposentação em virtude da ausência da previsão legal – até pelo que já foi levantado anteriormente no tocante à devolução dos valores, e no caso, da impossibilidade da Autarquia de cobrar, frente ao caráter alimentar da verba. Destacamos também a impossibilidade do INSS de "abrir mão" desses valores em benefício de um único segurado, em detrimento da coletividade.
Isso até se admite no âmbito administrativo. Agora, discutir esse enfoque de forma a justificar a impossibilidade de deferimento, ainda que judicial, nos parece absurda.
4.4.Enriquecimento ilícito do segurado
Tema controverso no tocante a desaposentação é a devolução dos valores recebidos a título da aposentadoria a que se está renunciando. No caso, existem, mesmo entre os autores que defendem a possibilidade de desaposentação, aqueles que acreditam ser necessária a devolução dos valores ao erário para que o tempo possa ser contado para nova aposentadoria. O entendimento da jurisprudência muitas vezes tem pendido para tal necessidade, como já vimos anteriormente.
A propósito, há quem diferencie a renúncia simples (no caso, sem o interesse de utilização do tempo, e portanto, sem a necessidade de devolução dos valores) da desaposentação, que seria a desistência da aposentadoria com o intuito da utilização do tempo na busca de uma melhor aposentadoria.
Entretanto, parece mais volumosa a corrente que defende a desnecessidade de devolução de valores. Nesse caso, os opositores da desaposentação alegam o enriquecimento ilícito do segurado bem como o ferimento ao princípio da isonomia. Vejamos o posicionamento de Lorena de Mello Rezende Colnago:
É de suma relevância lembrar que um fato jurídico ingressa no mundo jurídico através de um suporte que, geralmente, é uma norma. No caso da aposentadoria, o fato natural: inatividade remunerada pelos cofres públicos torna-se jurídica e exigível através de uma ato administrativo vinculado: aposentação, que necessita de um agente capaz, de expressa previsão legal, de objeto lícito e moral, além do interesse público.
Assim, para que o fato jurídico aposentadoria seja retirado do ordenamento, pelo princípio da paridade das formas, necessário se fará um outro ato administrativo vinculado: o ato da desaposentação, com requisitos idênticos à emissão do ato de aposentação, veículo introdutor da aposentadoria.
Embora haja o interesse do segurado, no caso da desaposentação, não há interesse público, previsão legal, e, nem mesmo, objeto lícito e mora – face à aferição de vantagem em detrimento do equilíbrio financeiro dos Regimes de Previdência, ou seja, o enriquecimento ilícito do segurado. [22]
Mas, como já vimos, a natureza alimentar das verbas recebidas a título de aposentadoria impossibilitam a devolução das parcelas recebidas.
E, nesse ponto, se não é exigível do segurado a devolução das verbas por seu caráter alimentar, não haveria que se falar em enriquecimento ilícito. Até porque o recebimento das verbas não foi indevido ou ilícito, as mesmas restaram "consumidas" e não é exigível do segurado a devolução.
5.das sugestões de modificação legislativa - projeto de lei nº 7.154/2002
O Deputado Inaldo Leitão apresentou em 2002 o Projeto de Lei de nº 7.154, tendo por objetivo acrescentar o parágrafo único do artigo 54 da Lei 8.213/91, que teria o seguinte teor:
As aposentadorias por tempo de contribuição e especial concedidas pela Previdência Social, na forma da lei, poderão, a qualquer tempo, ser renunciadas pelo Beneficiário, ficando asseguradas a contagem de tempo de contribuição que serviu de base para a concessão do benefício.
O projeto foi então modificado pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, tendo sido transferida a modificação para a seção que cuida da contagem de tempo recíproca de tempo de serviço, mediante a alteração do art. 96, com nova redação a uma dos incisos e acréscimo de um parágrafo único. Vejamos a redação final do referido projeto:
Art. 96 (...)
III – não será contado por um regime previdenciário o tempo de contribuição utilizado para fins de aposentadoria concedida por outro, salvo na hipótese de renúncia ao benefício;
(...)
Parágrafo único. Na hipótese de renúncia à aposentadoria devida pelo Regime Geral da Previdência Social, somente será contado o tempo correspondente a sua percepção para fins de obtenção de benefício por outro regime previdenciário, mediante indenização da respectiva contribuição, com os acréscimos previstos no inciso IV do caput deste artigo.
6.críticas a respeito do projeto de lei nº 7.154/2002
No nosso entender, se o projeto for convertido em Lei, vai ao menos trazer a vantagem da previsão legal da desaposentação, ou seja, da possibilidade de renúncia da aposentadoria.
Claro que podemos interpretar o retorno ao trabalho ou à atividade especial como formas de renúncias tácitas para a aposentadoria por invalidez ou especial, respectivamente. Entretanto, isso não tem sido o bastante para que o INSS aceite, administrativamente, a desaposentação nos demais casos.
Logo, uma previsão mais expressa da Lei no tocante a possibilidade de renúncia, por si só, já seria benéfico para o sistema previdenciário brasileiro. Entretanto, a redação trazida, tanto no projeto original quanto no projeto modificado, deixa inúmeras duvidas. Vejamos algumas:
No caso do projeto original, a redação prevê apenas a possibilidade de renúncia no caso de aposentados especial e por tempo de serviço. Isso deixa de fora os aposentados por idade. No nosso entender, não existe justificativa jurídica para essa diferenciação. Existiria aí um grave atentado ao princípio da isonomia, constante em nossa CF no art. 5º caput.
Destacamos que, na redação do projeto modificado (7.154-C), tal diferenciação já não resiste. A possibilidade ali parece estar sendo aplicada a qualquer espécie de aposentadoria do RGPS.
Ao tratarmos ainda do projeto com alterações, ou seja, da modificação transferida para o artigo 96 [23], devemos considerar que a seção [24] em que estará inserida a norma será referente à contagem recíproca. Assim, pode-se entender que a modificação legislativa diz apenas respeito às situações em que o aposentado optaria por renunciar a aposentadoria e utilizar o tempo para outro regime – o que não foi a intenção do projeto, ao menos em seu primeiro momento.
Acredito que esta localização da modificação no artigo 96 acabará por trazer confusões no tocante a possibilidade de desaposentação para utilização de tempo para um mesmo regime, sanando apenas o problema para a utilização em regimes diferenciados.
Outro ponto importante no tocante ao projeto de lei mencionado é a ausência de manifestação acerca da devolução de valores ao regime do qual esta se renunciando a aposentadoria em questão.
Tal omissão por certo levará a algumas discussões quando da aplicação da lei. Roseval Rodriges da Cunha Filho levanta alguns:
Haverá quem argumentará que a inexistência de disposição na Lei pertinente à devolução de alguma importância ao regime concessor da aposentadoria renunciada, inviabilizaria o procedimento de desaposentação, ou mesmo a inconstitucionalidade da Lei, suscitando princípios constitucionais, tais como o do necessário equilíbrio atuarial, da igualdade e da isonomia
Também, não poderia o decreto que viesse a regulamentar a lei, a determinação de devolução de "algo" ao regime concessor da aposentadoria renunciada, pois sem a previsão na lei regulamentada o decreto estaria extrapolando suas finalidades, conquanto estaria indo além da mera regulamentação da lei, passando à excedê-la, o que constituiria ilegalidade e certamente suscitaria questionamentos neste ponto.
Assim, carece o referido projeto de lei de modificações, para que fixe a necessária devolução de alguma importância ao regime do qual se retira o desaposentando, remetendo a instrumentalização de tal devolução, como aliás de todo o procedimento de desaposentação à norma regulamentadora. [25]
Roberto Luiz Luchi Demo sugere nova redação ao parágrafo único a ser inserido ao artigo 54 da Lei nº 8.213/91. Vejamos a proposta:
Parágrafo único. As aposentadorias por tempo de contribuição e especial concedidas pela Previdência Social, na forma da lei, poderão, a qualquer tempo, ser renunciadas pelo Beneficiário, ficando condicionada a certificação do tempo de contribuição que serviu de base para concessão do benefício, ao pagamento de indenização proporcional à compensação previdenciária e ao total recebido a título de aposentadoria, nos termos do regulamento. [26]
Mas, nesse caso, novamente estaríamos criando uma diferenciação ilegal dos aposentados por idade – e, ainda, erroneamente falando de devolução de verbas de natureza alimentar, o que já resta pacificado na jurisprudência como indevido.
O projeto carece, portanto, de correção, no sentido de que se defina a questão da devolução de importância ao regime concessor da aposentadoria renunciada, seja para determinar a devolução integral dos proventos aposentários até então recebidos, seja para afastar expressamente tal devolução, ou mesmo para dar possibilidade de devolução de valores conforme uma equação a ser definida e aplicável a cada caso concreto.
Logo, pelo que se apresenta até o momento, a existência de um projeto de lei que busca trazer ao regime jurídico brasileiro uma solução para o impasse da desaposentação é muito válido.
Entretanto, no nosso entender, o projeto em si carece de enfoque técnico. Da maneira como está atualmente, a sua inserção no direito brasileiro acabará por aumentar a confusão já existente na matéria.
Assim, importante a existência do projeto legislativo em comento, ao menos buscando a discussão da desaposentação; contudo, o mesmo necessita de ajuste no sentido de que se defina a questão da devolução de importância ao regime concessor da aposentadoria renunciada.