Sumário:INTRODUÇÃO; 1 - DO AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO; 1.1 - CONCEITO; 1.2 – DO AUTO DE TRÂNSITO COMO ATO JURÍDICO ADMINISTRATIVO; 1.3 – ELEMENTOS DO AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO; 1.4 – REQUISITOS DE EXISTÊNCIA DO AIT; 1.4.1 – INFRAÇÃO; 1.4.2 – LAVRATURA DE AIT POR AUTORIDADE DE TRÂNSITO OU POR AGENTE DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO; 1.4.3 – FORMA ESCRITA; 1.5 – REQUISITOS DE VALIDADE; 1.5.1 – DA COMPETÊNCIA PARA LAVRATURA DO AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO; 1.5.2 – TIPIFICAÇÃO LEGAL DA INFRAÇÃO (INCISO I, DO ART. 280, DO CTB); 1.5.3 – DA DATA, HORA E LOCAL (INCISO II, DO ART. 280, DO CTB); 1.5.4 – CARACTERES DA PLACA DE IDENTIFICAÇÃO DO VEÍCULO, SUA MARCA E ESPÉCIE, E OUTROS ELEMENTOS JULGADOS NECESSÁRIOS À SUA IDENTIFICAÇÃO (INCISO III, DO ART. 280, DO CTB); 1.5.5 – IDENTIFICAÇÃO DO ÓRGÃO OU ENTIDADE E DA AUTORIDADE OU AGENTE AUTUADOR OU EQUIPAMENTO QUE COMPROVAR A INFRAÇÃO (INCISO V, DO ART. 280, DO CTB); 1.5.6 – PRONTUÁRIO DO CONDUTOR E ASSINATURA DO INFRATOR, SEMPRE QUE POSSÍVEL, VALENDO ESTA COMO NOTIFICAÇÃO DO COMETIMENTO DA INFRAÇÃO - AUTUAÇÃO EM FLAGRANTE – (INCISOS IV E VI, DO ART. 280, DO CTB); 1.6 – REQUISITOS DE EFICÁCIA DO AIT; 1.6.1 – COLHIMENTO DA ASSINATURA DO INFRATOR, EM CASO DE FLAGRANTE; 1.6.2 – EMISSÃO DA NOTIFICAÇÃO DE AUTUAÇÃO; 1.6.3 – PRAZO PARA EMISSÃO; 1.6.4 – MEIO HÁBIL PARA NOTIFICAÇÃO DA AUTUAÇÃO; CONCLUSÃO; BIBLIOGRAFIA
INTRODUÇÃO
Este trabalho completa um ciclo iniciado em 2004 com a publicação do artigo intitulado do julgamento do auto de infração de trânsito [01], que ganhou espaço nas discussões sobre o processo administrativo de trânsito, especialmente por causa do professor Benevides Neto – em seus vários e brilhantes trabalhos –, de modo que veio à luz no início deste ano o segundo artigo, intitulado de apontamentos sobre fato jurídico do auto de infração de trânsito [02], e agora, com a finalidade de encerrar um ciclo sobre o auto de infração de trânsito e seu julgamento, apresentamos o último artigo dessa trilogia.
No primeiro, que em verdade significa o final do processo, pois cuida do julgamento, tratamos de como deve ser a decisão no processo administrativo de trânsito, especificando os seus contornos, limites e conceitos teóricos na tentativa de demonstrar o real significado jurídico do ato de julgar o AIT.
No segundo, que consiste, deveras, o início de tudo, a origem do fenômeno jurídico do auto de infração de trânsito, estudamos o auto de infração de trânsito sob um prisma teórico e abstrato, assinalando os seus lindes, visando a estremar o AIT, pois só conhecendo o objeto podemos decidir melhor sobre ele.
Aqui, por fim, cuidaremos da parte central dessa trilogia, passando da análise teoria do apontamentos sobre o fenômeno jurídico do auto de infração de trânsito para o estudo do auto de infração de trânsito em seus elementos concretos, isto é, para uma visão pragmática de seus elementos, comprovando empiricamente cada ponto abordado e fixado na teoria. Verdade que é impossível definirmos uma verdade definitiva, sobretudo em matéria tão complexa como o julgamento do auto de infração de trânsito, mas isso não nos impede de buscá-la.
Assim, com a certeza de que o presente trabalho apenas lança sobre o escuro tema do direito do trânsito luzes indicadoras de um caminho, convidamos o leitor a se debruçar sobre as linhas seguintes e refletir sobre elas, de modo a contribuir, tal qual o professor Benevides Neto, por um direito do trânsito mais claro e mais científico.
1 - DO AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO
O art. 280 da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, estabelece que, ocorrendo uma infração prevista no Código de Trânsito, será lavrado o auto de infração. Pois bem, já dessas breves linhas deflui a necessidade de conceituarmos o auto de infração. A expressão auto [03] significa: "auto [Do lat. actu.] S. m. 1. Ato público; solenidade. 2. Registro escrito e autenticado de qualquer ato. (...)" (grifos aditados)
Pelo conceito lexical da palavra auto, já enxergamos que o auto de infração de trânsito pode ser conceituado como o ato solene por meio do qual o Estado registra, por escrito, a prática de uma suposta infração, revestido da autenticidade inerente ao próprio serviço público (fé-pública – presunção de veracidade, legitimidade e legalidade).
Esse ato de registrar uma suposta infração de trânsito deve obedecer a determinados requisitos. Por essa razão, o legislador ordinário, no art. 280 do CTB, prescreveu os elementos essenciais desse ato público de registro de infração de trânsito.
Conforme já destacamos em outro artigo [04], o auto de infração tem requisitos de existência, validade e eficácia, sem os quais esse registro da infração, feito pela autoridade ou pelo agente da autoridade de trânsito, não atingirá o fim de impor os efeitos previstos na norma infringida.
Portanto, temos que o auto de infração de trânsito é o ato jurídico, praticado pela autoridade de trânsito ou por agente seu, no qual se registra a prática de uma infração de trânsito, da qual deverá ser notificado o infrator, para ter início o processo administrativo de trânsito, que visa a aplicar as sanções imputadas pela norma de trânsito infringida.
1.2 – DO AUTO DE TRÂNSITO COMO ATO JURÍDICO ADMINISTRATIVO
Anotamos acima que o auto de infração é o ato jurídico praticado pela autoridade de trânsito ou por agente seu. Conforme melhor veremos quando do estudo da competência para a lavratura do AIT, o legislador ordinário, no art. 5º do CTB, estabeleceu que o Sistema Nacional de Trânsito só pode ser composto por órgãos ou entidades pertencentes aos entes federativos.
Assim, consoante os arts. 20, III, e 21, VI, do CTB, o auto de infração é ato praticado pela Administração Pública, dentro da sua competência (prerrogativa pública – poder de polícia), constituindo, por isso, um ato administrativo, que no dizer de Celso Antônio Bandeira de Mello, é a:
declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional. [05]
Obviamente que não é a presença da Administração Pública nessa relação jurídica que conferirá ao ato jurídico a qualidade de administrativo, pois o que determina a sua qualidade é justamente a sua causa, isto é, o próprio interesse público, consoante bem assenta o saudoso mestre pernambucano Lourival Vilanova: "No ato administrativo, o fato jurídico é unilateral por sua composição de vontade. Causa do ato é a finalidade pública (o interesse social, o interesse público). Por isso, dispensa a consensualidade na formação." [06]
Logo, o auto de infração de trânsito é, pela incidência das normas jurídicas de trânsito, um ato jurídico, mas devido à sua causa ser proveniente da finalidade pública e ser praticado pela Administração Pública no uso do seu poder de polícia, ele adquire a qualidade de ser ato jurídico administrativo.
Por ser um ato jurídico administrativo, evidentemente, seu tratamento não será igual ao ato jurídico de natureza privada, porque naquele se tem o interesse público e neste o interesse privado, podendo mais a vontade dos sujeitos aqui do que ali.
Como se sabe, a Administração Pública possui uma densa gama de normas, valores e princípios que lhe autoriza impor ao particular determinada obrigação sem a necessária passagem pelo Poder Judiciário.
Esclarecido que o auto de infração de trânsito é um ato jurídico administrativo, passaremos a investigar perfunctoriamente os seus requisitos de existência, validade e eficácia, referidos em nossos Apontamentos sobre o fenômeno jurídico do auto de infração de trânsito, pois todo e qualquer ato jurídico os tem, seja ele de que natureza for.
1.3 – ELEMENTOS DO AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO
O AIT, para produzir a relação jurídica necessária à imposição da penalidade, tem que, invariavelmente, existir, valer e ser eficaz. Verdade que o suporte fático é uno, ou seja, não existe o suporte fático da incidência, o da validade ou o da eficácia. Entretanto, ele possui elementos que, conforme já demonstramos em outro artigo [07], interferem na sua existência, validade e eficácia.
Então, dentro dessa ótica [08], estudaremos os requisitos de existência, validade e eficácia, apontando qual conseqüência jurídica resultará dos seus atendimentos ou não.
1.4 – REQUISITOS DE EXISTÊNCIA DO AIT
Os requisitos de existência do auto de infração de trânsito são, dentro do seu suporte fático, correspondentes aos elementos nucleares. Sem eles não há se falar em auto de infração, menos ainda em ato jurídico administrativo. Assim, para existir um AIT, é necessária a concreção de três elementos: a) uma conduta, praticada por uma pessoa, que possa ser enquadrada como infração; b) a lavratura do auto de infração pela Autoridade de Trânsito ou seu Agente; e c) a adoção da forma escrita, para lavratura.
1.4.1 – INFRAÇÃO
A infração de trânsito é uma conduta, comissiva ou omissiva, praticada por qualquer pessoa, física ou jurídica, condutor, transportador, embarcador ou proprietário de veículo, ou pedestre, prevista, no Código de Trânsito Brasileiro, na legislação complementar e nas resoluções do CONTRAN [09], como infração.
O CTB, em seu art. 161, prescreve que:
Art. 161. Constitui infração de trânsito a inobservância de qualquer preceito deste Código, da legislação complementar ou das resoluções do CONTRAN, sendo o infrator sujeito às penalidades e medidas administrativas indicadas em cada artigo, além das punições previstas no Capítulo XIX. (grifamos)
Temos, portanto, que, no capítulo XV do CTB, o legislador especificou as infrações de trânsito, nas quais podem incorrer o condutor ou proprietário de veículo automotor, e.g.: art. 218 e 240; a empresa de seguros, art. 243; a pessoa física ou jurídica, art. 246; ao pedestre, art. 254; e os condutores de veículos não automotores, art. 255 etc.
Assim, o primeiro elemento que devemos ter por concretizado, para que possamos ter um auto de infração de trânsito, é a prática de uma conduta que possa ser tipificada como infração. Inexistindo tal conduta, inexistirá auto de infração de trânsito.
Por exemplo, ao estacionar o veículo em local proibido, a Autoridade de Trânsito ou seu Agente pode autuar o condutor? A resposta é sim, porque, conforme estudado acima, a infração é uma conduta, comissiva ou omissiva, praticada por qualquer pessoa, física ou jurídica, transportador ou embarcador, condutor ou proprietária de veículo, ou pedestre.
Assim, analisaremos se a conduta flagrada pela Autoridade de Trânsito ou seu Agente pode ser tipificada como infração, no exemplo acima é evidente que sim. Deve-se sempre lembrar que a conduta é praticada por uma pessoa, sendo imperioso que a pessoa autuada possa incidir naquela conduta infratora.
Por isso, se um agente da autoridade de trânsito autuar um pedestre por transpor, sem autorização, bloqueio viário policial, é evidente que esse auto de infração de trânsito no mundo jurídico jamais ingressou, pois a conduta praticada pelo pedestre não pode nem sequer ser tipificada como infração. Logo, não há se falar em autuação. Pode até haver um papel em que o agente da autoridade de trânsito registrou a conduta acima, mas esse pedaço de papel jamais ingressará no mundo jurídico como auto de infração de trânsito, será desprovido de valor jurídico. E, caso ocorra qualquer ato da administração cogente no sentido de obter o pagamento da multa, por exemplo, este será ilegal e capaz de gerar indenização.
1.4.2 – LAVRATURA DE AIT POR AUTORIDADE DE TRÂNSITO OU POR AGENTE DA AUTORIDADE DE TRÂNSITO.
O § 4º do art. 280 do CTB estabelece que a Autoridade de Trânsito poderá designar agentes para, dentro dos limites da sua circunscrição, autuar os infratores. Portanto, percebemos que, se a Autoridade de Trânsito pode conferir poderes a agentes seus para lavrarem autos de infração, é porque ela possui esse poder também, pois ninguém delega poder que não possui.
Assim, só quem pode lavrar auto de infração é Autoridade de Trânsito ou Agente da Autoridade de Trânsito, resultando inexistente o auto de infração de trânsito lavrado por pessoa diversa.
Se um agente administrativo flagra um condutor praticando uma infração de trânsito e lavra um AIT, este juridicamente inexistirá, porque a norma de trânsito exige que o responsável pela lavratura do auto de infração SEJA um daqueles por ela previsto.
Por que o auto de infração de trânsito lavrado por um agente público diverso dos previstos no CTB não existe? Porque o suporte fático do auto de infração de trânsito exige, para incidência da norma, que a lavratura seja feita pela Autoridade de Trânsito ou pelo Agente dessa autoridade, pois, quando ingressar no plano da validade, a competência que será analisada será a desse agente ou a dessa autoridade.
Conforme já destacamos em nosso Apontamentos sobre o fenômeno jurídico do auto de infração de trânsito [10], os elementos complementares adjetivam os elementos nucleares. Assim, a competência para lavratura do auto de infração não tem como adjetivar agentes diversos daqueles previstos para lavrar o AIT, porque a competência é da Autoridade de Trânsito ou do seu Agente. Portanto, se não há esses sujeitos, não há como se averiguar as suas competências no plano da validade. Logo, se o agente que lavrar o auto de infração de trânsito não for [11] Autoridade de Trânsito ou Agente da Autoridade de Trânsito, não se terá concretizado um dos elementos nucleares do suporte fático, por isso, não se terá AIT.
Essa conseqüência é lógica se pensarmos que o suporte fático, quando a norma jurídica incide sobre ele, concretizou-se por completo, ou seja, a concreção para incidência tem que ser suficiente. Todos os elementos do suporte fáticos têm que estar concretizados, sob conseqüência de não incidir a norma.
Assim, se a competência, que é requisito de validade, não tem como ser atribuída àquele ser responsável pela lavratura do AIT, concreção suficiente não houve, pois não há como se concretizar o acessório sem o principal. Diferente seria se o responsável pela lavratura do auto de infração fosse agente da autoridade de trânsito incompetente. Neste caso teríamos um AIT existente, mas a competência desse agente não lhe outorgou poder para produzir validamente aquele auto e, por isso, ele seria nulo.
Portanto, se o AIT for lavrado por pessoa ontologicamente diversa daquela prevista para tal ele será inexistente, não podendo, de forma alguma, ser o infrator obrigado a cumprir qualquer penalidade.
1.4.3 – FORMA ESCRITA
Sabemos que todo e qualquer ato jurídico, necessariamente, reveste-se de uma forma, para sua exteriorização. As declarações ou manifestações são exteriorizadas por meio de formas, que podem ser escritas, orais, gestuais etc. Todo ato, necessariamente, possui uma forma.
Quando estudamos a matéria, falsamente, aprendemos que o problema de forma diz respeito à validade do ato. Porém, isso não condiz à verdade. Para certos atos a inobservância da forma implica a nulidade ou anulabilidade do ato praticado; já para outros atos, a inobservância é tão grave que nem sequer a incidência ocorre.
Entretanto, conforme já demonstramos em nosso Apontamentos sobre o fenômeno jurídico do auto de infração de trânsito [12], antes de se analisar um requisito de validade, devemos, invariavelmente, saber se ele existe. Logo, para que se possa averiguar a inobservância de uma forma, é preciso que o ato praticado se revista com uma delas. Assim, primeiramente, a forma existe no mundo fático, mas o seu ingresso no mundo jurídico dependerá da adequação, exigida pela norma, ao suporte fático.
Portanto, quando o art. 280 do CTB determina a lavratura do auto de infração, em virtude da ocorrência duma infração, ele impõe, para que se possa falar em existência, a observância duma forma. Demonstramos anteriormente que auto de infração é o ato solene pelo qual o Estado registra o cometimento de uma infração. Logo, se o ato é solene e como ele registra uma suposta infração, é evidente que, para incidência da norma jurídica, a forma a ser observada é a escrita.
A adoção de forma diversa da escrita, neste caso, resultará na inexistência do auto de infração de trânsito e não na sua nulidade, porque, antes de ser perfeita a forma, primeiro, temos que tê-la existente. Noutras palavras, antes de analisarmos se a forma utilizada é válida, ela precisa existir. Assim, o auto de infração possuirá uma forma escrita (elemento nuclear). Não devemos confundir o ser-escrita-a-forma com o ser-escrita-a-forma-prevista-em-lei, neste temos o elemento nuclear adjetivado pela locução prevista-em-lei, o que revela estarmos diante de um problema de validade, enquanto, naquele temos apenas o elemento nuclear ser-escrita-a-forma, o que faz ver que se está diante de um problema de existência.
1.5 – REQUISITOS DE VALIDADE:
Estudamos, anteriormente, os requisitos de existência do auto de infração de trânsito. Agora, analisaremos os requisitos de validade do AIT, que complementam os requisitos de existência. Assim, cuidaremos dos seguintes requisitos: a) competência da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito; b) tipificação da infração; c) data, hora e local do cometimento da infração; d) caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação; e) identificação do órgão ou entidade da autoridade ou agente autuador ou equipamento que comprovar a infração; f) prontuário do condutor, sempre que possível; e g) assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração.
1.5.1 – DA COMPETÊNCIA PARA LAVRATURA DO AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO
Tratar de competência, invariavelmente, envolve a necessária fixação de pontos nodais. Competência, portanto, engloba capacidade e legitimidade para agir. Dentro desse binômio lógico, o poder só poderá ser exercido por um agente a quem a lei tenha atribuído a capacidade e legitimidade para agir.
O Estado, dentro de sua organização, age por meio de seus agentes, que manifestam, nessa condição, não suas vontades, mas a vontade do próprio Estado. Isso porque a vontade da Administração Pública deriva do interesse público.
É a lei quem confere ao agente para público a capacidade e a legitimidade para agir. Entretanto, devemos salientar que essa conferência é abstrata – vazia –, preenchida, apenas com a concreção fática de sua hipótese. O Poder, como elemento necessário do Estado, é algo abstrato, que se enche com a concretização da ação estatal. Assim, também, os elementos da competência: capacidade e legitimidade. Quem irá, concretamente, apontar o agente público capaz e legítimo para compor determinada relação jurídica é o fato concreto.
Prova real do que foi exposto até aqui é o conceito de competência proposto por Celso Antônio Bandeira de Mello [13]:
Visto que o ‘poder’ expressado nas competências não é senão a face reversa do dever de bem satisfazer os interesses públicos, a competência pode se conceituada como o círculo compreensivo de um plexo de deveres públicos a serem satisfeitos mediante o exercício de correlatos e demarcados poderes instrumentais, legalmente conferidos para a satisfação de interesses públicos
Assim, se o suporte físico da competência é a lei, porque é ela quem confere ao agente a capacidade e a legitimidade para exercer o poder, passaremos à análise do Código de Trânsito Brasileiro sobre a matéria em comento.
Logo nas disposições preliminares do Código de Trânsito Brasileiro, o legislador tratou das situações fáticas reguladas pelo mencionado diploma legal, assim prescrevendo em seu Art. 1º:
Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.
§ 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga." (grifos nosso)
E no § 2º do mesmo dispositivo, estabelece o direito ao trânsito em condições seguras, nascendo, com isso, uma obrigação para o Estado, efetivar aquele direito.
Essa efetivação será executada pelos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, cabendo a cada um deles adotar as medidas destinadas a assegurar o direito a um trânsito em condições seguras, dentro de suas respectivas competências.
A utilização da expressão "no âmbito das respectivas competências" não é fortuita, pois, no parágrafo comentado, a expressão já desenha o caminho verdadeiro da competência que o legislador de trânsito desejou criar. Tanto assim o é que, no § 3º, ainda do art. 1º, imputa-se ao órgão e/ou entidade componente do Sistema Nacional de Trânsito a responsabilidade objetiva por danos causados aos cidadãos [14] devido à não adoção de medidas, dentro do âmbito de sua competência, para a efetivação do direito posto no § 2º, cabendo transcrever os referidos parágrafos:
§ 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.
§ 3º Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro.
A fim de fazer a delimitação da competência dos órgãos ou entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, prescreve, em seu Art. 5º, o legislador de trânsito quem compõe o sistema, conforme se bem lê abaixo:
Art. 5º O Sistema Nacional de Trânsito é o conjunto de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que tem por finalidade o exercício das atividades de planejamento, administração, normatização, pesquisa, registro e licenciamento de veículos, formação, habilitação e reciclagem de condutores, educação, engenharia, operação do sistema viário, policiamento, fiscalização, julgamento de infrações e de recursos e aplicação de penalidades.
Assim, firmou-se o Sistema Nacional de Trânsito, devendo, agora, delimitarmos o campo de atuação de cada uma daquelas entidades ou órgãos, o que foi feito seguindo o critério de composição e depois de competência, ou seja, primeiro o legislador criou as entidades ou órgãos que compõem o sistema e depois lhes atribuiu as suas funções, formando o primeiro termo da expressão competência: a legitimidade.
Só podem compor o Sistema Nacional de Trânsito órgãos ou entidade dos entes federativos. A confluência desses entes tem por finalidade a segunda parte do art. 5º do CTB.
Neste trabalho, apenas investigaremos as competências para fiscalização, policiamento e o julgamento de infrações.
O Código de Trânsito Brasileiro prescreve no Art. 256 o seguinte:
Art. 256. A autoridade de trânsito, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá aplicar, às infrações nele previstas, as seguintes penalidades: (grifos nosso)
Quando o legislador anotou que a autoridade de trânsito, na esfera das competências estabelecidas no CTB, deverá aplicar, na sua circunscrição, as infrações nele previstas, limitou o exercício da competência à circunscrição. Portanto, só poderá a autoridade aplicar sanções às infrações previstas no CTB se estas ocorrerem dentro da circunscrição da autoridade de trânsito, o que lhe confere a capacidade de agir.
Notemos que a ordem inserida no art. 256 do CTB é compatível com a constituição do art. 5º do mesmo diploma. Quando se limitou o exercício do poder à circunscrição, respeitou-se o limite de cada órgão ou entidade da União, Estado, Distrito Federal ou Município, vedando, por isso, que a autoridade de trânsito do Estado invada a esfera de competência do Município, v.g.; com isso, completa-se aquele binômio da capacidade de agir – o órgão ou entidade legitimado pela lei só poderá exercer o seu poder se o fato concreto estiver inserido na sua circunscrição.
Então, temos que a competência de uma autoridade ou de um agente da autoridade de trânsito é a confluência da sua expressa previsão legal: compor o Sistema Nacional de Trânsito, o que confere a legitimidade, e acontecimento de fato relevante para o direito do trânsito dentro da sua circunscrição, que lhe confere capacidade (legitimidade) de agir.
Quais são os órgãos que compõem o SNT e quais as suas competências? Bom, se analisarmos a seção II, do capítulo II, do CTB, encontraremos parte das respostas, pois é a partir do art. 7º que o legislador de trânsito estabelece quem são os órgãos e as competências destes no Sistema Nacional de Trânsito.
Assim, temos dos incisos I a VII do art. 7º, taxativamente, quais são os órgãos que compõem o Sistema Nacional de Trânsito – SNT. Observamos que nos incisos I e II estão os órgãos consultivos, no inciso III os órgãos ou entidades executivas de trânsito dos entes federativos, no inciso IV os órgãos ou entidades executivas rodoviárias nos incisos V e VI, os órgãos responsáveis pelo policiamento, e no inciso VII o órgão responsável pelo julgamento dos processos administrativos de trânsito.
Então, temos os órgãos consultivos, executivos, de trânsito e rodoviário, de policiamento e, por fim, de julgamento.
A competência de cada um desses órgãos está delimitada na seção II, do capítulo II do CTB, de sorte que a função a ser exercida por cada órgão ou entidade está ali descrita.
Como estamos tratando apenas da competência para lavratura do auto de infração de trânsito e seu julgamento, não cuidaremos da competência de todos os órgãos e entidades previstos no art. 7º, do CTB. Limitar-nos-emos apenas à competência dos órgãos dos incisos III, IV, V e VI, porque, conforme dicção do art. 16, do CTB, esses são os órgãos competentes para imposição de penalidade.
Desta forma, temos como capazes para lavratura do auto de infração de trânsito:
1.no âmbito da União:
a.Polícia Rodoviária Federal (art. 20, III, do CTB);
b.DNER, pois este é um órgão executivo rodoviário (art. 21, VI, do CTB).
2.no âmbito do Estados:
a.DER – Departamento Estadual de Rodagem (art. 21, VI, do CTB);
b.DETRANs.
3.no âmbito do Distrito Federal:
a.o órgão executivo rodoviário (art. 21, VI, do CTB);
b.a entidade equiparada ao DETRAN.
4.no âmbito do Município:
a.SMTTs (art. 21, VI, do CTB).
A questão que salta aos olhos é a não inclusão do polícia militar como capaz para a lavratura de auto de infração de trânsito. Porém, numa exegese mais profunda, percebe-se que a Polícia Militar pode sim lavrar o auto de infração, porém, terá que ter firmado convênio com os órgãos estaduais, distritais ou municipais, tal como preceitua o art. 23, III, do CTB.
Uma vez descrito o rol dos órgãos ou entidades capazes de exercer o poder de polícia no trânsito, para compor o binômio da competência para lavratura de auto de infração de trânsito, necessário se faz saber o limite de exercício da capacidade desses órgãos, para que não ocorram invasões ou usurpações de competência, o que fatalmente viciará o AIT.
Atentemos para que a competência para lavratura do AIT é formada por uma expressão dúplice, é a soma da capacidade de agir com a legitimidade.
No que se refere à circunscrição desses órgãos, o art. 8º do CTB transferiu aos entes federativos, à exceção da União, a obrigação de estabelecer os limites circunscricionais de suas atuações.
A circunscrição é a área na qual o órgão ou a entidade exerce a sua capacidade funcional. Porém, o CTB não faz a delimitação da circunscrição.
Todavia, o CONTRAN, a fim de regular, com maior eficácia, a distribuição de competência para a imposição das multas, nas áreas urbanas, publicou a resolução n.º 66, que assim dita no seu Art. 1º:
Art. 1º Fica instituída a TABELA DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA, FISCALIZAÇÃO DE TRÂNSITO, APLICAÇÃO DAS MEDIDAS ADMINISTRATIVAS, PENALIDADES CABÍVEIS E ARRECADAÇÃO DAS MULTAS APLICADAS, conforme Anexo desta Resolução.
Evita-se, com isso, que o município invada a esfera de competência do Estado e vice-versa. Por exemplo, o CÓDIGO INFRAÇÃO - 621 – 1, cuja DESCRIÇÃO DA INFRAÇÃO é "transitar em velocidade superior à máxima permitida para o local, medida por instrumento ou equipamento hábil em rodovias, vias de trânsito rápido e vias arteriais quando a velocidade for superior a máxima em até vinte por cento." O Município é o competente e, por isso, se o Estado lavrar o auto de infração, este será inválido, será inconsistente. É função do Município, dentro da sua circunscrição, aplicar o CTB, não podendo haver usurpação de competência pelo Estado, porque se isso ocorrer haverá, fatalmente, vício de competência que tornará o Auto de Infração de Trânsito – AIT, segundo o art. 281, parágrafo único, inciso II, inconsistente.
Como a circunscrição é a área de atuação da capacidade funcional, é a divisão territorial, ela limitará dentro de um determinado espaço a capacidade funcional da autoridade de trânsito.
Assim, por exemplo, uma infração cometida no Estado da Bahia, cujo código infração seja da competência estadual, só poderá ser imposta pela autoridade de trânsito da Bahia, qualquer outra autoridade que lavre o AIT é incompetente para aquele caso e, por isso, fa-lo-á inconsistente.
Conclusão: a competência para lavratura de AIT é composta de legitimidade e de capacidade de agir. Há uma distribuição de capacidade no CTB entre os legitimados por ele criados, cuja limitação territorial cabe aos entes federativos. Para as áreas urbanas o CONTRAN editou a resolução 66, que delimitou a competência dos órgãos ou entidades de trânsito e rodoviários. Por fim, o órgão ou a entidade de trânsito ou rodoviários, que desrespeitar o limite territorial de sua capacidade funcional, lavrará auto de infração de trânsito – AIT inconsistente.
1.5.2 – TIPIFICAÇÃO LEGAL DA INFRAÇÃO (INCISO I, DO ART. 280, DO CTB)
O inciso I do Art. 280 do CTB trata da tipificação legal. E o que seria essa tipificação legal? Seria apenas uma mera descrição fática sem apontar o dispositivo legal?
Tipificar é caracterizar, é dar ao fato social característica jurídica. Isso só quem pode fazer é a incidência da norma jurídica, pois é o único meio hábil a transformar um mero fato social em fato jurídico.
O dispositivo de ativação da funcionalidade do mundo jurídico é o suporte fático, pois esse é o meio de transporte mais eficiente na ligação entre o Mundo Jurídico e o Mundo Fático. Todos os fatos previstos em normas jurídicas ganham um modelo próprio para o seu transporte ao mundo jurídico, chamado suporte fático abstrato.
O detalhe mais interessante desse meio de transporte é a sua força motora que só é acionada com a concretização dos fatos previstos na norma, denominado suporte fático concreto. Isso é a sua hipótese de incidência, essa possibilidade é o que se chama de suporte fático, pois em acontecendo o fato que ela prevê, haverá a incidência e o nascimento do fato jurídico. Pontes de Miranda [15] leciona no prefácio do seu Tratado de Direito Privado que:
O suporte fático é aquilo sobre que as normas incidem, apontadas por elas [16]. E que para se descobrir o suporte fático é necessário estudar o fático, isto é, as relações humanas e os fatos, a que elas se referem, para se saber qual o suporte fático [17].
Do conceito acima se verificam duas situações distintas do suporte fático: o estado de latência de incidência e o estado de incidência. Daí a necessidade de se conhecer os suportes fáticos, abstrato e concreto. Quando Pontes de Miranda diz: "(...) aquilo sobre que as normas incidem, apontadas por elas..." vê-se duas situações: aquilo sobre que a norma incide – o fato concreto (suporte fático concreto) – e apontadas por ela – suporte fático abstrato, ficando clara a distinção entre os estados do suporte fático. Marcos Bernardes de Mello [18] ensina na sua obra, Teoria do Fato Jurídico que:
o suporte fático é um conceito do mundo dos fatos e não do mundo jurídico, porque somente depois de que se concretizam (=ocorram), no mundo e os seus elementos, é que, pela incidência da norma, surgirá o fato jurídico e, portanto, se poderá falar em conceitos jurídicos.
Portanto, suporte fático é todo e qualquer fato, seja ele um evento ou uma conduta, valorado e elevado à norma jurídica, quando abstrato, e a fato social quando concreto.
Veja-se o que leciona o saudoso mestre alagoano, Pontes de Miranda [19]:
Já vimos que o fato jurídico é o que fica do suporte fático suficiente, quando a regra jurídica incide e porque incide. Tal precisão é indispensável ao conceito de fato jurídico. Vimos, também, que no suporte fático se contém, por vezes, fato jurídico, ou, ainda, se contêm fatos jurídicos. Fato jurídico é, pois, o fato ou o complexo de fatos sobre o qual incidiu a regra jurídica; portanto, o fato de que dimana, agora, ou mais tarde, talvez condicionalmente, ou talvez não dimane, eficácia jurídica. Não importa se é singular, ou complexo, desde que, conceptualmente, tenha unidade. (grifos aditados)
Lastreados por esses conceitos elementares, volta-se à segunda pergunta feita no início deste tópico. Fica a nu que tipificar não é descrever uma conduta praticada simplesmente, pois ela poderá não ser relevante ao direito, é preciso apontar qual dispositivo incidiu. Ademais, consoante o princípio da motivação, à Administração é imposta a obrigação de explicitar os motivos fáticos e jurídicos do ato administrativo.
Estudou-se, ao tratar da infração, que esta é uma conduta, comissiva ou omissiva, praticada por qualquer pessoa, física ou jurídica, transportador ou embarcador, condutor ou proprietário de veículo, ou pedestre que implique a infringência de qualquer norma do Código de Trânsito Brasileiro, legislação especial ou resoluções do CONTRAN.
Pois bem, se a infração é fruto da incidência da norma sobre a conduta, a tipificação, contida no AIT, obrigatoriamente, deve evidenciar esses dois elementos: norma jurídica violada e conduta praticada.
Isto porque a Administração Pública age em conformidade estrita com a norma jurídica, não lhe sendo facultado fazer ou deixar de fazer algo que não esteja positivado. Noutras palavras, o administrador tem a lei como seu meio, sendo-lhe permitido apenas praticar ação, comissiva ou omissiva, que a lei prescreva. Qualquer contrariedade a isso fará a conduta da Administração ilegal, portanto, sujeita a sanções várias.
A situação é diferente do particular, que terá sua conduta descrita como lícita se praticar aquilo que é permitido por lei e/ou também o que não e proibido por lei. Por isso, não é uma simples descrição dos fatos suficiente à tipificação, assim como o simples apontamento da norma sem o fato social, também não o é.
À tipificação é necessário muito mais, é preciso que se mostre o fato e a norma jurídica violada para que se possa averiguar se existe ou não o fato jurídico da infração e qualquer conduta incongruente com isso viciará o ato, tornando irregular ou inconsistente, por infringência ao inciso I do Art. 280 do CTB.
Ao prescrever a necessidade de tipificação no AIT, o legislador atendeu à exigência constitucional da legalidade. Por causa desse princípio, tão importante, é imperioso que o auto de infração contenha a informação descrita no inciso I, pois assim restará assegurada ao cidadão a certeza de que não haverá abusos. Tipificar a infração é enquadrar a norma ao fato, ou seja, é mostrar a incidência da norma sobre o seu suporte fático. O inciso I do Art. 280 do CTB toca nessa necessidade de se mostrar em qual norma a conduta do infrator se enquadra, garantido, por essa mesma razão, o constitucional exercício da ampla defesa, que está positivado de modo perpétuo na Carta Magna em seu inciso LV do Art. 5º.
1.5.3 – DA DATA, HORA E LOCAL (INCISO II, DO ART. 280, DO CTB)
Sabe-se que o fato, suporte fático concreto, é essencial ao nascimento do fato jurídico, pois sem ele não há incidência de norma jurídica. A data, a hora e local compõem o elemento fato, pois todo fato se processa em algum lugar, numa data e hora.
Esses elementos, vitais à regularidade ou consistência (validade) do auto de infração, não são positivados à-toa. O Código de Trânsito Brasileiro trouxe no Art. 256 o seguinte:
Art. 256. A autoridade de trânsito, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá aplicar, às infrações nele previstas, as seguintes penalidades: (grifos nosso)
Quando o legislador anotou que a autoridade de trânsito, na esfera das competências estabelecidas no CTB deverá aplicar, na sua circunscrição, às infrações nele previstas, limitou a competência à circunscrição. Portanto, só se poderá aplicar sanções aos infratores, se estes cometeram a infração dentro da circunscrição da autoridade de trânsito.
A fim de regular, com maior eficácia, a distribuição de competência para a imposição das multas o CONTRAN publicou a resolução n.º 66, conforme bem se examinou no estudo da competência.
Com a instituição daquela tabela, toda e qualquer infração que seja praticada em área urbana está regulada. Evitando-se, com isso, que o município invada a esfera de competência do Estado e vice-versa.
Logo, está clarividente a imperiosa necessidade da especificação do local onde ocorreu a infração de trânsito. Porém, só o local em que ocorreu a infração é insuficiente à perfeição do inciso II do Art. 280 do CTB, pois ainda necessita da data e da hora.
Se o local é importante para se identificar a real autoridade de trânsito para a imputação da penalidade, a data o é para a contagem do prazo estabelecido no inciso II do Parágrafo único do Art. 281. Porque o prazo de 30 dias descrito nesse dispositivo tem por termo inicial a data do cometimento da infração.
A hora, devido ao aumento da violência, tem recebido relevância maior do que se presumia. Quem vive nos grandes centros sabe o quanto é perigoso parar num semáforo durante o período da madrugada, pois se pelo dia o risco é grande, durante o período noturno esse risco aumenta muito mais. Começa a clarear que a hora importa como elemento de escusa, mas, aprofundando o tema, enxerga-se que ela é muito mais importante.
A hora, como elemento fracionário do dia, faz com que se possa precisar em que momento do dia ocorreu a infração, informação de vital importância à defesa do infrator e até mesmo ao Estado, pois observando-a bem, evitar-se-á a emissão e postagem de autos nulos e/ou ineficazes.
Por fim, fica claro que o inciso II é importante para que o infrator possa lembrar onde, em que dia e a que horas aconteceu o fato, implicando num aumento significativo do exercício da ampla defesa. Por isso, a importância do inciso II art. 280 do Código de Trânsito.
1.5.4 – CARACTERES DA PLACA DE IDENTIFICAÇÃO DO VEÍCULO, SUA MARCA E ESPÉCIE, E OUTROS ELEMENTOS JULGADOS NECESSÁRIOS À SUA IDENTIFICAÇÃO (INCISO III, DO ART. 280, DO CTB)
Nas infrações cometidas por condutores ou proprietários de veículos, é importante que se possa individualizar o veículo, até porque com a quantidade robusta de automóveis que hoje circulam no país, seria impossível, pela semelhança externa que muitos veículos possuem, identificar o proprietário.
Pois bem, por isso a identificação da placa do veículo no AIT é importante, porque, por meio dela, encontrar-se-á, no mínimo, o sujeito a ser responsabilizado pela infração. Não por outra razão que o legislador de trânsito impõe ao proprietário do veículo a responsabilidade solidária, conforme inteligência do § 7º do art. 257 do CTB, quando não se identifica o condutor.
Entretanto, devido à facilidade de manuseio das placas de identificação do veículo, o legislador resolveu por acrescentar mais elementos de identificação, tais quais a marca do veículo, a espécie etc. A autoridade ou o agente da autoridade de trânsito devem, sempre que possível, fazer constar no AIT, além dos elementos essenciais do inciso III do art. 280, outros caracteres capazes de assegurar com maior eficiência a identificação do veículo.
Assim, poder-se-ia perguntar se a inexistência de outros elementos, que aí não estejam expressamente previstos, causaria a invalidade do AIT? A resposta é não, porque esses outros elementos, que não estão previstos expressamente, dependem da discricionariedade da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito. Não se pode negar, por outro lado, que a inserção desses elementos podem, inexoravelmente, interferir diretamente na consistência do auto de infração de trânsito, uma vez que a Administração se submete à teoria dos motivos determinantes.
Veja-se: ao descrever as características do veículo, o agente da autoridade de trânsito, discricionariamente, resolve por declarar que o veículo em questão era de quatro portas, mas o infrator, prova que o seu veículo só tem duas portas. E agora? A informação registrada no AIT é consistente? Entende-se que não, principalmente porque restou abalada a presunção de veracidade da informação, sobretudo pelo não mais incomum fenômeno da clonagem de automóveis [20].
Afirmou-se acima que o legislador escolheu os elementos básicos para identificação do veículo, pois bem, se a placa identificadora do veículo, a marca e a espécie correspondem à verdade, mas se o outro elemento destoa dos demais, a presunção de veracidade do ato impugnado já estará abalada. Logo, em decorrência dos princípios da legalidade e da supremacia do interesse público, evidentemente, o AIT não terá consistência.
Saliente-se, porém, que diferente seria se essa informação não existisse, aí sim, o auto de infração seria consistente, pois a informação nele contida seria verdadeira, o que também não se confunde com a ausência da informação, porque, assim, ter-se-ia a irregularidade.
1.5.5 – IDENTIFICAÇÃO DO ÓRGÃO OU ENTIDADE E DA AUTORIDADE OU AGENTE AUTUADOR OU EQUIPAMENTO QUE COMPROVAR A INFRAÇÃO (INCISO V, DO ART. 280, DO CTB)
Estudou-se, quando da competência para lavratura do auto de infração de trânsito, que a competência é fundamental para validade, ou seja, para regularidade do AIT.
Ciente desse papel fundamental exercido pela competência, o legislador de trânsito, no inciso V do Art. 280, do CTB, tornou obrigatória a inserção da identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente da autoridade autuador ou equipamento que comprovar a infração.
Facilmente identificamos vários elementos dentro desse inciso, o primeiro deles é identificação da entidade ou órgão. Porém, que órgão ou entidade são esses? Para explicá-lo, importa relembrar o que se estudou ao se tratar da competência. Viu-se que o Código de Trânsito estabeleceu algumas espécies de órgãos, tais quais como os consultivos, os executivos, os de policiamento etc. esclareceu-se que cada órgão desses possui uma esfera de atuação própria e que nem todos detêm a legitimidade de autuar infrações.
Logo, facilmente se enxerga o porquê da obrigação em estar identificado no AIT o órgão ou a entidade a que está vinculada a autoridade ou o agente da autoridade de trânsito. Porque se o órgão ou a entidade não é legítima para a autuação, por conseqüência a autoridade de trânsito e seu agente também não serão.
Entretanto, não é suficiente para se desvendar a competência a simples identificação do órgão ou entidade, necessário se faz apontar, também, a autoridade ou o agente da autoridade de trânsito, pois existem situações em que o órgão ou a entidade é legítima, mas a autoridade de trânsito ou seu agente não.
Só a título de exemplificação: um agente da autoridade de trânsito da SMTT do município "X" se encontra no município "Z", esse agente flagra um condutor praticando uma infração de trânsito, lavra, por essa razão, um AIT. Então pergunta-se: esse agente da autoridade de trânsito é competente? A resposta é clara e direta, não!
Vê-se, no exemplo acima, que o órgão a que está vinculado o agente da autoridade de trânsito é legítimo para aquele ato, porém, por se encontrar fora dos limites da sua circunscrição, o agente da autoridade de trânsito, vinculado ao órgão executivo de trânsito legítimo, não possui capacidade de agir, portanto, o binômio da competência não se completou e, por isso, é incompetente o agente autuador.
Além dessa hipótese, tem-se, ainda, que a indicação do agente autuador permite, inclusive, saber se aquele agente ou autoridade que lavrou o AIT é realmente um agente da autoridade de trânsito porque, conforme vimos ao tratar da existência, se o agente que lavrar o auto não for autoridade de trânsito ou agente dessa autoridade, juridicamente, AIT não existirá.
Destarte, conclui-se que dessas primeiras informações, legalmente exigidas, pode-se ter as seguintes situações: a) se não houver a indicação do órgão ou entidade e autoridade ou agente da autoridade, o AIT será irregular, consoante melhor se elucidará ao tratar de irregularidade e inconsistência; b) se houver a indicação do órgão ou entidade, mas não houver a da autoridade ou agente da autoridade, também será irregular o AIT; c) se não houver a identificação do órgão ou entidade, mas houver a do agente ou autoridade de trânsito, o AIT será, igualmente, irregular; d) se houver ambas identificações, poderá ser, se forem devidamente competentes, regular e consistente, neste aspecto; e) se o órgão ou entidade não for legítimo, o caso será de inexistência f) se o órgão ou entidade for legítimo e o agente ou autoridade de trânsito não for competente, estar-se-á tratando de regularidade e inconsistência; e g) se não se estiver diante de agentes ou autoridades de trânsito, o caso, será, de inexistência.
A inserção, na última parte desse inciso III do Art. 280, da identificação do equipamento que comprovar a infração existe não porque a máquina possa lavrar um AIT, mas, única e exclusivamente, porque por meio delas a autoridade ou o agente da autoridade de trânsito podem tomar ciência do cometimento de uma infração.
Note-se que a importância dessa informação é para se poder identificar a origem da prova, pois, como bem se conhece, no sistema jurídico pátrio não são admitidas as provas ilícitas. Por essa razão, se não há como identificar a origem da prova da infração, facilmente pode-se estar diante de uma prova ilícita. Assim, para evitar a dúvida, o legislador fez obrigatória, quando a infração decorrer de comprovação por instrumento ou aparelho eletrônico.
1.5.6 – PRONTUÁRIO DO CONDUTOR E ASSINATURA DO INFRATOR, SEMPRE QUE POSSÍVEL, VALENDO ESTA COMO NOTIFICAÇÃO DO COMETIMENTO DA INFRAÇÃO - AUTUAÇÃO EM FLAGRANTE – (INCISOS IV E VI, DO ART. 280, DO CTB)
Todo condutor de veículo, para poder dirigir, necessariamente, deve ser habilitado. A aquisição da habilitação se dá por meio dum processo, no qual o candidato a condutor deverá ser aprovado em todas as etapas. Concluído o processo de habilitação, o candidato, devidamente aprovado, receberá a Carteira Nacional de Habilitação ou CNH.
Cada condutor habilitado, nos moldes do § 7º do Art. 159 do CTB, terá um único registro no RENACH, onde todas as informações correspondentes àquele condutor serão anotadas.
O Registro Nacional de Condutores Habilitados – RENACH é um banco de dados nacional, cuja finalidade é possibilitar um controle para emissão, suspensão ou cassação das CNHs, pois, como é de conhecimento geral, a toda infração corresponde uma pontuação. Assim, sempre que um condutor for condenado por infração de trânsito, no seu registro, ou prontuário, será inserida essa informação. Destarte, ao atingir o limite de 20 (vinte) pontos, conforme o § 1º do Art. 259 do CTB, terá o seu direito de dirigir suspenso, por um período mínimo de um mês e máximo de um ano, podendo ser agravado em caso de reincidência, quando a punição poderá variar entre de seis meses a dois anos.
Por essa razão, o inciso IV do Art. 280 do CTB determina que nas infrações de trânsito, em que o infrator seja autuado em flagrante, deverá a autoridade ou agente da autoridade de trânsito registrar o número do prontuário do condutor, note-se que não é uma faculdade o registro nesses casos, é um dever. Se o agente ou autoridade de trânsito autuar um infrator em flagrante e não registrar o prontuário deste, o auto de infração será irregular.
Porém, é sensível que em alguns casos será impossível o registro do prontuário do condutor. Viu-se que o registro é obrigatório, sob pena de irregularidade, mas, então se não for possível o registro do prontuário o AIT será irregular? Obviamente que não, entretanto, o agente da autoridade de trânsito ou a autoridade de trânsito devem, imperiosamente, justificar essa impossibilidade, sob pena de tornar o AIT irregular.
E quando o prontuário do condutor, assinalado no auto de infração de trânsito, não corresponder à identificação dele, será irregular ou inconsistente o AIT? Há de se entender que a resposta é que ele será inconsistente. Viu-se, quando se estudou o fenômeno jurídico – em nosso artigo –, que todo dever ou direito correspondem, invariavelmente, a um sujeito. Pois bem, se o prontuário constante no AIT não corresponde à identificação do infrator não se terá como imputar a ele o dever de pagamento da multa, e nem muito menos a punição da pontuação decorrente da infração. Ademais, quando as informações constantes num AIT, por si mesmas, geram dúvida sobre a verdade ali registrada, o auto será inconsistente, conforme se demonstrou no artigo do julgamento do auto de infração [21], no exame da irregularidade e da inconsistência.
Quando um condutor é autuado em flagrante, segundo o inciso VI do Art. 280 do CTB, a autoridade de trânsito ou seu agente deve colher a assinatura do infrator. Vê-se que esse inciso VI depende de uma autuação em flagrante. Esse ato de colher a assinatura do infrator corresponde, conforme melhor se verá no plano da eficácia, à emissão da notificação de autuação.
À emissão liga-se a publicidade do ato. Assim, quando um infrator assina o auto de infração de trânsito, esse ato chegou à esfera de conhecimento do infrator. Por essa razão, ele se tornou público, do conhecimento do administrado, fazendo, com isso, que o termo a quo da contagem do prazo para interposição da defesa prévia seja iniciado.
Viu-se a conseqüência, quando atendido, do colhimento da assinatura, mas, por se estar tratando do plano da validade, importa saber quais os efeitos, no caso de desatendimento desse inciso VI do Art. 280.
Na autuação em flagrante, em que a autoridade ou agente da autoridade de trânsito tiverem a possibilidade de colher a assinatura do infrator eles devem fazer, sob pena de tornar irregular o auto de infração de trânsito. Não é à-toa que no § 3º do Art. 280 o legislador prescreveu o seguinte:
Art. 280. Omissis:
§ 3º Não sendo possível a autuação em flagrante, o agente de trânsito relatará o fato à autoridade no próprio auto de infração, informando os dados a respeito do veículo, além dos constantes nos incisos I, II e III, para o procedimento previsto no artigo seguinte. (grifamos)
Nesse mesmo sentido é o entendimento de Marcelo Colombelli Mezzomo [22], que, citando o voto do professor Araken de Assis em demanda relacionada ao tema, assim expõe:
De acordo com o art. 280, VI, da Lei 9.503, de 23.9.97 (Código de Trânsito Brasileiro), ocorrendo alguma infração, lavrar-se-á o respectivo auto, que, dentre outros requisitos, conterá a assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração (inc. VI). O § 3.° do art. 280, na hipótese de ser impossível colher a assinatura do infrator, determina ao agente comunicar tal fato à autoridade competente, para os fins do art. 281, que contempla o julgamento da consistência do auto e aplicará a penalidade legal. Dentre os motivos de insubsistência do auto, o art. 281, parágrafo único, II, prevê a falta de expedição da notificação da autuação, que, a teor do art. 282, caput, se seguirá à aplicação da penalidade. (grifamos)
Logo, entende-se que, se houver impossibilidade de colhimento da assinatura do infrator, por imposição legal, o agente da autoridade de trânsito deve informar, no AIT, à autoridade de trânsito os motivos que impediram o colhimento da assinatura, sob pena de tornar irregular o auto de infração de trânsito.
Todavia, sabe-se que o entendimento não é pacífico sobre o tema, havendo, em contrapartida, alguns julgados que entendem não ser suficiente à irregularidade a ausência de assinatura do infrator [23]. Por isso, importa que se esclareça o seguinte: o que se está afirmando não é que se o condutor se recusar a assinar o auto de infração ele será irregular, efetivamente não! Defende-se que se não for possível colher a assinatura do infrator, seja por que motivo for, o agente ou autoridade de trânsito deverá fazer constar no AIT essa informação sob pena de torná-lo irregular.
Entretanto, não é porque o infrator se recusou a assinar o AIT que a Administração Pública será desobrigada do seu dever de emitir a notificação da autuação, entender doutro modo implica, fatalmente, contrariar à Constituição Federal, pois se estará impedindo a publicidade do ato. Ademais, sem a notificação, conforme se verá no plano da eficácia, o auto de infração não terá como produzir efeito algum, devendo, por força do inciso II do parágrafo único do Art. 281 do CTB, ser desjurisdicizado, pelo arquivamento do AIT e a declaração de insubsistência dos registros.
Assim, cumpre ressaltar que a ausência de assinatura do infrator, per si, não é suficiente à irregularidade, mas essa ausência sem a justificativa sim é suficiente à irregularidade. À Administração Pública é imputado o dever de cumprir, com mais rigor que o particular, a lei. Admitir que no caso de recusa do infrator em assinar o AIT ele seja considerado cientificado é infringir a supremacia do interesse público, que a teor do que se estudou, é muito maior que o interesse da Administração, sendo de supina propriedade colacionar as sábias palavras do professor gaúcho Alexandre Pasqualini:
Numa frase, só o interesse público torna o indivíduo e o Estado completos. Ao lhes prestarem obediência, nada mais fazem do que obedecer ao que neles e entre eles há de mais nobre e elevado. É com esse espírito que Rousseau, num rasgo de gênio, costumava dizer que, no território universalizável da "vontade geral" ("volonté genéral"), não há nem superiores nem inferiores. Todos são iguais porque, unindo-se ao todo através do interesse público, ninguém obedece senão a si mesmo.
1.6 – REQUISITOS DE EFICÁCIA DO AIT:
Conforme já se havia narrado, neste artigo se estudarão os requisitos de existência, validade e eficácia do auto de infração de trânsito. Todavia, já foram vistos os requisitos de existência e validade. Agora, para finalizar, examinar-se-ão os requisitos de eficácia do AIT, que são: o elemento complementar, colhimento da assinatura do infrator quando da autuação em flagrante e a notificação de autuação.
1.6.1 – COLHIMENTO DA ASSINATURA DO INFRATOR, EM CASO DE FLAGRANTE
Na análise dos requisitos de validade do AIT, por ser elemento complementar, estudou-se o inciso VI do Art. 280 do CTB. Lá se esclareceu que a ausência de assinatura do infrator, per si, quando autuado em flagrante, não é suficiente à sua invalidação ou irregularidade e isso ocorre porque a lei previu a possibilidade desse elemento não se concretizar, por essa razão criou a regra do § 3º do Art. 280 do CTB.
Destarte, importa frisar que a irregularidade do AIT, nessa hipótese se dará pela confluência da ausência da assinatura do infrator com a inexistência de justificação desse fato, porque se houver a ausência de assinatura do infrator, mas existir a justificação do fato, o ato poderá ser aproveitado, desde que seja emitida a notificação para infrator.
A finalidade, quando existente a assinatura do infrator, é justamente esta, notificá-lo da autuação. Portanto, há duas situações bem distintas: a) o infrator assinou o auto de infração; e b) o infrator não assinou o AIT e o agente ou autoridade de trânsito justificou a causa de inexistência de assinatura.
Destarte, prescreve o inciso VI do Art. 280 do CTB:
Art. 280. Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará:
I - omissis;
II - omissis;
III - omissis;
IV - omissis;
V - omissis;
VI - assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração.
Ao assinar o auto de infração de trânsito o condutor estará devidamente cientificado da autuação, fazendo com que seja iniciado o prazo para apresentação de defesa prévia, que será de trinta dias contados da data da autuação.
1.6.2 – EMISSÃO DA NOTIFICAÇÃO DE AUTUAÇÃO
No item anterior ficou claro que se o infrator assinar o AIT ele estará ciente da autuação, pois a assinatura dele tornará dispensável a emissão da notificação da autuação. A notificação de autuação não é elemento do suporte fático, ela é integrativa do suporte fático do auto de infração de trânsito.
Como se está tratando da hipótese "b", importa relembrar o que prescreve o § 3º do Art. 280 do CTB:
Art. 280. Omissis:
§ 3º Não sendo possível a autuação em flagrante, o agente de trânsito relatará o fato à autoridade no próprio auto de infração, informando os dados a respeito do veículo, além dos constantes nos incisos I, II e III, para o procedimento previsto no artigo seguinte.
Logo, não sendo possível o colhimento da assinatura do infrator, única hipótese em que se considerará, para o Código de Trânsito Brasileiro, concretizada a autuação em flagrante, o agente relatará o fato à autoridade de trânsito que deverá emitir a notificação de autuação, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data do cometimento da infração, a teor do inciso II do Parágrafo Único do Art. 281 do CTB.
Diante de tal preceito legal, tem-se que o não-atendimento do prazo estabelecido faz inexigível e inaplicável a multa e penalidade. Portanto, a ineficiência na expedição do auto de infração opera contra o Estado a decadência do jus puniendi.
A notificação de autuação conterá os mesmos elementos do auto de infração de trânsito, ressalvados, logicamente, os incisos IV e VI, lembrando que ambos devem estar justificados, já que não se trata de infração em flagrante. Verdade que no § 3º, acima citado, não há referência ao inciso V, mas, nem por isso, ele deverá ser suprimido, porque sem este inciso será impossível, para o suposto infrator, exercer com plenitude o seu direito à ampla defesa.
1.6.3 – PRAZO PARA EMISSÃO
No inciso II do Parágrafo único do Art. 281 do CTB há expressa menção ao prazo de 30 (trinta) dias para a expedição da notificação de autuação, importando, por conseguinte, que se traga à baila o dispositivo em comento:
Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.
Parágrafo único. O auto de infração será arquivado e seu registro julgado insubsistente:
I - omissis;
II - se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a notificação da autuação. (Redação dada pela Lei nº 9.602, de 21.1.1998) (grifamos)
Destarte, sobre o prazo em si não são necessários maiores aprofundamentos. Entretanto, no que se refere à contagem desse prazo é relevante deitar algumas linhas. Primeiramente, o Código de Trânsito Brasileiro não tratou da contagem do prazo, motivo pelo qual deve buscar respostas na teoria geral sobre a matéria, que melhor foi tratada no Código de Processo Civil.
Adota-se a contagem prazal do CPC porque, em verdade, trata-se de processo, ainda que administrativo, e esta forma de processamento do prazo se revela mais benéfica ao administrado. Assim, na contagem desse prazo de trinta dias, para emissão da notificação de autuação, deve-se excluir o dia do início e incluir o dia do fim. Imagine que a infração se deu no dia 01.05.2003 [24], quarta-feira, termo inicial do prazo. Logo, o termo final do prazo, será dia 31.05.2003, sábado; porém, como o último dia do prazo se encerrou em dia não útil, esse se prorrogará para o primeiro dia útil subsequente, isto é, 02.06.2003.
Agora, se a infração tivesse ocorrido no dia 01.05.2004, sábado, o termo inicial seria 03.05.2004 e o termo final seria 02.06.2004.
Quando se concretiza o suporte fático da expedição do auto de infração? O ato se consuma com a simples confecção do auto de infração ou com a postagem do auto de infração? Duas perguntas que necessitam de respostas concretas e elucidativas, que as englobe de modo teórico e prático. O suporte fático da expedição do auto de infração é complexo, pois, é composto de, no mínimo, dois atos, que são simultâneos. O segundo ato é mais importante para a contagem do prazo estabelecido no inciso II do Parágrafo único do Art. 281 do CTB e, por isso, afeta de modo direto a eficácia do auto de infração. Enquanto o primeiro, é importante para a regularidade do auto de infração, ou seja, elemento complementar, pois na sua falta haverá a invalidade do próprio auto de infração.
O estudo desses dois atos e seus efeitos é de vital importância para a defesa do infrator. Portanto, para o julgamento do AIT. O ato da expedição que trata o inciso II do Parágrafo único do Art. 281 tem por termo inicial a data do cometimento da infração que está positivada no inciso II do Art. 280. Se, quando confeccionada a notificação de autuação, já estiverem passado os trinta dias [25] a que se refere o inciso II do Parágrafo único do Art. 281, o auto de infração será ineficaz.
Só que essa ineficácia faz incidir a norma desjurisdicizante do dispositivo acima citado, que expurgará do mundo jurídico aquele fato jurídico ineficaz, motivo pelo qual o registro se torna insubsistente [26]. Agora, se o auto de infração é expedido sem a data do cometimento da infração, conforme já se estudou ele será irregular.
Assim, se a postagem da notificação de autuação se der depois desses 30 (trinta) dias o auto de infração será julgado insubsistente [27]. Portanto, arquiva-o e torna insubsistente o seu registro, naquele por causa diversa deste. No primeiro há irregularidade; no segundo, desjurisdicização do fato jurídico. Apesar dos julgamentos terem o mesmo efeito prático, arquivamento do auto de infração e insubsistência do registro, eles terão causas diferentes.
1.6.4 – MEIO HÁBIL PARA NOTIFICAÇÃO DA AUTUAÇÃO
Assim como no processo civil e penal, no administrativo as notificações possuem um meio hábil para sua realização. Logo, pelo que já se estudou, temos a notificação pessoal feita pelo agente da autoridade de trânsito, quando da autuação em flagrante; e, a notificação por Aviso de Recebimento – AR, ou qualquer outro meio tecnológico hábil à cientificação do infrator, quando da não autuação em flagrante.
Ao contrário do que ocorre com os outros processos, civil e penal, o administrativo de trânsito não admite a notificação editalícia (ficta), ao contrário do que entendeu o Tribunal Regional Federal da Quarta Região, citado na nota de rodapé acima. Ressalvado o caso de ter sido enviada notificação postal com Aviso de Recebimento e esta seja devolvida por desatualização do endereço, a teor do art. 282 § 1º do CTB. Importa salientar que essa regra se aplica ao procedimento pós-julgamento do auto de infração de trânsito, porém é perfeitamente compatível com o tema aqui esposado.
Nada obstante, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 140.618/SP [28], assim decidiu:
RE 140618 / SP - SAO PAULO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO Julgamento: 07/03/1995 Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA Publicação: DJ DATA-25-08-95 PP-26027 EMENT VOL-01797-04 PP-00637 Ementa INFRACAO - CIENCIA - NOTIFICACAO FICTA - IMPRENSA OFICIAL - INSUBSISTENCIA DO MEIO UTILIZADO. Por inviabilizar o pleno exercício do direito de defesa, assegurado constitucionalmente, a intimação ficta, via publicação na imprensa oficial, não e o meio adequado a dar-se ciência ao interessado da infração cometida. Tanto quanto possível, esta deve ser pessoal, admitindo-se, no entanto, possa ser feita mediante postado. Observação VOTAÇÃO: UNANIME RESULTADO: CONHECIDO E PROVIDO PARCIALMENTE N.PP.:(6). ANALISE: (LMS). REVISAO:(BAB/NCS).ALTERACAO: 05.10.95, (ARV).::
Portanto, afora àqueles meios já indicados acima, não se pode realizar a notificação da autuação. Observe-se que a notificação que não produza o efeito de cientificar realmente o infrator ou responsável não será admitida, excluindo, com isso, toda e qualquer forma de notificação que se valha da ficção, a exemplo da por edital ou imprensa oficial. E outra não poderia ser mesma a opção, pois todo e qualquer veículo é registrado no DETRAN, o que exige a informação de um endereço, e inserido no RENAVAM – Registro Nacional de Veículos Auto Motores.