Resumo: O presente ensaio jurídico tem por objetivo precípuo analisar a dogmática da disciplina do artigo 265 do Código de Processo Penal e do artigo 71 do Código de Processo Penal Militar, que estabelecem diretrizes sobre o abandono do processo pelo defensor.
Palavras-chave: Direito; processual; penal; comum; militar; defensor; abandono; infração; disciplinar.
INTRODUÇÃO
O processo é um instrumento pelo qual o estado disciplina as normas da distribuição de justiça em casos de violações ao comando normativo pátrio, restabelecendo a paz social. Existe toda a dogmática definida pelo chamado devido processo legal, matéria de relevo constitucional, elevado à categoria de direitos fundamentais, que segundo o artigo 5º, LIV, da Carta Magna, ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Esse princípio do devido processo legal em verdade é um grande tronco de uma árvore frondosa, cujos galhos são chamados de ampla defesa, contraditório, isonomia, imparcialidade, juiz natural, duplo grau de jurisdição, paridade de armas, além de outros.
Nessa perspectiva pode-se afirmar que o processo envolve, necessariamente, a participação de pelos menos três pessoas, sendo duas numa posição horizontal, autor e réu, e uma pessoa equidistante, assistindo a todo drama processual, para ao final, decidir o conflito, consubstanciado na pretensão resistida; essa pessoa é um agente público imparcial, pago pelos cofres públicos para dizer o direito a quem faz jus dentro dos parâmetros da justiça. Assim, todos devem lutar pelo seu direito, cabendo ao Poder Judiciário pacificar as relações intersubjetivas para não ser preciso ninguém morrer pela Justiça.
A doutrina brasileira mais abalizada caminhada sempre ao lado do pensamento evolutivo da relação jurídica processual, ora como contrato, quase-contrato, processo como Instituição, mas nos dias hodiernos, prevalece a posição da teoria do processo como relação jurídica.
CAVALCANTI, com rara perfeição, discorre sobre a estrutura da relação jurídica processual. Assim, arremata:
Várias foram as teorias acerca da natureza jurídica do processo durante a evolução do direito, doutrinadores como Pothier entendiam o processo como um contrato, outros como Savigny pensavam que o processo seria um quase-contrato, outros afirmavam ser o processo uma instituição. Hoje, no entanto, prevalece a teoria do processo como relação jurídica.
A teoria do processo como relação jurídica foi sistematizada e difundida por Oskar Von Bülow, em seu livro intitulado, “A teoria das exceções processuais e os pressupostos processuais”, livro este que data de 1868. “Antes dele, processualistas como Manuel Mendes de Castro, no seu século, pensaram com a noção de relação jurídica processual, porém foi dele que se partiu para a sistemática do direito processual” (…). Carnelutti dizia que “a intuição de que existam junto às relações jurídicas materiais relações jurídicas processuais já é antiga, mas no princípio e durante muito tempo a figura da relação jurídica processual foi mal delineada” (…). Destaque-se que diversos processualistas afirmam ser a máxima de Búlgaro (jurista do séc. XII – “iudicum est actun trium personarum, actoris, rei, iudicus” (o processo é ato de três personagens: do juiz, do autor e do réu) – a fonte de inspiração de Bülow.
Bülow afirmava, que no processo existiam duas relações distintas uma de direito material, que é a causa de pedir da ação, a própria relação discutida em juízo, e uma relação de direito processual “que se estabelecia com o próprio processo entre o autor e o juiz e este e o réu, identificando o processo como uma relação jurídica distinta daquela outra, porque tem como objeto a prestação jurisdicional”
Dizia Bülow que “o equívoco da ciência processual foi – em vês de considerar o processo uma relação jurídica de direito público, que se desenvolve, progressivamente, entre o juiz (tribunal) e as partes – ter destacado apenas o aspecto da noção de processo mais evidente, consistente na sua marcha ou avanço gradual (o procedimento)”.
Conforme afirmam Wambier, Almeida e Talamini, “a noção de relação processual, tal como antes descrita, nasceu na Alemanha, na segunda metade do século passado. Foi de importância vital, tal qual o conceito de lide ou de objeto litigioso, para a concepção do processo como objeto de uma ciência autônoma, ou seja, para a sua independência epistemológica, já que antes disso o processo era visto como mero apêndice ou capítulo do direito material.”1
Acerca da matéria relacionada ao exercício da defesa no âmbito do processo, o artigo 265 do CPP durante muito tempo, não obstante as mudanças processadas por meio da Lei nº 11.719, de 2008, possui a seguinte disciplina:
Art. 265. O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz, sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
§ 1o A audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o defensor não puder comparecer.
§ 2o Incumbe ao defensor provar o impedimento até a abertura da audiência. Não o fazendo, o juiz não determinará o adiamento de ato algum do processo, devendo nomear defensor substituto, ainda que provisoriamente ou só para o efeito do ato.
Destarte, a novíssima Lei nº 14.752, de 12 dezembro de 2023, nasce justamente para modificar a estrutura do artigo 265 do CPP, e também a dogmática do artigo 71 do Código de Processo Penal Militar, notadamente, em relação à aplicação da multa pelo juiz ao defensor que tenha abandono o processo.
O PL 4727, de 2020 foi apresentado no dia 17 de março de 2020, como objetivo de alterar o art. 265 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), e o art. 71 do Decreto-Lei nº 1.002, de 21 de outubro de 1969 (Código de Processo Penal Militar), para disciplinar o caso de abandono do processo pelo defensor.
Nesse sentido, com a lei em apreço, o artigo 265 do CPP, passa a vigorar com as seguintes modificações:
“Art. 265. O defensor não poderá abandonar o processo sem justo motivo, previamente comunicado ao juiz, sob pena de responder por infração disciplinar perante o órgão correicional competente.
§ 3º Em caso de abandono do processo pelo defensor, o acusado será intimado para constituir novo defensor, se assim o quiser, e, na hipótese de não ser localizado, deverá ser nomeado advogado dativo ou defensor público para a sua defesa.”
Por sua vez, o artigo 71 do CPPM passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 71. ..................................................
§ 5º (Revogado).
Abandono do processo
§ 6º O defensor não poderá abandonar o processo sem justo motivo, previamente comunicado ao juiz, sob pena de responder por infração disciplinar perante o órgão correicional competente.
§ 7º (Revogado).
§ 8º Em caso de abandono do processo pelo defensor, o acusado será intimado a constituir novo defensor, se assim o quiser, e, na hipótese de não ser localizado, deverá ser nomeado advogado dativo ou defensor público para a sua defesa.”
"O Código de Ética e Disciplina da OAB destina-se a conciliar os princípios da conduta dos advogados com os desafios da atualidade, estabelecendo os parâmetros éticos e os procedimentos a serem seguidos e harmonizando as exigências morais da profissão com os avanços políticos, sociais e tecnológicos da sociedade contemporânea. Suas normas, de natureza ética, pedagógica e jurídica, definem uma filosofia e um norte a ser seguido, valorizando a advocacia para manter e exaltar a sua respeitabilidade no País."
(Apresentação do CEOAB)
REFLEXÕES FINAIS
Com a nona lei a atribuição privativa da OAB para o controle ético disciplinar da classe é preservada e não poderá repassar a outro órgão, numa espécie de usurpação de funções. Assim, caso haja violação do artigo 265 do CPP ou artigo 71 do CPPM caberá à OAB exercer o seu poder disciplinar, sendo que a mudança legislativa, ora promovida, adequa e conforma a Constituição de 1988, eis que a aplicação arbitrária da penalidade violava as garantias constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
Doravante, deflui-se que o defensor não poderá abandonar o processo sem justo motivo, previamente comunicado ao juiz, sob pena de responder por infração disciplinar perante o órgão correicional competente.
Em caso de abandono do processo pelo defensor, o acusado será intimado a constituir novo defensor, se assim o quiser, e, na hipótese de não ser localizado, deverá ser nomeado advogado dativo ou defensor público para a sua defesa.
Assim, a Resolução nº 02/2015, que define o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil impõe como deveres do advogado a preservação de sua conduta, a honra, a nobreza e a dignidade da profissão, zelando pelo seu caráter de essencialidade e indispensabilidade; atuar com destemor, independência, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-fé; velar por sua reputação pessoal e profissional; empenhar-se, permanentemente, em seu aperfeiçoamento pessoal e profissional; contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis, dentre outros deveres. E mais que isso. O advogado deve ter consciência de que o Direito é um meio de mitigar as desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei é um instrumento para garantir a igualdade de todos. A conclusão ou desistência da causa, com ou sem a extinção do mandato, obriga o advogado à devolução de bens, valores e documentos recebidos no exercício do mandato, e à pormenorizada prestação de contas, não excluindo outras prestações solicitadas, pelo cliente, a qualquer momento.
O artigo 13 do CE da OAB estabelece que a renúncia ao patrocínio implica omissão do motivo e a continuidade da responsabilidade profissional do advogado ou escritório de advocacia, durante o prazo estabelecido em lei; não exclui, todavia, a responsabilidade pelos danos causados dolosa ou culposamente aos clientes ou a terceiros.
A conclusão ou desistência da causa, com ou sem a extinção do mandato, obriga o advogado à devolução de bens, valores e documentos recebidos no exercício do mandato, e à pormenorizada prestação de contas, não excluindo outras prestações solicitadas, pelo cliente, a qualquer momento.
Por fim, havendo infração disciplinar praticada pelo defensor em face do artigo 265 do CPP e artigo 71 do CPPM, o devido processo legal deve ser deflagrado obedecendo rigorosamente aos ditames previstos para o processo disciplinar a teor do artigo 49 ao 61 do Código de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República de 1988. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 27 de novembro de 2023.
BRASIL. Código de Processo Penal. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em 27 de novembro de 2023.
BRASIL. Código de Processo Penal Militar. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del1002.htm. Acesso em 27 de novembro de 2023.
BRASIL. Lei nº 14.752, 12 de dezembro de 2023. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14752.htm. Acesso em 13 de dezembro de 2023, às 08 horas.
CAVALCANTI. Bruno Novaes B. Conceito, características e estrutura da relação jurídica processual. Disponível em https://www.sedep.com.br/artigos/conceito-caracteristicas-e-estrutura-da-relacao-juridica-processual/. Acesso em 27 de novembro de 2023
RESOLUÇÃO Nº 02/2015. CÓDIGO DE ÉTICA DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. Disponível em https://www.oab.org.br/Content/pdf/LegislacaoOab/codigodeetica.pdf. Acesso em 27 de novembro de 2023.
Notas
CAVALCANTI. Bruno Novaes B. Conceito, características e estrutura da relação jurídica processual. Disponível em https://www.sedep.com.br/artigos/conceito-caracteristicas-e-estrutura-da-relacao-juridica-processual/. Acesso em 27 de novembro de 2023.