O direito a desconexão é um assunto que vem ganhando espaço nas discussões que envolvem a saúde do trabalhador. Mas afinal, do que se trata?
Apesar do nome, não se trata apenas de desligar a internet ou silenciar o celular. Na verdade, abrange o direito de "esquecer", temporariamente, qualquer tipo de trabalho. Ou seja, é o direito de não trabalhar nos momentos em que não se deveria estar trabalhando.
Anteriormente, com um trabalho apenas presencial, ao bater o ponto e ir para casa, o empregado não podia ser encontrado pelo empregador. Nos dias atuais, essa linha entre trabalho e vida privada está cada vez mais tênue. As empresas têm exigido cada vez mais que os empregados possam ser encontrados 24 horas por dia e 7 dias por semana.
O direito à desconexão busca impor limites à disponibilidade constante do empregado em atender às demandas do empregador. Surge como uma resposta ao abuso na exigência de trabalho além da jornada estabelecida. Não se trata de acrescentar nada ao direito que o empregado já tem, mas de assegurar o uso efetivo dos intervalos e dos afastamentos existentes. Assim, o trabalhador não precisa estar sempre pronto para trabalhar a qualquer momento ou se submeter a competições que resultem em horas extras excessivas.
O excesso de trabalho tem efeitos adversos, como a fadiga, tanto física quanto mental, e doenças ocupacionais preocupantes, como estresse, depressão, ansiedade e burnout, que é o esgotamento. Também acarreta problemas para o empregador, pois a exaustão de corpos e mentes provoca a queda de rendimento. Por fim, a sociedade como um todo padece com o incremento nos riscos de acidentes e de doenças laborais.
Os trabalhadores têm o direito constitucional à redução dos riscos no ambiente laboral por meio de normas de saúde e segurança do trabalho. A saúde, de maneira ampla, é um direito humano que vai além da mera ausência de doença; é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, como definido pela OMS. Compreender esse conceito é fundamental para a abordagem deste tema.
O direito ao lazer, também protegido pela Constituição Federal, abrange uma gama ampla de atividades que vão desde os relacionamentos familiares, afetivos, recreativos, lúdicos, artísticos e sociais até os aspectos emocionais, religiosos e culturais. Inclui também o direito ao descanso, ao relaxamento, ao repouso, à meditação e ao ócio. Em suma, envolve situações agradáveis que enriquecem a vida da pessoa.
A desconexão está intimamente ligada à liberdade de desfrutar de atividades que não estão necessariamente relacionadas ao trabalho. O tempo também pode ser aproveitado para desenvolver algum hobby - que, embora seja uma espécie de trabalho, é prazeroso, por refletir os interesses pessoais. O ócio também desempenha um papel crucial, proporcionando a oportunidade de estimular a criatividade da mente.
Como resultado, as pessoas têm melhor saúde, mais tempo livre e relacionamentos afetivos mais sólidos. A desconexão traz paz à vida das pessoas, permitindo que a pessoa se desligue e viva plenamente. Afinal, a vida não se resume apenas ao trabalho; a felicidade é o principal objetivo da vida.
É importante diferenciar o direito a não trabalhar do desemprego. A pessoa vai continuar empregada, mas não vai gerar desemprego. Pelo contrário, pode gerar mais emprego, pois, em vez de sobrecarregar o mesmo empregado, outra pessoa pode ser contratada, desempenhando o trabalho de forma mais produtiva e saudável.
Em 2016, durante o governo de François Hollande, a França promulgou a primeira lei sobre o direito à desconexão, que se tornou uma referência mundial. No Brasil, a expressão foi utilizada pela primeira vez por Jorge Luiz Souto Maior, então Juiz do Trabalho da 15ª Região.
Em 2020, o senador Fabiano Contarato apresentou o Projeto de Lei nº 4.044, que visa a inserir na CLT a liberdade do empregado usufruir do seu tempo livre, para garantir o direito do trabalhador à saúde, ao lazer e à vida privada. A proposta estipula que o empregador só pode acionar o empregado durante os descansos seguindo as mesmas regras das horas extras. Também assegura o direito do trabalhador se desconectar durante as férias.
Com a pandemia de covid-19, o assunto assumiu maior relevância. A súbita disseminação do teletrabalho, caracterizado pelo uso de meios telemáticos e informatizados, abriu espaço para novos questionamentos. O conflito com as atividades domésticas levou a uma reorganização do horário de trabalho, que muitas vezes se estende para horários noturnos ou fins de semana. Contudo, muitas pessoas se encontraram impedidas de executar trabalhos remotamente, por não dispor de conexão adequada à internet.
Ressalte-se que o acesso à internet, se bem aproveitado, oferece vantagens e comodidades. A mesma tecnologia que introduziu novas exigências de disponibilidade imediata também pode monitorar e controlar o tempo dedicado ao trabalho em casa.
Os novos modelos e arranjos produtivos melhoraram a eficiência do trabalho, mas devem estar a serviço do homem e não o contrário. A tecnologia não deve escravizar as pessoas. É fundamental libertar o homem do trabalho excessivo.