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Suspensão condicional do processo: direito subjetivo do acusado?

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23/12/1998 às 00:00
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20. LEADING CASE: O CASO HOSKEN

No julgamento do habeas corpus n. 75.343-4, impetrado em favor do paciente JUAREZ QUINTÃO HOSKEN FILHO, contra coação atribuída ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, o Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria, nos termos dos votos dos Ministros Octavio Gallotti e SEPÚLVEDA PERTENCE, que cabe ao Ministério Público a iniciativa exclusiva de propor a suspensão condicional do processo, prevista no art. 89. da Lei Federal n. 9099/95.

Os Ministros OCTAVIO GALLOTTI, então relator, e NELSON JOBIM, votaram pelo indeferimento do remédio heróico, argumentando que havendo recusa fundamentada do Ministério Público, posicionando-se pelo não oferecimento da proposta de suspensão condicional, o juiz não pode exercer tal atribuição, porque não se trata de direito subjetivo do acusado, e sim de ato que se acha dentro da esfera discricionária do Parquet.

O voto do Ministro NELSON JOBIM é muito significativo, porque ele foi um dos autores dos dispositivos cíveis da Lei n. 9099/95, tendo participado ativamente dos debates que precederam sua aprovação no Congresso Nacional, onde então exercia mandato de deputado federal. Por conseguinte, ninguém melhor que o Min. JOBIM para dizer do espírito da lei e da intenção do legislador nos arts. 76. e 89 da Lei dos Juizados Especiais.

O precedente jurisprudencial é de 12 de novembro de 1997, com prevalência do voto do Ministro Octavio Gallotti, relator. A decisão foi majoritária, firmando o entendimento de que a proposta do art. 89. da LJE é uma faculdade exclusiva do Parquet, em atenção ao princípio do art. 129, inciso I, da CF, "não podendo o juiz da causa substituir-se a este". Foi voto vencido o Min. MARCO AURÉLIO, que reconhecia a tese do direito subjetivo do réu ao benefício, desde que presentes os requisitos objetivos para a suspensão do processo.

Também por maioria, considerando-se que o art. 89. da LJE "alude ao Ministério Público na qualidade de instituição", a Corte Suprema deliberou que "na hipótese de o promotor de Justiça recusar a fazer a proposta, o juiz, verificando presentes os requisitos objetivos para a suspensão do processo, deverá encaminhar os autos ao Procurador-Geral de Justiça para que este se pronuncie sobre o oferecimento ou não da proposta".

Interpretou-se que o art. 89. mitigou o princípio da obrigatoriedade da ação penal para efeito de política criminal. Sendo assim, para orientação de tal política, tem prevalência o princípio da unidade do Ministério Público, previsto no art. 127, §1º, da CF, a fim de que a discricionariedade reconhecida não seja transferida ao subjetivismo de cada promotor de Justiça. Nesse ponto foi vencido o relator originário, Min. Octavio Gallotti, com o entendimento de que a Lei n. 9099/95 não autorizava tal procedimento administrativo . Em razão disso, foi relator para o acórdão o Min. Sepúlveda Pertence, que sustentou a aplicabilidade do art. 28. do CPP, na hipótese de recusa do membro do Parquet.

Em 14 de abril de 1998, no julgamento do habeas corpus n. 76.436, do Paraná, tendo como relator o Ministro NÉRI DA SILVEIRA, manteve-se a orientação, cassando-se a sentença condenatória e o acórdão guerreados, que inadmitiram a suspensão condicional do processo prevista no art. 89. da Lei n. 9099/95, para que fosse dada oportunidade ao Ministério Público de primeiro grau para manifestar-se sobre a aplicação do referido instituto.

O posicionamento firmou-se em 12 de maio de 1998, no julgamento do habeas corpus 76.439-SP (STF, 1ª Turma, Rel. Min. Octavio Gallotti), quando se decidiu que:

"Tendo em vista que a suspensão condicional do processo é uma faculdade do Ministério Público para fins de política criminal, a Turma deferiu em parte o habeas corpus para que a recusa do promotor de justiça em fazer proposta de suspensão condicional do processo, seja submetida à Procuradoria-Geral de Justiça, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 28. do CPP. Orientação adotada pelo STF no julgamento do HC n. 75.343-MG (Pleno, 12.11.97, v. Informativo n. 92)".

Ultimamente, em outras esferas judiciárias, têm sido valorizadas as atribuições do Ministério Público, como dominus litis e titular da atividade persecutória penal, não só em juízo, como também em sua atividade investigatória extrajudicial, assegurando à instituição o direito ao acesso direto a informações mesmo cobertas por sigilo, como o bancário (vide o HC n. 98.02.05425-ES, do TRF da 2ª Região). A orientação do STF no tocante à suspensão condicional do processo é indicativa dessa tendência.

O boletim Informativo STF n. 123, de 14 de novembro de 1998, no título "Ministério Público e Suspensão do Processo", noticiou a seguinte decisão da 2ª Turma da Corte Constitucional:

"Compete ao Ministério Público a iniciativa exclusiva para propor a suspensão condicional do processo prevista no art. 89. da Lei 9.099/95 ("Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangida ou não por esta lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que..."). Com esse entendimento, a Turma, por maioria, indeferiu o pedido relativamente ao trancamento da ação penal, vencido o Min. Marco Aurélio que o concedia para tornar a denúncia insubsistente, podendo, sobre os mesmos fatos outra ser oferecida, e, a seguir, por unanimidade , deferiu em parte o habeas corpus para determinar seja, no juízo de origem, aberta vista ao Ministério Público para fins do art. 89. da Lei 9.099/95, atendendo a orientação adotada pelo Tribunal no HC 75.343-MG (v. Informativos 76 e 92), aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 28. do CPP . Precedentes: HC 76.439-SP (DJU de 21.08.98) e HC 74.153-SP (DJU 21.03.97). HC 77.723-RS, rel. Min. Néri da Silveira, 15.9.98."

O Informativo n. 128. do STF trouxe a notícia do julgamento de outro habeas corpus no qual se manteve a discricionariedade do Ministério Público para a propositura da suspensão condicional do processo:

"O disposto no art. 89. da Lei 9.099/95 ["Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77. do Código Penal)"] aplica-se integralmente à justiça militar, inclusive quanto à observância dos requisitos do art. 77. do Código Penal. (...) Habeas corpus concedido para que, retornando à 1ª instância os autos da ação penal, o Ministério Público manifeste-se a respeito da suspensão, ou não, do processo como determinado pelo art. 89. da Lei 9.099/95 . Vencido o Min. Moreira Alves, que indeferia a ordem por entender que as hipóteses de exclusão da suspensão condicional da pena previstas no Código Penal Militar são condições objetivas, não se tratando, portanto, de requisitos subjetivos do réu"

(HC n. 77.856-AM, rel. Min. Octavio Gallotti, 20.10.98).

No entanto, em que pese tal orientação já firme do Supremo Tribunal Federal, algumas turmas do Superior Tribunal de Justiça ainda vêm sustentando que a proposta do art. 89. da Lei de Juizados Especiais é direito subjetivo do acusado, aduzindo que "o juiz não deve estar vinculado à recusa do Ministério Público" (RHC n. 7.583/SP, 5ª Turma, rel. Min. Edson Vidigal, v.u., DJU 31/08/98).

Naturalmente, esse posicionamento da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça tende a se tornar minoritário, tendo em conta a orientação adotada pelo STF em mais de um julgamento, bem assim considerando que já se instalou divergência na mesma turma do STJ, como se pode ver do seguinte excerto de decisão:

Acórdão da 5ª Turma do STJ, unânime, no Recurso Ordinário em habeas corpus n. 98/0051741-3, Relator Ministro FÉLIX FISCHER, em 25/08/1998:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO DE HABEAS CORPUS. LEI N. 9099/95. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. MAJORANTE (CRIME CONTINUADO).

I - Para verificação dos requisitos da suspensão condicional do processo (art. 89), a majorante do crime continuado deve ser computada.

II - A eventual divergência entre o agente do Parquet e o Órgão Julgador, acerca do oferecimento da suspensão se resolve, analogicamente, com o mecanismo do art. 28. do CPP . Precedentes. Recurso desprovido."

Anteriormente, o STJ já decidira que "A suspensão condicional do processo prevista na Lei 9099/95 se circunscreve no princípio da discricionariedade regulada , da vontade consciente do acusado e seu defensor, e da desnecessidade da aplicação da pena privativa de liberdade de curta duração, tendo em vista o menor potencial ofensivo da infração" (HC 5027, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini, DJU 28.04.97).

Por tudo, conclui-se com o sempre lembrado FREDERICO MARQUES, que o princípio da legalidade (ou obrigatoriedade) da ação penal e o da oportunidade podem conviver no sistema processual penal. É isso o que se está assistindo, no momento em que se tenta dar a maior vitalidade possível aos institutos da Lei n. 9099/95, que incomodam as velhas concepções dominantes, mas que descortinam um horizonte límpido no futuro da Justiça Criminal consensual.


21. SUGESTÕES PARA O PORVIR

Como sugestão do direito por legislar, pode-se estabelecer, em parágrafo do art. 89. da LJE, que a negativa de transação penal ou de suspensão condicional do processo, pelo membro do Parquet, seja submetida, tal como o arquivamento do inquérito civil ou a homologação do termo cível de ajustamento de conduta, ao controle hierárquico do órgão colegiado superior da instituição: o Conselho Superior do Ministério Público.

Com a medida, seria transformada em lei a orientação do Supremo Tribunal Federal, aperfeiçoando-a, uma vez que seriam eliminadas as desvantagens de uma decisão monocrática a cargo do Procurador-Geral de Justiça ou do Procurador-Geral da República, decisão esta que também poderia estar sujeita a vícios de subjetivismo.

Esse sistema de reexame não é novo e foi introduzido na ordem jurídica brasileira pela Lei Federal n. 7347/85, sendo reproduzido em várias leis orgânicas estaduais do Ministério Público, como na Lei Complementar Estadual n. 11, de 18 de janeiro de 1996, do Estado da Bahia.

FÁBIO MEDINA OSÓRIO é favorável a essa forma de controle hierárquico pelo órgão colegiado superior do Parquet (in O consensus na transação pena e suspensão condicional do processo penal: observações sobre a lei n. 9099, de 26-09-95), mas não deixa de sugerir a possibilidade de impetração de habeas corpus contra resolução arbitrária do Conselho ou ato ilegal do Procurador-Geral, no caso de se inviabilizar injustificadamente o acordo.

É também o promotor gaúcho quem anota parte do voto do Juiz de Alçada TUPINAMBÁ PINTO DE AZEVEDO (na correição parcial n. 296003734, da 2ª Câmara Criminal do TA-RS) a respeito da transação penal sem participação do Ministério Público:

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"Em hipótese alguma o juiz transaciona, já que é da essência da transação a renúncia a algum direito ou bem. Quem pode transacionar é parte: de um lado, desiste o Ministério Público de buscar a condenação tout court, que importaria em pressuposto da reincidência, maus antecedentes, responsabilidade civil, etc; de outro, renuncia o réu à possibilidade de absolvição (...) Agindo o magistrado de ofício a que renuncia? De que direitos abre mão?".

No mesmo processo legislativo de alteração da Lei n. 9099/95, poderia ser prevista inclusive a possibilidade de recurso administrativo da vítima ou seu representante legal ou de qualquer interessado, independentemente do encaminhamento judicial dos autos ao Procurador-Geral, com faculdade de apresentação de documentos, para que se assegure ao ofendido um espaço próprio no novo modelo de justiça consensual.

A decisão do STF é merecedora de aplausos, por fixar caminho seguro a seguir, mas não inova. Doutrinadores de escol já defendiam a aplicação analógica do art. 28. do CPP à hipótese em relevo.

Outros, como JÚLIO FABBRINI MIRABETE, apresentaram argumentos indispensáveis à supremacia da tese da legitimidade exclusiva do Ministério Público para a proposta:

"Ao contrário do que já se tem afirmado, entendemos não ser a transação prevista no art. 76. um direito público subjetivo do autor do fato, de modo a possibilitar que seja apresentada contra a vontade do Ministério Público, quer por iniciativa do juiz, quer por requerimento do interessado. Trata-se, aqui, do eventual exercício da pretensão punitiva, cabendo exclusivamente ao Promotor de Justiça a titularidade do jus persequendi in judicio, nos expressos termos do art. 129, I, da Constituição Federal" (in Juizados especiais criminais, São Paulo: Atlas, 1997, p. 82).

O renomado processualista assinalava ainda que o Ministério Público "é o titular, privativo, da ação penal pública, afastada a possibilidade de iniciativa e, portanto, de disponibilidade por parte do juiz (art. 129, I, da Constituição Federal). Não pode, portanto, a lei, e muito menos uma interpretação extensiva dela, retirar-lhe o direito de pedir a prestação jurisdicional quando entende que deva exercê-la. Consagrado pela Constituição Federal o sistema acusatório, onde existe a separação orgânica entre o órgão acusador e o órgão julgador, não pode um usurpar a atribuição e competência do outro. Por conseqüência, ao titular do jus persequendi pertence com exclusividade também a disponibilidade da ação penal quando a lei mitiga o princípio da obrigatoriedade".

E arremata que "A concessão do benefício sem a concordância do Ministério Público desnatura a relação própria dessa espécie de transação admitida pela Constituição Federal. Consenso é ato bilateral, acordo, livre adesão de vontades e, onde há obrigatoriedade ou imposição a uma das partes, não se pode falar em transação ou consenso" (op. cit., p. 153).

Por essa natureza bilateral, admite-se, na suspensão condicional do processo, a existência de contraproposta por parte do acusado, restando apenas, como verdadeiro direito subjetivo, o de obter do Ministério Público, como ente da Administração, uma prestação, entendida esta como manifestação positiva ou negativa e fundamentada, acerca da transação ou da suspensão, quer acordando, quer não. Resta também ao acusado o direito de, consensualmente implementada a suspensão, alcançar os resultados que dela decorrem, desde que cumpridas as condições avençadas.


22. CONCLUSÃO

A título de conclusão, podemos delinear os seguintes tópicos, já respondendo à pergunta-título:

1. A suspensão condicional do processo e a transação não constituem direitos subjetivos do acusado, mas sim faculdades postas à disposição do Ministério Público para fins de política criminal, no exercício da ação penal, agora informada pelo princípio da oportunidade.

2. O acusado somente tem direito subjetivo à manifestação, negativa ou positiva, do Estado-Administração quanto aos institutos dos arts. 76. e 89 da Lei n. 9099/95. A suspensão e a transação, que devem resultar do acordo de vontades das partes e da conformidade, constituem meras expectativas de direitos.

3. Ante a recusa do Ministério Público em oferecer proposta transacional lato sensu, o juiz não pode agir ex officio, cabendo-lhe remeter os autos ao Procurador-Geral, mediante aplicação analógica do art. 28. do CPP. O Parquet é ente do Estado-Administração e decide e opta conforme a legalidade e o mérito administrativo, cuja apreciação, dentro do âmbito de discricionariedade, é vedada ao Judiciário.

4. A Lei n. 9099/95 tem como fundamento o consenso, prevendo um processo de partes, não se permitindo a violação da autonomia da vontade de qualquer delas. Nesse sentido, em atenção à isonomia e à bilateralidade, não pode o magistrado conceder a suspensão ou a transação, atendendo requerimento do acusado, sem a concordância do Parquet.

5. No sistema processual penal brasileiro, vige o princípio acusatório (art. 129, I, CF), com rígida separação das funções do órgão acusador e do órgão julgador. Este está vinculado ao princípio da inércia da jurisdição de forma a garantir sua imparcialidade. Aquele é o titular privativo da ação penal, exercendo-a em um processo contraditório.

6. De lege ferenda, sugere-se o aperfeiçoamento do reexame hierárquico da negativa ministerial à transação lato sensu, de modo a permitir o controle por órgão colegiado da Administração Superior do Ministério Público.

7. Propõe-se também, no direito do porvir, seja admitida, em caso de inércia absoluta do Ministério Público, que a vítima, seu representante legal, ou qualquer interessado (nos crimes vagos), ofereça proposta subsidiária de suspensão condicional, nos moldes da ação penal privada substitutiva da pública (art. 5º, inciso LIX, da CF).

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Sobre o autor
Vladimir Aras

Professor Assistente de Processo Penal da UFBA. Mestre em Direito Público (UFPE). Professor da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU). Procurador da República na Bahia (MPF). Membro Fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAS, Vladimir. Suspensão condicional do processo: direito subjetivo do acusado?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. -1652, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1083. Acesso em: 22 nov. 2024.

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