Capa da publicação A amalucada reforma tributária
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A amalucada reforma  tributária irá tirar o sono de todos, no mínimo, durante os próximos 50 anos

06/02/2024 às 17:18

Resumo:


  • A reforma tributária aprovada pela EC nº 132/2023 é considerada excessivamente complexa e burocrática, com muitas normas que dificultam a execução do novo sistema tributário.

  • Há críticas quanto à eficácia do grupo de trabalho do governo, excluindo especialistas do meio acadêmico, e sugere-se que a reforma poderia ser simplificada com poucos dispositivos constitucionais baseados em princípios perenes.

  • O texto da reforma é visto como subversivo, estimulando litígios e confrontos, e afetando a segurança jurídica, com a possibilidade de alterações contínuas até 2077 em resposta a mudanças conjunturais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A reforma tributária vai na contramão da reforma administrativa destinada a enxugar o tamanho do Estado.

A cada artigo da EC nº 132/2023, que implantou a reforma tributária parcial focada nos tributos incidentes sobre o consumo, que comento mediante análise crítica de suas normas, chego à conclusão de que é praticamente impossível aos integrantes do gigantesco grupo de trabalho instituído pelo governo federal, com exclusão de experimentados especialistas ligados ao mundo acadêmico, para elaborar as minutas de leis complementares faltantes, sem aumentar ainda mais os pontos de estrangulamento das normas estampadas com inusitado sadismo burocrático, para emperrar e dificultar a ação dos órgãos incumbidos da execução do novo sistema tributário, recheado de acontecimentos fáticos a serem verificados ao longo de 5 cinco) décadas, baseados no exercício de futurologia dos ilustres legisladores videntes.

Não há como o grupo de trabalho desfazer as confusões levadas a efeito pelos legisladores. Cabe a eles corrigirem e eliminarem as confusões que fizeram!

O sistema tributário vigente poderia ser simplificado e melhorado 100% com introdução de não mais que 5 (cinco) dispositivos constitucionais novos. É o que quanto basta para quem lida com o sistema tributário há mais de meio século e consegue identificar de pronto os pontos de conflitos, mediante simples exame da jurisprudência das Cortes Superiores (STJ e STF). A solução é a de aprimorar, e não a de destruir o que existe. Mas, isso é tarefa de juristas com largo conhecimento e experiência no trato com o sistema tributário, fulcrado nos princípios constitucionais perenes. Não é tarefa para jejunos em direito que conduziram, de forma desastrosa, essa reforma tributária adoidada.

Somente para fixar as alíquotas de referência do IBS e da CBS a vigorar de 2027 a 2077, o art. 130 do ADCT estatuiu 30 (trinta)  normas, entre parágrafos, incisos e alíneas, cada uma delas fazendo remissões a outros preceitos normativos que contêm igual quantidade normas. Pergunta-se, quantos normas foram editadas para fixar a alíquotas do ICMS e do ISS? Resposta: uma norma para cada imposto. Por que tantas normas para fixar as alíquotas de referência do IBS? A proposta original fixava em 25% linear a alíquota do IBS. Era simples demais! Essa alíquota poderia ser flexibilizada para diferentes setores, sem os cálculos complicados que estão na reforma tributária aprovada.

Pela vez primeira, desde o advento da República, na execução do novo sistema tributário há intervenção do TCU no exercício de sua função atípica, para calcular as alíquotas de referência do IBS e da CBS, bem como para redução dessas alíquotas nos exercícios de 2030 e 2035 (art, 130, § 8º), valendo-se de informações prestadas por entes da Federação e pelo Comitê Gestor, um órgão que irá consumir, no mínimo, a metade dos recursos do IBS arrecadados em 2026, para financiar suas despesas. Essa reforma tributária vai na contramão da reforma administrativa destinada a enxugar o tamanho do Estado, porque levada a efeito com inversão da cronologia das reformas a serem feitas. Primeiramente deveria definir o tamanho do Estado, por meio de reforma administrativa para, ao depois, calcular o montante de recursos a serem transferidos pelo setor privado para financiar os custos do Estado enxugado, e não o contrário como estão fazendo.

O art. 131 do ADCT, que cuida da distribuição do produto da arrecadação do IBS nos exercícios de 2029 a 2077, contém nada menos que 25 (vinte e cinco) preceitos normativos considerando os parágrafos, incisos e alíneas que, por sua vez, fazem remissões a outros preceitos normativos em um movimento típico de um cachorro tentando morder o próprio rabo, desnorteando o raciocínio do intérprete. Tudo indica que essa epidemia de normas confusas é proposital para gerar conflitos de confusões desnecessários, pois ninguém consegue, em são consciência, criar tantos obstáculos. É como aquela tese do estupro culposo, atribuída a um magistrado, que indignado ingressou com mais de 200 ações judiciais buscando reparação por danos morais contra aqueles que lhe atribuíram a autoria da estranha tese do estupro involuntário.

Se cada ente político ficasse com a competência tributária para instituir, fiscalizar e arrecadar o imposto com que foi contemplado pela Carta Magna, em obediência ao princípio federativo que assegura a autonomia dos estados e dos municípios (art. 18 da CF), não precisaria da interferência do Comitê Gestor, nem do TCU para encontrar as alíquotas de referência do IBS, nem para distribuir o produto de sua arrecadação.

Por isso, sugerimos ao Relator da PEC no Senador Federal a substituição da proposta em discussão pela instituição de IBS federal que aparece com nome de CBS, de IBS estadual e de IBS municipal, mas ela foi ignorada por ser simples demais e bastante racional. Como me disse um dia o ex Ministro e ex Deputado, Delfin Neto, simplicidade e lógica são palavras proscritas no Congresso Nacional. Por que simplificar se tudo pode ser complicado!

O texto aprovado açodadamente pela Câmara, parcialmente alterado pelo Senado Federal e novamente apreciado pela Câmara em sessão relâmpago (votação em dois turnos no mesmo dia) resultou em um conjunto amorfo de 491 normas prolixas e confusas, muitas vezes, conflitantes entre si.

Pergunta-se, como é possível falar em cimentar um caminho seguro para desenvolvimento econômico do País com o novo sistema tributário, como afirmado pela maioria da população leiga,  influenciada pela execrável e irresponsável propaganda bilionária que antecedeu a votação da PEC 45/2019, se esse caminho, que afronta os dispositivos constitucionais protegidos por cláusulas pétreas,  semeia a confusão de toda ordem?

Trata-se de uma reforma tributária subversiva que estimula litígios, confrontos e mina o sagrado princípio da segurança jurídica fazendo com que todos vivam em estado de perplexidade, sem saber e nem poder prever o que irá acontecer no dia seguinte.

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Até o exercício de 2077 essas normas epidêmicas estarão sofrendo alterações contínuas ao sabor das modificações de situações conjunturais, muitas delas, decorrentes do próprio sistema tributário aprovado pela EC nº 132/2023.

É o que acontece quando se confunde deliberadamente o projeto de reforma tributária com o projeto de poder que possibilita manter no cabresto os governadores e os prefeitos.

É preciso que o povo, anestesiado pelo veneno da irresponsável propaganda bilionária, bancada por setores do empresariado, acorde o quanto antes e exija uma contrarreforma para recolocar nos trilhos os vagões descarrilhados pela ação relâmpado dos congressistas, igualmente, anestesiados, mas por outro tipo de anestésico que não o da propaganda irresponsável que é um mal menor.

Ao tempo do Império tínhamos um único artigo voltado para a tributação. Agora foram acrescidos mais 491 novas normas constitucionais, sob a bandeira de simplificação do sistema tributário, cinicamente agitada pelos defensores da pseudo reforma. E o princípio da simplicidade restou, ironicamente, inserido no texto da reforma tributária aprovada pelos precipitados legisladores constituintes derivados (§ 3º, do art. 145 da CF). 

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. A amalucada reforma  tributária irá tirar o sono de todos, no mínimo, durante os próximos 50 anos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7524, 6 fev. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108345. Acesso em: 22 dez. 2024.

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