1. CONCEITO
Não é raro que alguém, por amor ou desamor, por vingança ou inveja ou por outro motivo qualquer, passe a perseguir uma pessoa com habitualidade incansável. Repetidas cartas apaixonadas, e-mails, telegramas, bilhetes, mensagens na secretária eletrônica, recados por interposta pessoa ou por meio de rádio ou jornal tornam um inferno a vida da vítima, causando-lhe, no mínimo, perturbação emocional. A isso dá-se o nome de stalking.
Stalking é uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos: ligações nos telefones celular, residencial ou comercial, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores, presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, recados em faixas afixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída da escola ou do trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar, freqüência no mesmo local de lazer, em supermercados etc. O stalker, às vezes, espalha boatos sobre a conduta profissional ou moral da vítima, divulga que é portadora de um mal grave, que foi demitida do emprego, que fugiu, que está vendendo sua residência, que perdeu dinheiro no jogo, que é procurada pela Polícia etc. Vai ganhando, com isso, poder psicológico sobre o sujeito passivo, como se fosse o controlador geral dos seus movimentos.
2. SUJEITOS DO FATO
Geralmente, o sujeito ativo é o homem, e a mulher, o passivo. Há casos, entretanto, em que aparecem dois homens ou duas mulheres nos pólos. Configura exceção a perseguição de homem por mulher.
3. MOTIVOS
São os mais variados: amor, desamor, vingança, ódio, brincadeira, inveja ou qualquer outra causa subjetiva. Na maior parte das vezes, trata-se de um amor incontido, em que o stalker, geralmente do sexo masculino, repete diuturnamente sua manifestação de amor ao sujeito passivo.
4. CARACTERÍSTICAS
Esse comportamento possui determinadas peculiaridades:
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invasão de privacidade da vítima;
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repetição de atos;
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dano à integridade psicológica e emocional do sujeito passivo;
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lesão à sua reputação;
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alteração do seu modo de vida;
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restrição à sua liberdade de locomoção.
5. STALKING COMO FENÔMENO MUNDIAL
Estima-se que, nos Estados Unidos, cerca de 1 milhão de mulheres e 400 mil homens foram vítimas de stalking em 2002. Na Inglaterra, a cada ano, 600 mil homens e 250 mil mulheres são perseguidos. Em Viena, desde 1996, existem informes da ocorrência de 40 mil casos; em 2004, em um grupo de mil mulheres entrevistadas por telefone, pelo menos uma em cada quatro foi molestada dessa forma.
No 15.º Período de Sessões da Comissão de Prevenção ao Crime e Justiça Penal 1, realizado em Viena (Áustria), de 24 a 28 de abril deste ano, e promovido pelo Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC), foram discutidas questões relevantes sobre a criminalidade atual, como terrorismo, tráfico de drogas e de seres humanos, corrupção, lavagem de dinheiro, justiça criminal e cooperação internacional. Um dos temas que nos chamou a atenção foi o relacionado ao stalking, fenômeno existente em todos os países, incluído na agenda de projetos do UNODC em relação à proteção da mulher contra a violência. A Organização das Nações Unidas (ONU) tem recomendado aos Estados-membros a edição de normas civis e penais que impeçam e reprimam essa prática indesejada.
Na Áustria, está em tramitação, no Parlamento, um projeto de lei sobre stalking, disciplinando o fato nos aspectos civis e penais. Espera-se que se torne norma ainda em 2006.
6. FRACASSO DOS MEIOS DE COIBIÇÃO, INTERRUPÇÃO E PREVENÇÃO
É muito difícil prevenir e interromper a ação do stalker. Rara é a oportunidade de repressão, uma vez que as investigações policiais quase sempre terminam em insucesso. Medidas como troca ou ocultação do número do telefone, mudança de identidade, de residência e de cidade, contratação de detetive particular etc. não têm dado bons resultados, tendo em vista que os stalkers, muito espertos, em pouco tempo descobrem o novo número, a nova residência, identidade etc.
7. STALKING NA LEGISLAÇÃO PENAL BRASILEIRA
Stalking, no Brasil, configura a contravenção penal de "perturbação da tranqüilidade", com a seguinte descrição:
"Art. 65. Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranqüilidade, por acinte ou por motivo reprovável:
Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa [...]" 2
A 1.ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Criminais do Distrito Federal julgou um caso em que o autor, deixando repetidos recados na secretária eletrônica da vítima, contendo ameaças e impropérios, perturbando-lhe, assim, a tranqüilidade, causou dano a seu estado emocional, cometendo a contravenção. 3
Stalking, no País, uma singela contravenção apenada com prisão simples ou multa, constitui fato mais grave do que muitos crimes, como a ameaça e a injúria. É certo que, em muitas hipóteses, esses delitos integram a ação global da perseguição, pelo que o sujeito não deixa de responder por eles em concurso. 4 De ver-se, entretanto, que stalking como fato principal almejado pelo autor é de maior seriedade do que os próprios delitos parcelares. O fato, por essa razão, merece mais atenção e consideração do legislador brasileiro, transformando-se em figura criminal autônoma e mais bem definida.
NOTAS
1 Participei desse evento como invited expert pelo UNODC, integrando a Delegação do Instituto Inter-Regional de Criminologia das Nações Unidas (Unicri), com sede em Turim (Itália).
2 Art. 65. do Dec.-lei n. 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais).
3 Apel. Crim. n. 20000110249925, rel. Juiz João Timóteo de Oliveira, j. em 3.10.2000, DJU de 21.11.2000, seção 3, p. 39.
4 Arts. 69. a 71 do Código Penal.