A Constituição Federal assegura a todos o direito à liberdade de expressão, podendo qualquer brasileiro expor e debater as suas ideias e opiniões, sendo vedado o anonimato (art. 5º, IV), a mesma Carta Maior defende e fomenta a livre manifestação de opinião nos veículos de comunicação social (art. 220), reprimindo censuras (art. 220, §1º e §2º).
Idêntica postura é lida na Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro 1948, no seu texto, em especial nos arts. 18. e 19, se visualiza a defesa da liberdade de expressão e pensamento a todo ser humano.
Contudo, em que pese esse importante direito, não podemos nos esquecer que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, ela encontra barreiras nas ofensas de cunho preconceituoso e nos atos tipificados pela Legislação como crime, visto que “O direito de liberdade não é absoluto, pois a ninguém é dada a faculdade de fazer tudo o que bem entender. Essa concepção de liberdade levaria à sujeição dos mais fracos pelos mais fortes” (PINHO, 2000, p. 76)1.
Evidentemente que a liberdade de expressão, como qualquer outra liberdade, não é absoluta, não abraça e tampouco justifica o cometimento de crimes, logo não podemos tratar a apologia ao nazismo como um ato de liberdade de pensamento ou de opinião, pelo contrário, ao compulsarmos a Lei n. 7.716/1989, percebemos que os atos de incentivo, apoio, defesa, difusão e outros mais voltados à promoção dos ideais nazistas são expressamente classificados como criminosos.
De mais a mais, não podemos deixar de mencionar a doutrina jurídica, que é clara em afastar a apologia ao nazismo do manto protetor da liberdade de expressão, tratando-a como crime, cito:
À liberdade de expressão, desse modo, prevista constitucionalmente, impõe-se limites legais. Portanto, seu exercício, por descuido ou, ainda, por vontade dirigida para tal, pode incorrer em excesso: uma ilegalidade.
Não cabe, assim, liberdade absoluta para qualquer direito, sob o império da Constituição Federal. A liberdade de expressão não foge à regra.
O legislador brasileiro restringiu o direito de liberdade de expressão e de imprensa, através da Lei N° 7.716/89, nas hipóteses de discurso de ódio, tomando como parâmetro a proibição de discriminação, difusão do preconceito racial e humilhação (GURGEL, 2018, p. 192).
Junto ao STF, limitou-se as liberdades de expressão, no caso Ellwanger, em razão da proteção à dignidade humana e do direito à igualdade dos judeus (GURGEL, 2018, p. 192).
Observe-se que a liberdade de expressão é direito que pode ser exercida obedecendo limites constitucional; entretanto, tematicamente, o discurso de ódio é conteúdo que não guarda ponderação: toda sua medida é inconstitucional.
O ódio, assim, é um conteúdo que não admitiria adequação à norma. Não estaria abrangido pela liberdade de expressão; assim, não seria verdadeiramente caso de abuso de direito – posto seu conteúdo não admitir um exercício dentro das balizas da lei, em alguma medida. (DANTAS JÚNIOR, 2021, p. 60/61)2.
E que não se argumente que para a configuração do delito de apologia ao nazismo é necessário que o gesto, discurso ou ato seja destinado a um grupo específico de pessoas, tal conclusão é equivocada, bastando para a sua tipificação a mera divulgação ao público em geral do ato ou gesto que faz apologia ao nazismo, nesse sentido cito o Tribunal de Justiça de São Paulo:
Os tipos penais de divulgação do nazismo e de incitação ao crime não exigem, ao contrário do que afirma a defesa, que a mensagem se dirija a grupo determinado; no caso do segundo delito, aliás, o CP é expresso ao determinar que a incitação se dirija ao público em geral, não a pessoa ou grupo determinados. E o primeiro delito se configurou, neste caso, com a simples veiculação (um dos vários núcleos verbais do tipo é “veicular”).
(TJSP; Apelação Criminal 1512587-02.2018.8.26.0114; Relator (a): Francisco Bruno; Órgão Julgador: 10ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Campinas - 3ª Vara Criminal; Data do Julgamento: 16/08/2021; Data de Registro: 16/08/2021).
Em função do aqui exposto, não restam dúvidas de que a promoção de ideias, símbolos e gestos nazistas são sim catalogados como atos criminosos, não estando abraçados pela liberdade de expressão.
Não podemos deixar de reforçar que para a configuração do delito basta a simples veiculação dos ideias e/ou símbolos ligados ao nazismo, não demandando o envio da mensagem a um público específico.
Defende o presente escrito que é um equívoco tratar a apologia ao nazismo como um abuso do direito de liberdade de expressão ou opinião, tal ato é na sua essência criminoso e expressamente punível pela nossa legislação, nunca foi e tampouco será liberdade de opinião.
Notas
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PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. 17º V. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 76.
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DANTAS JÚNIOR, João Fabrício. A liberdade de expressão: Os limites ao discurso de ódio à luz da Constituição Federal. JURIS - Revista da Faculdade de Direito, [S. l.], v. 31, n. 2, p. 52–73, 2023. DOI: 10.14295/juris.v31i2.14451. Disponível em: https://periodicos.furg.br/juris/article/view/14451. Acesso em: 19 fev. 2024.