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Direito Penal Tributário: breves reflexões a partir de um caso concreto

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Recentemente foi veiculado na imprensa que o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, cujo segundo nome foi utilizado para a brilhante criação do neologismo valerioduto, se livrou de uma condenação pelo cometimento de crime contra a ordem tributária.

Embora não possua nenhuma admiração pessoal pelo então réu, procurei me despir de qualquer conceito ou preconceito sobre sua pessoa, me limitando a analisar juridicamente o caso (julgamento), sobre o qual imprimi minhas opiniões pessoais.

Segundo informações obtidas no "site" do Superior Tribunal de Justiça – STJ [01], o réu foi denunciado em razão de uma fraude no pagamento de empregados por uma de suas empresas, a DNA Propaganda Ltda., o que gerou uma dívida com o Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS na ordem de 6,82 milhões de reais.

Vale frisar que tal dívida deu azo também à propositura da competente Execução Fiscal, nos termos do artigo 1º da Lei nº 6.830/80 – Lei de Execuções Fiscais.

Em meados de 2006, o empresário-réu requereu a conversão da penhora efetuada em renda ao INSS, o que gerou a extinção do crédito tributário, conforme dispõe o artigo 156, inciso VI, do Código Tributário Nacional.

Em um sistema jurídico de normas racionais [02], o pagamento (ou conversão da penhora) poria termo à Execução Fiscal, sem guardar qualquer relação jurídica com a persecução criminal em relação ao então devedor. É dizer, a pretensão arrecadatória do Estado estaria satisfeita, mas sua pretensão punitiva não.

E isso é evidente, pois o simples inadimplemento tributário não é crime; o não pagamento do tributo não é condição suficiente e nem mesmo necessária à caracterização do tipo penal. O crime contra a ordem tributária está presente na conduta ardilosa do agente (dolo) quando do descumprimento de obrigação tributária (principal ou acessória).

A partir da edição da Lei nº 10.684/2003, no entanto, o Direito Penal e o Direito Tributário assumiram uma relação de tamanha promiscuidade que a extinção do crédito tributário, per si, se tornou suficiente à extinção da punibilidade penal.

Com base no atual modelo normativo, o STJ, quando do julgamento do Recurso Especial nº 942.769, reconheceu extinta a punibilidade dos crimes cometidos pelo empresário Marcos Valério.

Dessa forma, as duas pretensões referidas anteriormente desaparecem; se a satisfação da pretensão arrecadatória põe fim à pretensão punitiva, é certo que só existe efetivamente uma pretensão nesse sistema, a arrecadatória.

O que se vê, portanto, é que o Direito Penal é utilizado promiscuamente para atender aos fins do Erário. O Estado demonstra que a conduta dolosa do agente, que de tão reprovável foi tipificada pela lei penal, só possui tal reprovabilidade social até o momento do pagamento do crédito tributário.

Não se trata, como muitos doutrinadores afirmam, de mera "contaminação" do Direito Penal pelo Direito Tributário, mas propriamente de uma "invasão" do segundo no primeiro, fazendo usos mesquinhos de um sistema normativo de direito adjetivo (lei processual penal) e substantivo (lei material penal).

O que é visto por muitos como um benefício ao réu, dando-lhe a possibilidade de demonstrar seu arrependimento (e quem sabe até reabilitação) ao ressarcir o Estado, revela uma face oculta obscura e impiedosa. Esse modelo perverso acaba impondo as agruras do Direito Penal, inclusive com possibilidade de restrição da liberdade, apenas àqueles que não podem suportar o ônus da dívida contraída junto à Fazenda Pública.

No sistema normativo privilegiado por nosso legislador ordinário (nos dois sentidos do termo), o combate aos "crimes do colarinho branco" só existe contra os "pobres" que se aventuram nesse ramo da atividade delituosa; aos "marajás" sempre haverá o "perdão" ao alcance do talão de cheques.


Notas

01 http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=86108

02 Racionalidade que pode ser entendida, em certa medida, como aquela que informa o "legislador racional" (in FERRAZ, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2001, p. 276).

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Sobre o autor
Carlos Eduardo de Arruda Navarro

Advogado em São Paulo (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NAVARRO, Carlos Eduardo Arruda. Direito Penal Tributário: breves reflexões a partir de um caso concreto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1660, 17 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10861. Acesso em: 22 nov. 2024.

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