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Pode o juiz determinar a instauração de inquérito policial ou a inclusão do nome de determinada pessoa como investigado em um procedimento investigatório?

16/04/2024 às 15:30

Resumo:


  • O sistema acusatório é decorrente do due process of law e está previsto na Constituição Federal de 1988.

  • O Supremo Tribunal Federal reafirmou a separação das funções de acusar e julgar no processo penal brasileiro.

  • O Ministério Público tem competência para promover a ação penal pública e pode instaurar procedimento investigatório, reunindo provas para uma eventual ação penal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Existe alguma possibilidade de o juiz, ex officio, determinar a instauração de inquérito policial, ou determinar a inclusão do nome de determinada pessoa como investigada em procedimento investigatório?

O princípio do sistema acusatório é decorrente do due process of law (art. 5º, LIV, CF/1988) e está previsto no art. 129, I, da CF/1988, in verbis:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

Segundo Vladimir Aras, “em 2004 o STF extirpou do nosso sistema a função do juiz investigador ou inquisidor, quando na ADI 1570/DF (rel. min. Maurício Corrêa) declarou inconstitucional o art. 3º da Lei 9.034/1995” (STF reafirma o sistema acusatório no processo penal brasileiro. Disponível em <https://vladimiraras.blog/2017/10/31/stf-reafirma-o-sistema-acusatorio-no-processo-penal-brasileiro/>. Acesso em 9/4/2024).

O Supremo Tribunal Federal reforçou esse entendimento ao decidir que “a Constituição Brasileira de 1988 consagrou, em matéria de processo penal, o sistema acusatório, atribuindo a órgãos diferentes as funções de acusação e julgamento” (STF. ADI n. 4693. Relator: Min. Alexandre de Moraes).

Em 11/10/2018 o Ministro Alexandre de Moraes voltou a afirmar que “o sistema acusatório consagra constitucionalmente a titularidade privativa da ação penal ao Ministério Público (CF, art. 129, I)”, sendo dever do Poder Judiciário exercer a “atividade de supervisão judicial” (STF. ADI n. 4693). Assim,

“deriva do princípio acusatório a vedação, a priori, à iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória das partes. A posição do juiz no processo é regida pelos princípios da imparcialidade e da equidistância [...]. “A separação entre as funções de acusar defender e julgar é o signo essencial do sistema acusatório de processo penal (Art. 129, I, CRFB), tornando a atuação do Judiciário na fase pré-processual somente admissível com o propósito de proteger as garantias fundamentais dos investigados” (ADI 4414, Relator Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 31/05/2012)” (STF. ADI n. 6298, julgada em 24/8/2023. Relator: Min. Luiz Fux).

Como se nota, a Corte Suprema deixou claro que deve haver a separação das funções de acusar e julgar no processo penal brasileiro, regra fundamental para garantir a imparcialidade dos juízes, que devem decidir a causa somente com base nos elementos encartados nos autos.

Por isso é que cabe ao Delegado de Polícia a instauração de inquérito policial e, também, a inclusão de investigados no procedimento investigatório, à luz do art. 5º do Código de Processo Penal1, isso se houver indícios da prática de crimes. Cabe à autoridade policial investigar!

Do mesmo modo, o Ministério Público, por ter “competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal”, também pode instaurar procedimento investigatório, em razão da teoria dos poderes implícitos (STF. RE n. 593.727, julgado em 14/5/2015. Relator: Min. Cezar Peluzo. Relator para o acórdão: Min. Gilmar Mendes).

É que, se cabe ao órgão ministerial a função de promover a ação penal pública (art. 129, I, da CF/1988), essa mesma função deve possibilitar que o Promotor de Justiça reúna provas para uma eventual ação penal. Além disso, o Ministério Público pode requisitar a instauração do inquérito policial à autoridade competente (art. 5º, II, do Código de Processo Penal).

Vale lembrar que, em relação ao juiz, a CF/1988 e o Código de Processo Penal não descrevem tais hipóteses.

Afinal, ao agir como inquisidor ou acusador o magistrado estará sendo parcial e deixando de observar o art. 10 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 10/12/1948, que prevê que o julgamento de qualquer pessoa deve ser imparcial2, sem contar que haverá ofensa a Tratados Internacionais equivalentes às emendas constitucionais – art. 5º, § 3º, da CF/19883 (art. 14.1 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos - Decreto n. 592, de 6/7/19924; art. 8.1 da Convenção Americana Sobre Direitos Humanos - Decreto n. 678, de 6/11/19925).

Então, não existe qualquer possibilidade jurídica de o juiz, ex officio, determinar a instauração de inquérito policial, ou determinar a inclusão do nome de determinada pessoa como investigada em procedimento investigatório regular, especialmente quando não existir indícios ou diligências prévias, também porque fere o princípio previsto no art. 1º, III, da CF/1988, além de causar ofensa às garantias descritas no art. 5º, X, da CF/19886.


  1. Art. 5º. Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: I - de ofício; II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

  2. Art. 10. toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida.

  3. Art. 5º. [...]. § 3º. Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

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  4. Art. 14.1. Todas as pessoas são iguais perante os tribunais e as cortes de justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte ou da totalidade de um julgamento, quer por motivo de moral pública, de ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das Partes o exija, que na medida em que isso seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias específicas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá tornar-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto, ou o processo diga respeito à controvérsias matrimoniais ou à tutela de menores.

  5. Art. 8.1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.

  6. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]; III - a dignidade da pessoa humana; [...]; Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]; X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

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Sobre o autor
Fabiano Leniesky

OAB/SC 54888. Formado na Unoesc. Advogado Criminalista. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Pós-graduado em Advocacia Criminal. Pós-graduado em Ciências Criminais. Pós-graduado em Direito Probatório do Processo Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LENIESKY, Fabiano. Pode o juiz determinar a instauração de inquérito policial ou a inclusão do nome de determinada pessoa como investigado em um procedimento investigatório?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7594, 16 abr. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108999. Acesso em: 18 dez. 2024.

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