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Nota Fiscal Eletrônica e SPED: aspectos práticos e implicações tributárias.

Atuação de naturezas consultiva, contábil-preventiva e judicante-contenciosa

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07/02/2008 às 00:00
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A Nota Fiscal Eletrônica, já em implementação no Estado de São Paulo, substituirá a Nota Fiscal Paulista e a Nota Municipal Eletrônica de Serviços, automatizando a atividade fiscal com o auxílio do Conhecimento de Transporte Eletrônico, já regulado pelo Ajuste SINIEF nº 9/07.

Sumário: Introdução. 1. Escrituração e emissão digitais no contexto do programa SPED. 1.1. Enquadramentos. 1.2. O decreto presidencial instituidor do SPED: limites legais. 2. ECD e EFD: escrituração digital. 2.1. SPED-contábil (ECD). 2.1.a. Natureza e previsão legal. 2.1.b. Cronograma de implantação e pessoas obrigadas. 2.1.c. Procedimento, prazo para escrituração e considerações finais. 2.2. SPED-fiscal (EFD). 2.2.a. Natureza e previsão legal. 2.2.b. Pessoas obrigadas e procedimentos gerais. 2.2.c. Procedimentos técnico-contábeis específicos. 2.2.d. Cronograma de implantação e considerações finais. 3. NF-e: emissão digital. 3.1. Embasamento normativo, natureza, objeto e validade. 3.2. Características gerais e especificidades. 3.3. Certificação digital: as chaves públicas e a identidade virtual. 3.4. Credenciamento: formas e cronograma de obrigatoriedade. 3.5. Utilização, procedimento, emissão, autorização e consulta à NF-e: aspectos práticos ao empresário e ao contador na rotina empresarial. 3.5.a. Transmissão e retransmissão do arquivo – entidades com acesso ao Serpro. 3.5.b. Pré-verificação e autorização de uso. 3.5.c. Consulta e "Ambiente Nacional". 3.5.d. Chave de acesso e adoção de séries distintas. 3.5.e. Danfe. 3.5.f. Casos de não-autorização da NF-e. 3.5.g. Carta de correção eletrônica. 3.5.h. "Ambiente Nacional" e "SEFAZ virtual". 3.5.i. Contingências. 3.5.i. (i). SCAN – Sistema de Contingência do Ambiente Nacional. 3.5.i. (ii). Danfe em contingência, formulário de segurança e "tipo de autorização" adicionado à chave de acesso. 3.5.i. (iii). Pendências de sincronismo e de retorno e inconsistências. 4. A nova demanda às ERP ("Enterprise Resources Planning"). 5. Atuação judicial. 5.1. O ato coator na denegação de credenciamento. 5.2. Ato coator de credenciamento de ofício de empresa não-obrigada. 5.3. Inconstitucionalidades prenhes às modalidades de não-autorização da emissão da NF-e. 6. O SPED e a reforma tributária: elementos propiciatórios à imposição sobre o valor agregado. 7. Conclusão.


Introdução

Este trabalho é decorrência direta da total ausência de material "não-oficial" sobre o assunto com a qual me deparei ao precisar estudá-lo, aliado ora à constatação do quase completo desconhecimento por parte dos profissionais do direito tributário sobre o assunto, ora à enorme preocupação demonstrada pelos contadores com os quais conversei no mês de janeiro de 2008, queixando-se sobre as dificuldades inerentes à emissão e escrituração digital, que representariam o fim não só da sonegação, mas da própria profissão contábil. Acredito que não seja para tanto, nem uma coisa nem outra, mas a atividade inegavelmente precisará passar por uma reformulação bastante drástica, e arriscaria dizer que também as consultorias tributárias experimentarão mudanças em sua relação com as empresas.

Assim, depois de localizar os debates que culminaram com a proposta, busquei a legislação mais atualizada sobre o tema e procurei elaborar um material apto a erguer questões e sanar os problemas de ordem prática, conformando um manual que espero seja tecnicamente proveitoso. Em seguida, enumerei algumas questões que poderão exigir a atuação da advocacia tributária e escrevi os últimos itens do ponto de vista do advogado que confecciona a petição no calor dos acontecimentos para resguardar os direitos de seu cliente, fornecendo-lhe os fundamentos que julguei mais importantes.

Ao final, depois de localizar o objeto pesquisado, fazer sobre ele um exercício de compreensão, levantar e encaminhar problemas para reflexão posterior, ainda que tudo isto de maneira relativamente breve e inicial, busquei construir pontes entre o sistema digital desenhado pelo arquiteto do emaranhado das normas (no caso não o legislador, mas o Administrador executivo) e o projeto do tributo indireto sobre o valor que se agrega, articulado ao contexto da reforma tributária que sempre se avizinha e se distancia, intermitente.

Para o administrador público ou privado interessado, para o consultor, para o contabilista ou para o advogado, espero que estes escritos se prestem, portanto, como referencial útil, de modo que sua leitura sirva não apenas para poupar gastos com cursos especializados, como também para conduzir o debate a outros rumos, como se a nota e os livros eletrônicos já fizessem parte de nosso cotidiano, conforme farão em breve, instrumentos de afirmação do Estado e, se manuseados corretamente, de aferição de lucros à iniciativa privada e de distribuição de riqueza à sociedade.


1.Escrituração e emissão digitais no contexto do programa SPED

No ano de 2001, ao Código Tributário Nacional, em seu artigo 199, foi adicionado um parágrafo único, [01] determinando que:

Lei nº 5.172/1966, Código Tributário Nacional

– "Art. 199. A Fazenda Pública da União e as dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios prestar-se-ão mutuamente assistência para a fiscalização dos tributos respectivos e permuta de informações, na forma estabelecida, em caráter geral ou específico, por lei ou convênio.

Parágrafo único. A Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos"

A pretensão integrativa, celebrada na inclusão do texto à Lei nº 5.172/1966, alçada à condição complementar em sua recepção magna, conduziu o legislador federal a aprovar, posteriormente, a Emenda Constitucional nº 42 de 19 de dezembro de 2003, [02] alterando o sistema tributário nacional, mediante a introdução do inciso XXII ao artigo 37 da Constituição Federal de 1988, que determinou a atuação integrada dos entes da federação no concernente ao compartilhamento de cadastros e informações fiscais, na forma da lei ou convênio.

Constituição Federal de 1988

– "Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) XXII - as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio".

Com o escopo de atender às disposições normativas, legal e constitucional, foi organizado em Salvador, entre 15 e 17 de julho de 2004, o I Encontro Nacional dos Administradores Tributários (ENAT), norteado pela busca de soluções conjuntas na integração administrativa, melhor eficácia na fiscalização e no atendimento ao contribuinte, além da padronização e racionalização das informações, operações e procedimentos técnicos envolvidos no sistema tributário. Deste encontro, originou-se um Protocolo de Cooperação com o objetivo de construir um cadastro sincronizado que atendesse aos interesses tanto dos contribuintes [03] como das administrações fiscais. [04]

As características deste cadastro, que deveria também integrar as juntas comerciais e os cartórios de registros de pessoas jurídicas, observariam os seguintes parâmetros: entrada de dados única, bases de dados independentes, porém sincronizadas, reciprocidade na aceitação da legislação de cada ente signatário e adoção do número do CNPJ para fins de ICMS e ISS, comprometendo-se a Secretaria da Receita Federal [05] a trabalhar como facilitadora deste processo, na observância das particularidades de cada um dos entes pactuantes. [06]

A celebração do II ENAT, em São Paulo, trouxe inovações substanciais ao projeto de integração e, nos seus Protocolos de Cooperação números 2 e 3 de 2005, estabeleceu as diretrizes para o desenvolvimento de um Sistema Público de Escrituração Digital, denominado SPED, [07] e da Nota Fiscal Eletrônica, denominada NF-e, [08] ambos a expensas da Secretaria da Receita Federal.

Entre o I e o II ENAT, foi organizado o Encontro Nacional de Coordenadores e Administradores Tributários Estaduais (ENCAT), com a finalidade de se unificarem os diferentes projetos em andamento. Com a assinatura do Protocolo de Cooperação ENAT nº 3/2005 (II ENAT), o ENCAT foi definido como responsável pela coordenação do desenvolvimento e da implantação da NF-e. Em novembro do mesmo ano, a Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA) aderiu ao projeto.

No III ENAT, realizado em Fortaleza, realizado em novembro de 2006, os Municípios, representados pela Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (ABRASF), comprometeram-se a coordenar o desenvolvimento e a implantação da Nota Fiscal Eletrônica de serviços, denominada NFS-e, com o apoio da Secretaria da Receita Federal (SRF), da Secretaria da Receita Previdenciária (SRP) e do ENCAT. [09]

No caso de lançamento concomitante de ISSQN e ICMS, para o qual a contabilidade se vale da nota fiscal conjugada, celebrou-se a possibilidade de os Estados e Municípios estabelecerem as regras para o uso da respectiva versão eletrônica (denominada NF-e conjugada), mediante acordo. [10]

Neste mesmo encontro, comprometeram-se os entes federativos a desenvolverem o Conhecimento de Transporte Eletrônico, o CT-e, visando à substituição do papel pelo meio eletrônico como documento fiscal utilizado no registro das operações de prestação de serviço de transporte de carga, na observância da validade jurídica dos documentos digitais, padronização e compartilhamento dos dados, mínima interferência nas operações do contribuinte, e preservação do sigilo fiscal. [11]

Instituiu-se, ainda, o Comitê Gestor Nacional de Documentos Fiscais Eletrônicos, composto por: (i) um representante dos Estados e do Distrito Federal de cada região geográfica, escolhido pelo ENCAT (ii) o coordenador-geral do ENCAT, que será também o coordenador do Comitê Gestor do qual participa, (iii) um representante da Secretaria da Receita Federal, (iv) um representante dos municípios, indicado pela ABRASF, (v) um representante da SUFRAMA e (vi) um representante da iniciativa privada, estes dois últimos (‘v’ e ‘vi’) convidados pelo próprio Comitê Gestor (‘i’ a ‘iv’). [12]

As decisões do Comitê Gestor deverão ser tomadas por consenso, consoante o Protocolo de Cooperação. Seu objetivo é auxiliar o ENAT e o ENCAT nas definições estratégicas, em especial:

"I – homologar o ingresso de novos Estados como autorizadores de emissão de documentos fiscais eletrônicos;

II – encaminhar propostas de ajustes e legislação nacional para apreciação na COTEPE;

III – propor estudos de novos tipos de documentos fiscais eletrônicos;

IV – levar ao conhecimento do ENAT e do ENCAT, assuntos técnicos e dúvidas para a serem dirimidas". [13]

Exibindo uma profunda eficiência na evolução do debate fiscalizatório, o Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão deliberativo máximo do Sistema Financeiro Nacional, [14] em dezembro de 2006 estabeleceu uma linha de financiamento do BNDES para os Estados, pela Resolução CMN nº 3.430/06, [15] autorizando a contratação de operações de crédito, até junho de 2009, no valor-limite de trezentos milhões de reais destinadas à:

"(...) modernização da Administração das Receitas e da Gestão Fiscal, Financeira e Patrimonial das Administrações Estaduais, no âmbito de programa proposto pelo Poder Executivo Federal".

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Estas premissas e diretrizes, aliadas à receita disponibilizada, possibilitou que, em março de 2006 fosse feito o convite a algumas empresas para participarem do Projeto Piloto da escrituração digital e, já em setembro do mesmo ano, fosse emitida a primeira NF-e com validade jurídica.

No contexto do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), instituído pelo Governo Federal e com duração prevista de 2007 a 2010, foi editado o Decreto nº 6.022/07, instituindo o Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), sob coordenação da Secretaria da Receita Federal. [16]

1.2.O decreto presidencial instituidor do SPED: limites legais

O Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), coordenado pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, é o instrumento que tem, por objeto, unificar:

"(...) as atividades de recepção, validação, armazenamento e autenticação de livros e documentos que integram a escrituração comercial e fiscal dos empresários e das sociedades empresárias, mediante fluxo único, computadorizado, de informações". [17]

Neste sentido, mediante uma mudança nos paradigmas da contabilidade e da fiscalização, altera o cumprimento de obrigações tributárias acessórias: como se desenvolverá a seguir, não se trata do mero transporte das informações atualmente registradas em suporte material (papel) para o suporte eletrônico.

Antes, contudo, necessário se problematizar a forma normativa eleita para instituição da nova sistemática fiscal, a fim de se contextualizar o seu intento precípuo: o decreto executivo federal, ato administrativo editado pelo Presidente da República e referendado por Ministro de Estado, com a finalidade de regulamentar uma lei ou prover disposição dela emanada. [18]

No caso em comento, duas são as normas a que o decreto instituidor do SPED faz referência, supostamente as regulamentando ou provendo: uma, a Lei nº 10.406/2002, o Código Civil, em seus artigos 219, 1.179 e 1.180:

Lei nº 10.406/2002, Código Civil

– "(...) Art. 219. As declarações constantes de documentos assinados presumem-se verdadeiras em relação aos signatários. Parágrafo único. Não tendo relação direta, porém, com as disposições principais ou com a legitimidade das partes, as declarações enunciativas não eximem os interessados em sua veracidade do ônus de prová-las.

(...) Art. 1.179. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico. § 1º Salvo o disposto no art. 1.180, o número e a espécie de livros ficam a critério dos interessados. § 2º É dispensado das exigências deste artigo o pequeno empresário a que se refere o art. 970.

Art. 1.180. Além dos demais livros exigidos por lei, é indispensável o Diário, que pode ser substituído por fichas no caso de escrituração mecanizada ou eletrônica. Parágrafo único. A adoção de fichas não dispensa o uso de livro apropriado para o lançamento do balanço patrimonial e do de resultado econômico".

A outra norma, não propriamente uma lei em sentido estrito, a Medida Provisória nº 2.200-2/2001, em seus artigos 10 e 11:

Medida Provisória nº 2.200-2/2001 – Institui a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileiras

– "(...) Art. 10. Consideram-se documentos públicos ou particulares, para todos os fins legais, os documentos eletrônicos de que trata esta Medida Provisória. § 1º As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários, na forma do art. 131 da Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. [19]§ 2º O disposto nesta Medida Provisória não obsta a utilização de outro meio de comprovação da autoria e integridade de documentos em forma eletrônica, inclusive os que utilizem certificados não emitidos pela ICP-Brasil, desde que admitido pelas partes como válido ou aceito pela pessoa a quem for oposto o documento.

Art. 11. A utilização de documento eletrônico para fins tributários atenderá, ainda, ao disposto no art. 100 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 - Código Tributário Nacional [20]".

A partir dos excertos acima colacionados, são possíveis as seguintes inferências: as declarações de documentos assinados se eivam de presunção iuris tantum, relativa de veracidade. Por seu turno, o objeto da enunciação, por parte do declarante, são as contas da sociedade empresária, que deve ser coerente com a documentação que lhe dá lastro, uma vez exigida pela autoridade fiscal competente, tendo em vista não se tratar de presunção absoluta. Observe-se, ainda, que a escrituração poderá ser tanto mecânica como digital.

O problema ganha nova dimensão ao ser articulado com a idéia de assinatura: se, no registro mecânico, é ela a responsável pela identidade do sujeito do enunciado, certificando o nexo etiológico entre um e outro, como transpor à era da seriação eletrônica esta relação sem que haja a necessidade da mudança do texto legal? A segunda referência do decreto busca sanar esta lacuna com o disposto pela Medida Provisória nº 2.002-2/2001.

Em seu artigo 10º, eleva o registro eletrônico à condição de documento, apto a suportar uma declaração para os fins previstos nos artigos mencionados da lei civil, uma vez produzidos mediante o processo de certificação da ICP-Brasil, ou outros meios admitidos pela parte ex adversa.

Uma ressalva, no entanto, é feita pela Medida Provisória: para os fins tributários, o documento desta natureza deverá atender ao vaticinado pelo artigo 100 do Código Tributário Nacional, que trata da competência para a edição de normas complementares. O artigo, de natureza adversativa, em que pese sua imperiosidade, é desnecessário, tendo em vista a hierarquia das normas determinada pelo legislador constitucional. Seu objetivo, de nomear a validade de atos normativos, tais como Instruções Normativas e Portarias, de decisões com eficácia normativa, de "práticas reiteradas" da autoridade fazendária e de convênios celebrados entre as unidades federativas, deve ser visto com as cautelas de praxe por parte do contribuinte.

Consoante a leitura conjunta do artigo 3º do Código Fiscal, [21] ao mesmo tempo em que presta legalidade a tais atos administrativos, vincula-os de forma absoluta, pois espécies jurídicas de caráter secundário: [22]

"Atos vinculados ou regrados são aqueles para os quais a lei estabelece os requisitos e condições de sua realização. Nessa categoria de atos, as imposições legais absorvem, quase por completo, a liberdade do administrador, uma vez que sua ação fica adstrita aos pressupostos estabelecidos pela norma legal para a validade da atividade administrativa (...) atos administrativos são aqueles que contêm um comando geral do Executivo, visando à correta aplicação da lei". [23]

Tais normas complementares são fontes meramente formais ao direito tributário, sendo-lhes defeso inovar ou modificar. [24] Voltaremos a este ponto mais adiante, ao tratarmos, por exemplo, da não-autorização da nota fiscal eletrônica por parte da Secretaria da Fazenda competente. Para a caracterização das "práticas reiteradamente observadas", ainda, deve-se pugnar pelo princípio constitucional da isonomia, não podendo a autoridade administrativa se furtar a reconhecer seu próprio entendimento de forma a lesar o contribuinte. [25] Os convênios, por seu turno, precisam ser submetidos à apreciação das respectivas assembléias para que sejam introduzidos no ordenamento jurídico, sob tratamento do artigo 199 do Código Tributário. [26]

Encerrando a discussão introdutória acerca do artigo 100, referido pela Medida Provisória, necessário colocar em relevo o seu parágrafo único, portador de dispositivo de segurança jurídica por meio do princípio de que não se pode punir aquele que se submeteu à norma, por mais que, posteriormente, venha ela a ser repudiada:

"(...) Este parágrafo único traz uma norma que preserva a segurança jurídica no âmbito das relações tributárias em seus conteúdos de certeza do direito e de confiança no tráfego jurídico. Seria temerário se, cumprindo as orientações do próprio credor, ainda assim pudesse o contribuinte vir a ser punido. ‘É o princípio nemo potest venire contra factum proprium’. A Administração ‘não pode punir ou onerar alguém por ter seguido as instruções ou orientações ainda que o fisco as venha repudiar’ (Ruy Barbosa Nogueira, Curso de Direito Tributário, 14ª Edição, Ed. Saraiva, 1995, p. 66". [27]

O decreto presidencial nº 6.022/2007, instituidor do SPED, deve ser abordado com os cuidados pertinentes às normas por ele referenciadas, e compreendido no contexto não apenas do que vulgarmente se convencionou chamar de "evolução da contabilidade", em um elogio acrítico ao progresso técnico e às chamadas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs).

Não se trata, de maneira nenhuma, de uma "evolução natural", mas de um processo cultural criativo, localizado em um momento específico da relação da sociedade com o Estado, não se podendo passar ao largo do fato de que o SPED é concebido como parte integrante do "Programa de Aceleração do Crescimento" (PAC), instituído pelo Executivo Federal, incurso, como aparente paradoxo, no quesito "Desoneração e aperfeiçoamento do sistema tributário". [28]

Se a intenção de aperfeiçoar se revela difícil de negar, a desoneração da carga fiscal deve ser compreendida em longo prazo. Contudo, se o escopo é o de desonerar o investimento com o fito desenvolvimentista, nada mais coerente do que se atender à Constituição Federal, submetendo as normas à hierarquia prevista, de forma a não se perder de vista, sobretudo, a distribuição igualitária da renda e a capacidade contributiva, sendo saudável a discussão sobre os pontos controversos, sobretudo em um momento que, ao que tudo indica, antecede uma reforma tributária. [29]

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Sobre o autor
Leonardo O. de Araújo Branco

Advogado e consultor tributário em São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRANCO, Leonardo O. Araújo. Nota Fiscal Eletrônica e SPED: aspectos práticos e implicações tributárias.: Atuação de naturezas consultiva, contábil-preventiva e judicante-contenciosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1681, 7 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10920. Acesso em: 24 nov. 2024.

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