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A dimensão social da preservação da empresa no contexto da nova legislação falimentar brasileira (Lei nº 11.101/05).

Uma abordagem zetética

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08/02/2008 às 00:00
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6 Da recuperação judicial

A Lei 11.101/05 inseriu no direito brasileiro a figura da recuperação da empresa a qual poderá ser realizada de forma judicial ou extrajudicial. Constitui-se em importante instrumento legal posto à disposição da sociedade. Não se trata de um substituto da concordata que é extirpada da lei de falência.

A Recuperação pretende estabelecer novos paradigmas para o tratamento da empresa que se encontrar com problemas. A crise econômico-financeira da atividade empresarial, que poderá levar à quebra, passa a ser vista não mais como um problema individual daquela empresa, mas sim, um problema coletivo em que estão inseridos - agrade ou não - todos aqueles que mantêm relações diretas ou indiretas - comerciais, trabalhistas ou mesmo institucionais - com aquela empresa.

A partir da assunção da problemática pela coletividade envolvida, é possível pensar até mesmo no afastamento do empresário ineficaz com a nomeação de um administrador (gestor), o qual terá a função de comandar a recuperação da empresa. Não se trata apenas de administrar os créditos ou garantir a satisfação dos credores, é muito mais do que isso.

O objetivo principal do instituto da recuperação é a manutenção da atividade empresarial, como fonte de alto interesse social (como já analisamos), o pagamento dos credores será apenas a conseqüência. Daí, também, uma mudança paradigmática.

Ao empresário é viabilizada a oportunidade de reunir seus credores, expor as dificuldades econômicas e propor uma composição sustentada por uma série de acordos para saneamento da empresa. Esta providência não mais se configurará em falência da empresa como acontecia no Dec.-Lei 7.661/45.

O interesse social na manutenção da empresa é evidente e já foi explorado no âmbito desta investigação. A atividade empresarial deve ser incentivada. Pequena, média ou grande empresa, todas contribuem para a manutenção e incremento de riquezas no país, gerando empregos, tributos, promovendo a circulação dessas riquezas, portanto devem estar protegidas pelo instituto em comento.

O instituto da recuperação, inserido na lei, busca trazer os instrumentos necessários para que o espírito da recuperação se concretize. A gestão compartilhada - empresário e gestor-credor - ou mesmo a gestão através dos credores, deverá ter como premissa a manutenção das atividades empresariais, criando recursos para sanear os pontos nevrálgicos em que se encontra a empresa, sejam esses financeiros, sejam produtivos ou mesmo administrativos.

O objetivo é salvar a empresa da falência, mantê-la ativa, preservando seus qualificativos alcançados e corrigindo as deficiências. Em suma, sanear a empresa financeiramente, porém mantendo a qualidade de seus produtos de forma a, no mínimo, conservar seu potencial de mercado, podendo ocorrer reformulações e adequações com vistas a melhorias e, assim, proporcionando, mesmo que indiretamente, a dignificação da pessoa humana, em decorrência da valorização do trabalho humano.

Diante disso, cumpre novamente destacar objetivamente o mecanismo fundamental da recuperação judicial e norteador desse novo paradigma do direito falimentar brasileiro. É ele, o artigo 47 da Lei 11.101/05 que traz uma definição do seu objetivo, com conteúdo ideológico extremamente relevante:

"A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica." (grifos nossos)

Ao estabelecer que a recuperação judicial é o instrumento pelo qual objetiva-se a superação da situação de crise da empresa, o artigo 47 deixa claro a ratio legis do legislador no interesse de preservação da empresa, por seu valor social como fonte produtora, como fonte de empregos, fonte arrecadatória de tributos, fonte de fomento da circulação de bens ou serviços, pelo interesse dos credores.

Outrossim, o objetivo econômico genérico da recuperação judicial é permitir às empresas em dificuldades financeiras sérias que elas voltem a se tornar participantes competitivas e produtivas da economia.

Os beneficiados, sob esse ponto de vista, serão não somente os atores econômicos diretamente envolvidos (controladores, credores e empregados), mas principalmente, a sociedade como um todo.

Cumpre novamente destacar as brilhantes palavras de ROGER HOUIN [36], jurista francês que na década de 60 trouxe uma contribuição angular às letras jurídicas, quanto aos chamados procedimentos concursais, senão vejamos: "Numa economia de grandes empresas, tomando geralmente a forma de sociedades, ela interessa também aos assalariados, que a liquidação do negócio dispersa; interessa também aos sócios, especialmente aos acionistas, que não cometeram outra imprudência senão a de deixar dirigentes incapazes ou desonestos tomar o poder e exercê-lo. Enfim, ela pode concernir à economia do país, que sofrerá a desaparição de uma unidade econômica em estado de funcionamento que, melhor gerida, teria sido viável e produtiva."

O autor, conclui seu pensamento com a seguinte colocação: "De nossa parte, consideramos que uma legislação moderna da falência deveria dar lugar à necessidade econômica da permanência da empresa. A vida econômica tem imperativos e dependências que o Direito não pode, nem deve, desconhecer. A continuidade e a permanência das empresas são um desses imperativos, por motivos de interesse tanto social, quanto econômico. Eles deveriam ser assegurados pelo direito da falência todas as vezes que fosse útil. Assim contribuir-se-á para fazer aparecer melhor a noção de empresa na vida jurídica."

Para FÁBIO ULHOA COELHO [37], um dos vetores que viabilizam a recuperação da empresa e que devem ser analisados pelo Judiciário, diz respeito à relevância social da mesma. Pondera o autor que "a viabilidade da empresa a recuperar não é questão meramente técnica, que possa ser resolvida apenas pelos economistas e administradores de empresa. Quer dizer, o exame da viabilidade deve compatibilizar necessariamente dois aspectos da questão: não pode ignorar nem as condições econômicas a partir das quais é possível programar-se o re-erguimento do negócio, nem a relevância que a empresa tem para a economia local, regional ou nacional. Assim, para merecer a recuperação judicial, a sociedade empresária deve reunir dois atributos: ter potencial econômico para reerguer-se e importância social. Não basta que os especialistas se ponham de acordo quanto à consciência e factibilidade do plano de reorganização do ponto de vista técnico. É necessário seja importante para a economia local, regional ou nacional que aquela empresa se reorganize e volte a funcionar com regularidade; em outros termos, que valha a pena para a sociedade brasileira arcar com os ônus associados a qualquer medida de recuperação de empresa não derivada de solução de mercado".

Por outro lado, como já discorremos ao longo deste trabalho, um sistema concursal, que se pretende, exercente de uma filosofia preservacionista da unidade produtiva não pode ficar refém de mecanismos indiscriminados de conservação de qualquer empresa.

O direito moderno não pode desprezar a questão fundamental de se saber em que casos, concretos, as empresas devem desaparecer, e quando devem ser preservadas.

A manutenção de empresas ineficientes, como já sustentamos, pode contaminar empresas saudáveis, em um mercado potencialmente concorrencial, assim o impacto social de sua preservação artificial atingiria em escala imensurável o interesse público.

Nesse sentido, nem sob o auspício do interesse exclusivo dos empregados pode prevalecer a manutenção da empresa em crise insuperável, pois os contribuintes, desta forma, pagariam as subvenções que artificiosamente mantenham essas empresas vivas.

FRANCISCO CABRILLO [38], como nos informa PAULO PENALVA SANTOS, em brilhante análise econômica do direito concursal espanhol, anterior à recente modificação de seu sistema concursal, alerta para o fato de que dentre os custos com a preservação de uma empresa ineficiente, destaca-se o da baixa produtividade dos fatores de produção nela empregados.

Desta forma, segundo o autor espanhol, seria temerário elaborar uma lei que "facilitasse indiscriminadamente a preservação de empresas em momento de crise, sem considerar o custo com a sua manutenção. Seria, por exemplo, um erro grave decidir pela manutenção de empresas ineficientes apenas para evitar o desemprego, pois o resultado final dessa política dificultaria ainda mais a criação de empresas eficientes".

Interessante, neste sentido, como pudemos notar anteriormente, as legislações existentes no mundo que inseriram, em suas disposições, a idéia de que um procedimento adequado de reestruturação das empresas em crise deveria, em maior ou menor grau, concorrer com a preocupação pura e simples de liquidar os seus ativos para quitar, na medida do possível, os seus passivos, realizando-se o direito dos credores segundo o princípio da "par conditio creditorum".


7 Da recuperação extrajudicial

A recuperação extrajudicial, procedimento de composição de interesses preliminar da recuperação, previsto nos artigos 161 a 167, da Lei 11.101/05, como já dissemos, era na vigência do Dec.-Lei 7.661/45, considerado "ato de falência" [39] (artigo 2º, III), caracterizador da decretação da quebra.

O empresário que convocasse seus credores para tentar uma composição extrajudicial poderia ter a falência decretada, em face de algum credor descontente com tal procedimento.

Diante disso, pode-se perceber que a Lei 11.101/05, nesse novo espírito de preservação da unidade produtiva, estimula por meio da recuperação extrajudicial, uma composição que proporcione a superação da crise econômico-financeira da empresa.

A recuperação extrajudicial é importante, também, por dar maior amparo e proteção jurídica aos acordos informais que são cada vez mais comuns entre grandes empresas e instituições financeiras, proporcionando a redução dos custos de transação e, por conseqüência, conferindo maior transparência (disclosure) e segurança com a possibilidade de homologação judicial do plano de recuperação que resulte dessas negociações.

Instaura-se, como salienta WALDO FAZZIO JÚNIOR [40], "o império da realidade: os acordos preventivos extrajudiciais são objeto de homologação judicial e aptos a detonar o procedimento de recuperação do agente econômico devedor, pela composição com parte ou a totalidade de seus credores".

Contudo, observa FÁBIO ULHOA COELHO [41] que uma vez "alcançado o acordo com os credores, o instrumento contratual firmado entre eles e a sociedade devedora é já suficiente para a produção de todos os efeitos pretendidos pela iniciativa de recuperação. Quer dizer, se a sociedade imagina que pode superar a crise com a dilação dos prazos de pagamento de determinadas obrigações, procura os credores destas e obtém deles a concordância para a prorrogação, o instrumento de aditamento ao contrato ou contratos que formalizar a nova condição de pagamento será suficiente para alcançar o objetivo pretendido (ou seja, a dilação daqueles prazos)".

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Ainda, segundo o autor, não seria necessário, que a empresa devedora propusesse o pedido de homologação judicial. O requerimento de homologação judicial, no caso da medida contratada ter sido eficaz para a recuperação da empresa, seria facultativo.

Mais adiante, FÁBIO ULHOA COELHO [42], discorre sobre o tema observando que ao lado da homologação facultativa do plano de recuperação extrajudicial ao qual aderiram todos os credores, nos termos do artigo 162, da LFRE, há a possibilidade também da homologação obrigatória, conforme artigo 163, da LFRE. Neste último caso, o devedor conseguiu a adesão substancial dos seus credores ao plano de recuperação, mas uma pequena minoria ainda resiste a suportar suas conseqüências.

Desta forma, a principal vantagem da homologação judicial de um acordo, aprovado pela maioria dos credores, é a de poder obrigar seu cumprimento por credores minoritários, o que tende a aumentar a participação destes e dos demais, nas negociações do acordo. Outra vantagem importante é a de poder realizar a venda judicial de subsidiárias ou filiais de empresa sem o ônus da sucessão tributária.

Cumpre ressaltar que nas discussões do Congresso Nacional sobre a nova legislação, houve quem defendesse a manutenção do instituto da concordata em harmonia com as novas modalidades recuperatórias (judicial e extrajudicial), sob o argumento de que ela seria útil nos processos de renegociação de dívidas, mormente por parte de empresas de pequeno porte em situação de crise.

A novel legislação ao substituir as concordatas preventiva e suspensiva, não albergou ao falido a possibilidade de, depois de decretada a quebra, tentar como última medida a recuperação através da suspensão da falência, com era possível no Dec.-Lei 7.661/45, nos artigos 177 e seguintes. Portanto, em tese, houve uma supressão de direitos atinentes ao devedor. A justificativa residiu no fato de que, na prática, a concordata suspensiva só afastava os credores da efetiva satisfação de seus créditos, pois, comumente essa se convolava em falência.

Finalmente, o que de fato prevaleceu foi o entendimento de que os benefícios da concordata são muito contidos, em face dos novos institutos recuperatórios. Uma mera renegociação de dívidas pode ser realizada por qualquer empresa em dificuldade, seja na forma de composição extrajudicial, seja na forma de acordo homologado judicialmente (recuperação judicial), com a vantagem de flexibilizar as negociações entre devedor e credores e, poder por conseqüência, incluir outras questões que a legislação passada da concordata não contemplava.


8. Conclusão crítica

O tênue e precário desenvolvimento do mercado de crédito e as recentes pesquisas do Banco Mundial, que situam o Brasil dentre os piores países para recuperação de crédito, têm como contra partida os elevados "spreads" cobrados pelo setor bancário que se sobrepõe às já elevada taxa de juros básica.

Boa parte desses problemas é originada pela vetusta Lei de Falências, que regeu nosso sistema legal de crédito desde 1945. O Dec.-Lei 7.661/45, além de desenhado para um ambiente empresarial simples, para não dizer rudimentar, é de uma época em que sequer tínhamos empresas a nível nacional.

Sem dúvida um dos objetivos precípuos de qualquer processo falimentar, mas não único, é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores. Quem intervém no tráfego jurídico, e especialmente quando aí exerce uma atividade empresarial, assume, por esse motivo, indeclináveis deveres, sobretudo, o de honrar os compromissos assumidos.

Do ponto de vista econômico, uma legislação falimentar, considerada moderna, tem como objetivo criar condições para que situações de crise econômico-financeira tenham soluções razoavelmente previsíveis, céleres e, fundamentalmente, transparentes, de modo que os ativos mobilizados e imobilizados, tangíveis e intangíveis, sejam preservados no intuito de cumprirem sua função social, gerando emprego, renda e circulação de bens ou serviços.

A vida econômica e empresarial é vida de interdependência, pelo que o descumprimento por parte de certos agentes repercute necessariamente na situação econômica e financeira dos demais. Urge, portanto, numa dimensão econômica, dotar estes, dos meios idôneos para fazer face à insolvência dos seus devedores, enquanto impossibilidade de pontualmente cumprir obrigações vencidas.

Na dimensão econômica da preservação da empresa, a garantia comum de todos os credores é o patrimônio do devedor e, é a eles que cumpre decidir quanto à melhor efetivação dessa garantia, e é por essa via que, seguramente, melhor se satisfaz o interesse público da preservação do bom funcionamento do mercado.

Não podemos nos olvidar que quando na massa falida esteja compreendida uma empresa que não gerou os rendimentos necessários ao cumprimento das suas obrigações, a melhor satisfação dos credores pode passar tanto pelo encerramento da empresa, como também pela manutenção de sua unidade produtiva.

Nessa dimensão econômica, é sempre da estimativa dos credores que deve depender, em última análise, a decisão de recuperar a empresa, e em que termos, nomeadamente quanto à sua manutenção na titularidade do devedor insolvente ou na de outrem. E, repise-se, essa estimativa será sempre a melhor forma de realização do interesse público de regulação do mercado, mantendo em funcionamento as empresas viáveis e expurgando dele as que o não sejam (ainda que, nesta última hipótese, a inviabilidade possa resultar apenas do fato de os credores não verem interesse na continuação).

Entende-se que a situação não corresponde necessariamente a uma falha de mercado (market failure) e que os mecanismos próprios deste conduzem a melhores resultados do que intervenções autoritárias, como aquelas preconizadas pelas concordatas preventiva ou suspensiva em que não era dado aos credores sujeitos a elas, a possibilidade de opinarem sobre a concessão das mesmas. O favor legal era do devedor, que impunha as regras previstas em lei a todos os credores quirografários.

Ao direito falimentar (de caráter eminentemente recuperatório) moderno compete, em um primeiro momento, a tarefa de regular juridicamente a eliminação ou a reorganização econômico-financeira de uma empresa segundo uma lógica de mercado, devolvendo o papel central aos credores, convertidos, por força da insolvência, em seus proprietários econômicos, e, mais importante, a busca da superação deste estado de desequilíbrio por sua humanização.

Contudo, vale relembrar ainda que, uma das causas de insucesso de muitos processos de recuperação ou de falência nas legislações alienígenas, residiu no seu tardio início, seja porque o devedor não era suficientemente penalizado, seja porque os credores eram negligentes no requerimento de providências de recuperação ou de declaração de falência, por falta dos convenientes estímulos, ou até mesmo, pelo aspecto psicológico que mencionamos anteriormente.

Uma lei falimentar, como nossa novel legislação, para ser considerada eficaz e atingir efetivamente aos fins a que se destina, deve contribuir para maximizar o valor do patrimônio do devedor sem por essa via constituir um estímulo para um comportamento negligente.

Fundamental para mudança de paradigma é a promoção da celeridade do processo, como é preconizada na própria lei [43], tornando-se também necessária a adoção de medidas no plano da organização judiciária, que complementam o regime contido na novel legislação recuperatória.

Não basta modernizar a legislação se não tivermos um Poder Judiciário preparado para essa ruptura que enseja um preparo profissional dotado de capacitação não só na área jurídica, mas também na área econômica.

E, ainda, pelas razões expostas, somos absolutamente favoráveis à criação de varas e câmaras especializadas na área empresarial, como timidamente já ocorre em alguns estados, diante das particularidades envolvidas, tanto nas questões falimentares, como também nas questões societárias de maior complexidade.

Insistimos que para realizar-se uma eficaz salvaguarda das empresas viáveis economicamente, deve-se ter em mente que há nítida distinção entre empresas que devem ser socorridas e salvas e empresas que devem encerrar suas atividades econômicas. E, mais além, o sistema legal para ser considerado eficaz deve diferenciar a aplicação de rígidas sanções ao empresário e não à empresa.

Contudo, no âmbito da dimensão social da preservação da empresa os argumentos acima expostos, não se sustentam livremente, ou seja, há uma necessária simbiose entre a busca pela eficiência econômica e a superação da crise sob o impacto humano.

Portanto, parece-nos claro, - e é essa a tese de nossa investigação -, que os argumentos supramencionados da eficiência de mercado, com a decisão de recuperar sempre depender de estimativa dos credores, não supera, como já sustentamos, as questões sociais diretamente envolvidas na manutenção ou não da fonte produtiva, como forma de preservação da empresa.

A essência deste ensaio numa abordagem zetética é a reflexão sobre a necessária mitigação da eficiência econômica com a humanização da tutela da empresa em estado crítico como forma de dignificação da pessoa humana, ou seja, deve haver uma desmistificação da eficiência neoliberal, no Estado contemporâneo.

O perigo da utilização irrestrita da eficiência como justificativa de conduta pode significar mais que um risco para a legalidade, pode significar um perigo a própria democracia.

Para que seja possível admitir uma interpretação diferenciada da eficiência econômica como princípio do Estado de Direito, mitigado com a razão humana, torna-se necessário um rompimento com o paradigma cultural em ascensão.

O viés pragmático, característica da nova racionalidade, volta-se contra o intervencionismo principiológico do Estado de bem estar social. Em realidade, o mito neoliberal busca encobrir a concreta ineficiência do Estado Liberal, no atendimento das reais necessidades do cidadão, notadamente as de cunho social.

Nesse diapasão, a crise da empresa é tomada como justificativa para o fetichismo econômico neoliberal, que privilegia a crença em uma eficiência autônoma à justiça, especialmente no seu fundamento maior: a igualdade material.

A compatibilidade entre a chamada eficiência econômica e o princípio da dignidade da pessoa humana é uma decorrência necessária do constitucionalismo social imposto pela Constituição Federal de 1988.

Desta forma, torna-se premente o advento de uma nova mentalidade que desmistifique os preconceitos e falsas percepções da contemporaneidade que contrapõem eficiência e segurança jurídica.

A origem da eficiência como símbolo, valor e princípio, está intimamente vinculada ao advento da modernidade, com sua crença na capacidade do homem de forjar o seu destino, no âmbito do Estado Social, em razão de sua preocupação ética com a dignidade da pessoa humana, por conta de sua concreta capacidade de conter as falhas do setor privado e responsabilizar-se pelo atendimento das necessidades mínimas coletivas.

Parece-nos evidente que a empresa hoje não é simplesmente um repositório especulativo de acionistas ou sócios controladores que promovem políticas de desenvolvimento de suas atividades econômicas, de forma autônoma e irresponsável, sem sopesar as conseqüências da má gestão empresarial.

A empresa, muito mais do que estritamente econômica deve ser socialmente responsável, posto que o encerramento de suas atividades gera a extinção de empregos formais, informais e pode ocasionar o efeito "cascata" no encerramento de atividades de fornecedores diretamente vinculados a ela.

Além disso, com sua extinção, o Estado deixa de arrecadar tributos e fundamentalmente a economia e os consumidores sofrem com a falta de circulação de bens ou serviços, gerando conseqüências também na esfera concorrencial.

Como já dissemos, a doutrina clássica tem considerado a falência como um fenômeno patológico da sociedade que urge combater e nas últimas décadas, seguindo uma tendência mundial, percebeu-se a importância da adoção de um procedimento de reorganização empresarial com o escopo de promover a recuperação da empresa em crise, diferente dos modelos até então existentes, capaz de evitar o seu desaparecimento quando houvesse interesse social considerado relevante.

Para finalmente encerrar essas observações críticas, apenas por amor à argumentação, cumpre esclarecer que essa investigação está longe de ter a pretensão exaustiva de tema tão profundo e fecundo como a preservação da empresa em crise econômico-financeira.

Nem se pense, de forma maniqueísta, que os pontos de vista sustentados no âmbito deste trabalho, teriam uma tendência interpretativa da proteção dos interesses do devedor.

Em realidade, buscar incessantemente a sobrevivência da empresa considerada economicamente viável e socialmente relevante, proporciona na mesma medida, a preservação dos interesses dos credores, posto que o encerramento da atividade econômica implica, via de regra, na perda de seus créditos.

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Sobre o autor
Ecio Perin Junior

Head of the Business Reorganization Team; Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar, Advogados e Consultores Legais; Doutor e Mestre em Direito Comercial pela PUC/SP; Especialista em Direito Empresarial pela Università degli Studi di Bologna; Presidente e sócio fundador do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial – IBRADEMP; Membro Efetivo da Comissão de Fiscalização e Defesa do Exercício da Advocacia da OAB/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PERIN JUNIOR, Ecio. A dimensão social da preservação da empresa no contexto da nova legislação falimentar brasileira (Lei nº 11.101/05).: Uma abordagem zetética. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1682, 8 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10922. Acesso em: 25 nov. 2024.

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Estudo resumido, extraído da tese de doutoramento, defendida em julho de 2006 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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