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A (des)obrigatoriedade da aceitação do cheque como forma de pagamento nas relações de consumo

08/02/2008 às 00:00

Resumo:


  • O cheque não é considerado pagamento à vista, mas uma ordem de pagamento que pode não ser atendida pelo banco sacado.

  • Legislação e doutrina apontam que o cheque não possui curso forçado, ou seja, não há obrigatoriedade legal para que o empresário aceite cheque como pagamento.

  • A Constituição Federal assegura o direito do empresário de recusar o pagamento em cheque, visto que somente a moeda tem curso forçado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1. Introdução

O objetivo deste artigo é verificar se o cheque tem curso forçado nas relações de consumo; em outras palavras, se o empresário é obrigado – ou não – a receber o pagamento de bem ou serviço mediante cheque.


2. Disposições legais

O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 39, inciso IX, estabelece como ser vedado, por prática abusiva, recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais.

Interpretando esse dispositivo legal, chega-se facilmente à conclusão que, se o consumidor se propuser a comprar um bem em moeda corrente, o empresário é obrigado ao fornecimento, uma vez que não há dúvida que o dinheiro representa pronto pagamento.

Alguns autores, como Sérgio Gabriel (2001) e Lúcio Cavalcante de Souza (2007), entendem que o cheque teria esta mesma característica, de pronto pagamento, partindo da falsa premissa de que esse título teria capacidade liberatória, por ser pagamento à vista. Na verdade, o cheque consiste em ordem de pagamento à vista. Nela, o emitente do título dá uma ordem para que o banco pague a importância consignada e o banco sacado pode não cumprir com a ordem dada, não pagando a cártula.

O cheque, como em regra todo título de crédito, é emitido pro-solvendo, ou seja, não quita a obrigação que lhe deu origem; essa obrigação somente se dará por satisfeita com o pagamento do cheque pelo banco sacado. Assim, por exemplo, se o consumidor emitir um cheque para pagamento da compra de uma geladeira, sua obrigação (de pagar a geladeira) somente se dará por encerrada quando o cheque por pago pelo banco. A Lei do Cheque (Lei nº 7.357/85) é suficientemente clara sobre o assunto: Art. 62. Salvo prova de novação, a emissão ou a transferência do cheque não exclui a ação fundada na relação causal, feita a prova do não-pagamento.

No mesmo sentido, a Lei nº 8.002/90 (hoje revogada pela Lei nº 8.884/94), que dispunha sobre a repressão de infrações atentatórias contra os direitos do consumidor, tinha a seguinte redação, bastante esclarecedora:

Art. 1º - Fica sujeito à multa, variável de 500 a 200.000 Bônus do Tesouro Nacional - BTN, sem prejuízo das sanções penais que couberem na forma da lei, aquele que:

I - recusar a venda de mercadoria diretamente a quem se dispuser a adquiri-la, mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;

...

§ 2º - Considera-se pronto pagamento o que é efetuado:

I - em moeda corrente nacional, cheque visado ou cheque administrativo, no ato da entrega da mercadoria;

II - mediante cheque, no ato do pedido de mercadoria, caso em que a entrega será feita após compensado o mesmo.

Como se vê pelo dispositivo legal, somente o dinheiro e o cheque administrativo (o cheque visado já não mais é utilizado no país) teriam capacidade liberatória. O cheque comum não quita desde logo a obrigação. Portanto, não se pode falar no pronto pagamento definido pelo Código de Defesa do Consumidor. Waldirio Bulgarelli (2001: p. 351), comentando o assunto, entende que seria obrigatória a aceitação de cheque nas relações de consumo, condicionando a entrega da mercadoria à compensação dos cheques comuns.

A Lei nº 8.002/90, apesar de revogada, serve como parâmetro para entender o pensamento do legislador. Contudo, não mais tendo caráter coercitivo, prevalece o disposto em nossa Constituição Federal que, ao tratar dos direitos e garantias fundamentais, em seu artigo 5º, inciso II, deixa claro que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.


3. Entendimento doutrinário

A melhor doutrina nacional tem interpretação semelhante à ora exposta. Pontes de Miranda (2001: p. 73), em sua magnífica obra, assim entende: Isto importa dizer-se que o cheque faz as vezes do dinheiro, porém não é dinheiro, não tem curso forçado.

Rubens Requião (2003: p. 479) tem opinião idêntica à de Pontes de Miranda:

O cheque não tem o poder liberatório da moeda. Ninguém é obrigado a receber cheque em pagamento, pois só a moeda tem curso forçado. O uso de cheque se explica pela facilidade com que mobiliza os valores monetários.

Não poderia faltar a lição de Fran Martins (1998: p. 13/14), que resume o entendimento supracitado:

Dispensa-se, assim, com o cheque o uso do dinheiro em espécie. Mas o simples recebimento do cheque, por parte do portador, não significa pagamento, donde poder o portador recusar o cheque para a solvência do seu crédito. Isso porque o cheque é apenas uma "ordem de pagamento" e na realidade esse pagamento só se verifica quando a ordem é cumprida, seja com a entrega real do dinheiro, seja com o lançamento em conta da importância mencionada no cheque. Só aí caberá ao portador quitar o seu crédito, pois só então o débito desaparece. Até o momento do pagamento pelo sacado o devedor continua sendo o emitente do cheque, razão pela qual não pode o portador voltar-se contra o sacado que não paga e sim contra o sacador que, pelo cheque, apenas ordenou o pagamento mas, na realidade, não efetuou o mesmo, já que o cheque não representa moeda e sim um instrumento de pagamento, como acima foi assinalado.


4. Conclusão

Pelo exposto, pode-se concluir que apesar de o Código de Defesa do Consumidor estabelecer a obrigatoriedade do fornecimento de bens ou serviços a quem pretender adquiri-los mediante pronto pagamento, o cheque não é pagamento à vista e, sim, uma ordem de pagamento à vista, que pode não ser cumprida pelo banco no caso de falta de provisão de fundos.

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Não tendo capacidade liberatória, o cheque não tem curso forçado, uma vez que não há, atualmente, qualquer dispositivo legal que obrigue o empresário a aceitar pagamento através deste título de crédito. A recusa do recebimento de pagamento em cheque é um direito garantido pela Constituição Federal.


5. Bibliografia

BULGARELLI, Waldirio. Títulos de crédito. 17 ed. São Paulo: Atlas, 2001.

GABRIEL, Sérgio. Da aceitação do cheque. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2332>. Acesso em: 31 jan. 2008.

MARTINS, Fran. Títulos de crédito: cheques, duplicatas, títulos de financiamento, títulos representativos e legislação. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, v. 2.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito cambiário: cheque. 2 ed. Campinas: Bookseller, 2001, v. 4.

REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 2.

SOUZA, Lúcio Cavalcante de. O cheque como forma de pagamento. No Jurídico, 22 nov. 2007. Disponível em: <http://www.nojuridico.com.br/?p=colunas&id=56>. Acesso em: 31 jan. 2008.

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Sobre o autor
Armindo de Castro Júnior

Advogado e professor universitário, doutorando em Direito Civil e mestre em Ciências Jurídico-Empresariais pela Universidade de Coimbra (Portugal).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO JÚNIOR, Armindo. A (des)obrigatoriedade da aceitação do cheque como forma de pagamento nas relações de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1682, 8 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10923. Acesso em: 19 dez. 2024.

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