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Partilha de prêmio recebido como remuneração pelo companheiro

11/05/2024 às 12:43
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Diz-se que o prêmio do BBB é pago como remuneração. Pela letra da lei, estaria isolado da partilha, pois configuraria provento do trabalho pessoal de cada cônjuge.

Recentemente, em virtude de fatos envolvendo o vencedor da edição de 2024 do Big Brother Brasil e sua companheira, temas envolvendo a configuração de sociedade conjugal e a partilha de bens entre ex-casais têm ganhado relevância. Diante disso, o presente estudo busca trazer esclarecimentos sobre a configuração de união estável e a partilha de bens entre ex-casais, com enfoque nos ganhos individuais de cada convivente.

Inicialmente, a Constituição Federal, em seu art. 226, § 3º, reconhece a união estável como entidade familiar, impondo à lei a facilitação de sua conversão em casamento.

E o art. 1.723 do Código Civil, por sua vez, traz os requisitos para a configuração da união estável: convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Aqui, valem três parênteses de grande importância:

Primeiro, embora a CF e o CC tragam, em sua redação, a expressão entre homem e mulher, o STF, no julgamento conjunto da ADI 4.277 e da ADPF 132, aplicando a técnica de interpretação conforme a constituição, afastou qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família – foi reconhecida a união homoafetiva como entidade familiar.

A partir desse entendimento, o STJ afirmou a possibilidade de formalização de união estável e casamento entre pessoas do mesmo sexo, pois inexiste vedação expressa a tal configuração familiar no texto legal, tampouco há como se admitir alguma vedação implícita, visto que tal interpretação seria inconstitucional por afrontar a caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar (REsp n. 1.183.378/RS).

Segundo, não há prazo mínimo legalmente estabelecido pra a configuração de união estável. Apesar de o Código Civil estabelecer que a união deve ser duradoura, não há marco temporal, o que traz grandes discussões sobre esse ponto. Daí surge a importância da escritura pública declaratória de união estável, pois ela definirá – após acordo comum entre os conviventes – o marco inicial da união estável.

Do contrário – união estável de fato, sem escritura –, será necessário o prévio reconhecimento para posterior dissolução – reconhecimento c/c dissolução –, o que traz a necessidade de uma análise individual de cada caso. Ademais, na prática, observa-se que a falta de escritura normalmente acarreta grande discussão acerca da partilha, com ajuizamento de ações cíveis que estendem a resolução da questão por longos períodos, até mesmo anos, causando tanto prejuízos financeiros, quanto emocionais às partes.

Terceiro, não há exigência legal de coabitação. A união estável poderá ser reconhecida ainda que cada convivente resida em sua própria casa, bastando, repita-se: convivência pública, contínua e duradoura (não necessariamente, conforme visto anteriormente), com o objetivo de constituição de família.

Esclarecidos esses pontos, passa-se à partilha de bens.

- Regime de bens:

Para a união estável poderá ser adotado qualquer dos regimes previstos para o casamento (art. 1.639 do CC) – separação legal, comunhão universal, comunhão parcial e participação final nos aquestos. Inclusive, o regime de bens da união estável sofre as mesmas limitações impostas ao do casamento, como o da separação obrigatória – quando um (ou os dois) contraentes tem de 70 anos ou mais.

Assim como no casamento, por padrão, a união estável terá o regime de comunhão parcial de bens (art. 1.725 do CC) ou separação obrigatória. Para outros regimes, faz-se necessária a celebração de contrato de convivência – que deverá ser levado a registro para ter efeito perante terceiros.

No regime da comunhão parcial (art. 1.658 e seguintes do CC), comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, inclusive (art. 1.660 do CC):

I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;

II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;

III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;

IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;

V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.

Por outro lado são excluídos aqueles bens que tenham sido adquiridos por causa anterior ao casamento/união estável (art. 1.661 do CC) e:

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;

II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

III - as obrigações anteriores ao casamento;

IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;

V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

 Trazendo, a título de exemplo, hipóteses inerentes ao caso que motivou esta pesquisa, primeiramente será necessário esclarecer se o “prêmio” pago ao vencedor do BBB é a título de remuneração – como um salário, por ex. (art. 1.659, inc. VI, do CC) – ou fato eventual – como um prêmio da Mega Sena, por ex. (art. 1.660, inc. II).

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No caso telado, segundo informações obtidas em portais de notícias, o prêmio do BBB é pago como remuneração. Assim, pela letra fria da lei, estaria isolado da partilha, pois configuraria provento do trabalho pessoal de cada cônjuge.

Porém, o caso concreto traz contornos bem mais complexos, uma vez que, embora o prêmio tenha sido ao participante que efetivamente estava no programa, ele (o prêmio) dependeu de votação popular, a qual, mesmo restrita a um seleto grupo de participantes – os 03 finalistas – não deixa de ser um fato eventual.

Isso porque, a definição do vencedor do programa dependeu exclusivamente do voto popular, não se tratou de uma competição na qual se pode objetivamente definir seu vencedor sem que haja a intervenção de fato eventual – votação de terceiros –, não é uma competição esportiva na qual o vencedor é aquele que faz a maior pontuação, ou que termina um jogo com maior saldo de gols, ou que percorre um determinado trajeto no menor tempo, por exemplo.

E, mesmo que se considere o público votante como julgadores, o caso do programa não se subsume ao de uma competição sujeita a critérios de avaliação que poderão ser valorados e, até mesmo avaliados, como é o caso de uma competição de ginástica artística, nem há como identificar tais avaliadores, de modo a auditar eventuais resultados considerados ilegítimos.

Além disso, o público votante não está somente adstrito a analisar a participação do vencedor no âmbito das quatro paredes da casa do programa, pelo contrário, há influências externas que certamente impactaram no juízo de valor do público, como o conhecimento de terceiras pessoas que faziam/fazem parte da vida dos participantes.

Sob essa perspectiva, é incontroversa que a participação de terceiros de “fora da casa” influenciaram o voto popular, esse desforço comum atrai a regra do art. 1.659, inc. VI, do CC – a mesma que, noutra interpretação serviria para “isolar” o prêmio –, pois o “trabalho pessoal” de quem esteve “fora da casa” contribuiu para que o parceiro ganhasse o prêmio.

Inclusive, o STJ possui entendimento nesse sentido:

Os rendimentos do trabalho, pertinentes a fato gerador ocorrido durante a vigência da sociedade conjugal ou da união estável, integram o patrimônio comum na hipótese de dissolução do vínculo matrimonial ou de convivência, desde que convertidos em patrimônio mensurável de qualquer espécie, imobiliário, mobiliário, direitos ou aplicações financeiras. (...). (REsp n. 1.593.026/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, relatora para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 23/11/2021, DJe de 17/12/2021). (grifou-se).

 Portanto, em caso de eventual dissolução da união estável, o prêmio deverá ser objeto de partilha, devendo, no entanto, ser avaliado o quanto da participação do convivente que esteve “fora da casa” contribuiu para o sucesso daquele que efetivamente participou do programa, de modo a quantificar a parcela que deverá ser objeto de partilha.

 

Referências:

BRASIL. Constituição Federal. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.html>. Acesso em 01 Mai. 2024.

BRASIL. Código Civil. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em 01 Mai. 2024.

______, STF. ADI 4277, Relator(a): AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05-05-2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03 PP-00341 RTJ VOL-00219-01 PP-00212.

______, STF. ADPF 132, Relator(a): AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05-05-2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-01 PP-00001.

_____, STJ. REsp n. 1.183.378/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 25/10/2011, DJe de 1/2/2012.

_____, STJ. REsp n. 1.593.026/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, relatora para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 23/11/2021, DJe de 17/12/2021.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NERO, Marcos. Partilha de prêmio recebido como remuneração pelo companheiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7619, 11 mai. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/109283. Acesso em: 22 nov. 2024.

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