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A constitucionalidade da "lista suja" como instrumento de repressão ao trabalho em condições análogas à de escravo no Brasil

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21/02/2008 às 00:00
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O artigo trata do cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo, previsto no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.

Resumo: O presente trabalho aborda a polêmica existente acerca da constitucionalidade do Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em situação análoga à de escravo. Logo após a parte introdutória, é feita uma explanação específica sobre o Cadastro, também denominado "lista suja". Em seguida, relatam-se os efeitos práticos que surgiram em decorrência desse banco de dados até os dias atuais. Posteriormente, no quarto e quinto itens, discorre-se a respeito dos principais argumentos adversos ao Cadastro, rebatendo um a um os motivos sustentados pelos delinqüentes sociais e defendendo veementemente a constitucionalidade da "lista suja" como instrumento legítimo e eficaz no combate ao trabalho escravo contemporâneo, que envergonha o país e submete a tratamento desumano centenas de pessoas. Por fim, há os pontos conclusivos da pesquisa realizada e, em anexo, a Portaria nº 540/2004 do Ministério do Trabalho e Emprego.

Palavras-chave: Cadastro de Empregadores, trabalho escravo, "lista suja", efeitos práticos, argumentos adversos, constitucionalidade.


INTRODUÇÃO

Infelizmente, convivemos ainda nos dias atuais com o trabalho escravo no Brasil, especialmente nas regiões Norte, Centro-Oeste e Nordeste.

Não se trata, é claro, do trabalho escravo existente à época da escravidão indígena e negra, mas de uma forma mais dissimulada, porém, não menos cruel.

Conforme explica Eliane Pedroso1, em seu artigo "Da negação ao reconhecimento da escravidão contemporânea"2:

A abolição da escravatura atingiu a propriedade da vida humana, retirando-a das mãos de terceiros. Entretanto, esta figura se apresenta quase que reduzida à extinção de um aspecto meramente oficial que acompanhava o trabalho escravo até então, visto que não há mais a propriedade a unir senhores e escravos, mas estes continuam ligados através de artifícios vários, tais como dívidas, ameaças e violência e estas circunstâncias, igualmente, cerceiam à liberdade individual.

Os elementos desta antiga e desproporcional relação permanecem quase intactos através dos tempos, ainda que suas formas sejam cada vez mais dissimuladas. A proibição de largar definitivamente o trabalho no momento desejado, a exploração aviltante da força de trabalho humana, a submissão aos maus-tratos e à absoluta falta de higiene, o constrangimento físico ou moral e a sujeição a condições indignas, estão todas ainda bem presentes. A violência vibra tão intensamente quanto no antigo sistema escravocrata. Atualmente, também são executados castigos, agressões e até homicídios, tudo com a finalidade de disciplinar o escravo rebelde e também os demais em uma verdadeira ameaça indireta.

Para Sandra Lia Simón3 e Luís Antonio Camargo de Melo4, a escravidão está ligada à idéia de propriedade, mas atualmente a expressão "trabalho forçado" é a mais adequada, visto que "o trabalhador não é propriedade do senhor, mas não aquiesceu, seja com a sua contratação, seja com a permanência no trabalho, que deriva de uma coação de natureza moral, ou física, ou financeira".5

Esclarecem ainda os autores que a forma mais recorrente de trabalho forçado no Brasil é a servidão por dívida, "onde há consentimento do obreiro para laborar, porém, em regra, por fraude ou coação. O servo se vincula ao seu senhor por um sistema de endividamento...".6

A expressão "trabalho em condições análogas à de escravo", conforme definição do art. 149. do Código Penal Brasileiro, abrange tanto o trabalho forçado quanto o degradante - além das outras condutas previstas em seu caput -, sendo que o primeiro se diferencia do segundo pela presença da coação.

Assim dispõe o referido dispositivo, verbis:

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:

I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I - contra criança ou adolescente;

II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

No entendimento de José Claudio Monteiro de Brito Filho7, essa situação é reconhecida quando há o desrespeito à dignidade do trabalhador, sendo-lhe negados seus direitos mínimos, convencionados pela Organização Internacional do Trabalho como configuradores do "trabalho decente"8.

Para combater essa chaga, que envergonha o país e submete a tratamento desumano centenas de pessoas, tendo sido reconhecida oficialmente pelo governo brasileiro no início dos anos 90, algumas ações foram e vêm sendo desenvolvidas, tais como: a elaboração do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, pela Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE); a criação do Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado (Gertraf) e do Grupo Móvel de Fiscalização, coordenado pelo Ministério do Trabalho e Emprego; a edição das Portarias nº 540/2004, pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e nº 1.150/2003 pelo Ministério da Integração Nacional (MI), entre outras.

Dentre essas medidas, merece destaque o Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo, previsto no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e criado pela Portaria nº 540, de 15 de outubro de 2004, também denominado, principalmente pelos que têm seus nomes nele inclusos, "lista suja".

A referida lista divulga os nomes de "empresários e empresas que explorem essa modalidade criminosa de utilização da mão-de-obra humana, dando a conhecer à sociedade os criminosos que assim procedem".9

Tal instrumento têm gerado bastante polêmica, pois muitos infratores têm ajuizado ações judiciais sustentando sua inconstitucionalidade e requerendo a retirada definitiva de seus nomes.

Esse artigo visa a uma maior elucidação sobre o Cadastro, evidenciando diferentes posições, para a obtenção de uma idéia mais abrangente e esclarecedora acerca do assunto, demonstrando, ao final, a constitucionalidade dessa medida.


2. O CADASTRO DE EMPREGADORES QUE TENHAM MANTIDO TRABALHADORES EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO – "LISTA SUJA"

O Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo foi instituído pelo Ministro de Estado do Trabalho e Emprego (artigo 87, parágrafo único, II, da CF), no âmbito do respectivo Ministério, por meio da Portaria nº 540 , de 15 de outubro de 2004, com observância ao art. 186, III e IV, da CF.

Segundo o entendimento de Márcio Túlio Viana 10, essa portaria imita uma prática tradicional da OIT, "que torna público os nomes dos países que violam as suas convenções; e, assim agindo, ajudam a evitar que entre esses mesmos nomes apareça o do Brasil". 11

Conforme dispõe o art. 2º da mencionada Portaria, o nome do infrator é incluído após decisão administrativa final referente ao auto de infração lavrado em procedimento fiscalizatório no qual tenham sido identificados trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo.

O Cadastro é atualizado pelo Ministério do Trabalho e Emprego a cada seis meses, tendo ocorrido sua última atualização em 17.7.2007, quando passou a conter 192 infratores, entre pessoas físicas e jurídicas, não computados os casos de exclusão por força de decisão judicial.

A atualização semestral da "lista suja" consiste na inclusão de nomes de empregadores cujos autos de infração não estejam mais sujeitos aos recursos na esfera administrativa - ou seja, a decisão final foi pela subsistência - e na exclusão daqueles que, ao longo de dois anos, sem reincidência, contados de sua inclusão no Cadastro, sanaram as irregularidades identificadas pela inspeção do trabalho.

Para proceder às novas inclusões há a análise dos relatórios de fiscalização, pesquisados os lançamentos contidos no sistema "Sisacte" para verificar a situação dos autos em tramitação na esfera administrativa, bem como consultas em bancos de dados do governo federal. Disso, resultou a inclusão de 51 (cinqüenta e um) novos empregadores no cadastro.

Conforme informações do Ministério do Trabalho e Emprego, para que se comprovem as alterações efetuadas pelos infratores e haja possível exclusão da lista:

procede-se à análise de informações obtidas por monitoramento direto e indireto daquelas propriedades rurais, por intermédio de investigação "in loco" e por meio das informações dos órgãos/instituições governamentais e não governamentais, além das informações colhidas junto à Coordenação Geral de Análise de Processos da Secretária de Inspeção do Trabalho 12.

Além disso, a exclusão é condicionada ao pagamento das multas resultantes da ação fiscal e de eventuais débitos trabalhistas e previdenciários.

Nessa nova atualização, foram excluídos 22 (vinte e dois) empregadores por preencherem os requisitos exigidos pela Portaria.

As principais causas de manutenção do nome no cadastro são: não quitação das multas impostas, reincidência na prática do ilícito e em razão dos efeitos de ações em trâmite no Poder Judiciário.

Informa ainda o órgão ministerial que:

(...) outro aspecto a ser esclarecido é o relativo aos empregadores que recorreram ao Poder Judiciário visando a sua exclusão do Cadastro. Em cumprimento à decisão judicial (liminar), o nome é imediatamente excluído e assim permanece até eventual suspensão da medida liminar ou decisão de mérito. Havendo decisão judicial pelo retorno do nome ao Cadastro, este passa novamente a figurar entre os infratores e a contagem do prazo se reinicia, computado o tempo anterior de permanência no Cadastro, até que se completem dois anos. A propriedade volta, então, a ser monitorada durante esse tempo restante, para efeito de futura exclusão por decurso de prazo 13.

O art. 3º da Portaria nº 540/2004 dispõe que, a cada atualização, o Ministério do Trabalho cientifica os seguintes órgãos: Ministério do Meio Ambiente, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Integração Nacional, Ministério da Fazenda, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal, Secretaria Especial de Direitos Humanos e Banco Central do Brasil, os quais podem solicitar informações complementares e cópias de documentos concernentes à fiscalização que resultou na inclusão de nomes no cadastro.

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3. EFEITOS PRÁTICOS DECORRENTES DO CADASTRO

Como dito anteriormente, o Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo foi criado no âmbito da Administração Pública e, portanto, obedece ao princípio da publicidade (art. 37, caput, CF), dela ficando cientes vários órgãos públicos e a própria sociedade como um todo.

Com isso, há a possibilidade da tomada de medidas eficazes contra os delinqüentes sociais, como o afastamento dos consumidores das mercadorias ou serviços que venham direta ou indiretamente dos produtores rurais que mantêm trabalhadores em condição análoga à de escravo, inibindo, pelo prejuízo comercial, a manutenção da prática escravagista.

É importante salientar, desde já, que os danos aduzidos pelos infratores, como perda de acesso a recursos financeiros de instituições estatais, de benefícios fiscais e outros subsídios, bem como o constrangimento na relação com clientes, parceiros e fornecedores nacionais e estrangeiros, não são punições previstas no Cadastro de Empregadores e sim reações do Poder Público e da sociedade à prática da manutenção de trabalhadores em condição análoga à de escravo, até porque o referido banco de dados possui caráter meramente informativo.

Também como fruto da mencionada comunicação acerca do conteúdo do Cadastro, foi criada, no Ministério da Integração Nacional, a Portaria nº 1.150/2003, que determina o encaminhamento semestral do banco de dados elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aos bancos administradores dos Fundos Constitucionais de Financiamento, com a recomendação de que não concedam créditos sob a supervisão do Ministério da Integração Nacional a pessoas físicas e jurídicas cujos nomes constem da "lista suja". 14

Afinal, se o Estado se preocupa em contribuir, por exemplo, com o grupo de fiscalização do Ministério do Trabalho, obviamente não pode colaborar com a escravidão financiando produtos agrícolas para exportação, por meio de incentivos fiscais e créditos rurais àqueles que se beneficiam do trabalho escravo. 15

Da mesma forma, a Federação Brasileira de Bancos – Febraban, principal entidade representativa do setor bancário brasileiro, vêm recomendando a bancos privados a não concessão de créditos aos infratores dos direitos trabalhistas autuados pelos fiscais do trabalho. 16

Já há inclusive supermercados que não adquirem produtos que venham, mesmo que indiretamente, dos proprietários rurais referidos. 17

Oportuno mencionar o papel desenvolvido pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, que, além de divulgar o Cadastro, articulou um pacto pelo combate ao trabalho escravo e, em conjunto com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a ONG Repórter Brasil, realizou reuniões com representantes de grandes empresas, entidades representativas, organizações da sociedade civil e testemunhas, que dele passaram a ser signatárias.

Importante função também desempenha a Justiça do Trabalho na rejeição das manobras processuais de desvio da aplicação dos termos da Portaria nº 540, sobrelevando sua missão de guardiã da cidadania do trabalhador e sublinhando seu caráter social, de há muito amadurecido, ao embalo de sua especialização histórica. 18

Assim, como anteriormente mencionado, não há qualquer vinculação da Portaria nº 540/2004 com as restrições financeiras impingidas ao infrator. Tal fato se dá tão-somente pelo engajamento da sociedade como um todo na luta contra o trabalho escravo sob todas as suas modalidades.

Ademais, a prova originária de fiscalização - dotada, portanto, de fé pública, nos termos do artigo 364 do CPC, é produzida sob a ótica pública, em que não se busca outro caminho que não o do desvendamento da verdade, onde não se tira proveito dela, que não o da proteção da ordem legal.

Assim ocorrendo, faz-se letra viva da Constituição da República, cujo art. 1º, III, eleva à condição de fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana, e o art. 3º, I, define como objetivo fundamental do país a construção de uma sociedade mais justa, livre e solidária.


4. PRINCIPAIS ARGUMENTOS ADVERSOS AO CADASTRO

A utilização eficaz da "lista suja" pelo Ministério do Trabalho e Emprego tem feito com que muitos empregadores ajuizem ações judiciais, especialmente mandados de segurança ou ações ordinárias com pedido de antecipação de tutela, com objeções à inclusão de seus nomes.

As principais alegações dos infratores são que a Portaria nº 540/2004 fere o direito de propriedade (art. 5º, XXII, da CF); o princípio da reserva legal e da legalidade (art. 5º, II e XXXIX, da CF); da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF); do devido processo legal e da ampla defesa e contraditório. Também há a tese de que a edição da mencionada Portaria extrapola a competência administrativa do MTE e invade a esfera de atuação do Judiciário, ao excluir o caso de sua apreciação antes da inserção dos nomes no Cadastro.

Além disso, há o argumento de que tal introdução acarreta danos irreparáveis, agressivo constrangimento, expondo seu nome e sua integridade moral em todos os meios de comunicação, sob o argumento de ter submetido seus empregados à condição análoga a de escravo, impedindo os infratores de celebrarem operações de crédito com bancos oficiais, conseqüência essa já referida no item anterior.

Sustenta-se ainda, nunca ter havido inquérito policial, denúncia ou mesmo condenação na prática do delito citado, e a inserção na lista só seria possível após condenação em processo penal competente com decisão transitada em julgado, haja vista o princípio constitucional da presunção de inocência previsto no inciso LVII do art. 5° da CF/88, supramencionado.

Há vários julgados que acataram tais alegações, determinando a exclusão de empregadores da "lista suja", como se verifica pelos seguintes exemplos:

"(...) 3. Por outro lado, a criação desse cadastro foi feita por simples Portaria (Portaria 540/2004), sem base em lei que a sustentasse. Ora, a criação de um cadastro semelhante, o cadastro de inadimplentes (CADIN), foi procedida por meio de lei (Lei 10.522, de 19 de julho de 2002). Tratando-se de situações análogas, bem como diante das graves implicações decorrentes da inclusão do empregador no cadastro de trabalho escravo, cumpre reconhecer a plausibilidade jurídica da necessidade de que a criação do aludido cadastro também seja procedida por meio de lei.

Na espécie, o Ministro de Estado invocou o disposto nos artigos 86, parágrafo único, II e 186, III e IV, da Constituição Federal para a edição da aludida Portaria. No tocante ao artigo 86, parágrafo único, II o que ele autoriza é a expedição de instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos. No entanto, não há lei, decreto ou regulamento que permita a criação desse cadastro. Já no que concerne ao artigo 186, III e IV, a eventual ausência do cumprimento da função social da propriedade rural não autoriza, por inexistência de lei nesse sentido, a inclusão do empregador no aludido cadastro.

Assim sendo, e no âmbito deste exame preliminar, a Portaria 540/2004 ofendeu também o princípio da legalidade (Carta Magna, art. 5º, II).

4. No tocante à alegação de que a inclusão de pessoas físicas e jurídicas no "Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo", por pressupor a prática de crime (Código Penal, art. 149), somente seria admissível depois da condenação do responsável no processo penal, em princípio, também tem razão a agravante.

Com efeito, e embora o artigo 2º da Portaria 540/2004 estabeleça que a "inclusão do nome do infrator no Cadastro ocorrerá APÓS DECISÃO ADMINISTRATIVA FINAL RELATIVA AO AUTO DE INFRAÇÃO lavrado em decorrência de ação fiscal em que tenha havido a identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo", neste caso, o julgamento na via administrativa – apesar da independência das instâncias - não é suficiente para a aplicação da pena respectiva, uma vez que o fato típico previsto na referida Portaria, como hipótese de incidência da aplicação da pena, constitui infração penal (Código Penal, art. 149), com relação à qual o responsável (pessoa física) somente poderá ser considerado culpado e ter o seu nome lançado no rol respectivo, depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória (Carta Magna, art. 5º, LVII).

De fato, a redação do artigo 1º da Portaria 540/2004 demonstra que a inclusão pressupõe o acertamento definitivo da imputação da prática de trabalho escravo, pois se refere aos empregadores QUE TENHAM MANTIDO TRABALHADORES EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO, o que não pode ser feito por meio de processo administrativo, o que está sujeito à revisão judicial.

(...)

Assim sendo, considero demonstrados os requisitos para a concessão da antecipação da tutela, uma vez que a verossimilhança da alegação encontra diversos fundamentos, bem como porque o risco de dano de difícil reparação reside na impossibilidade de a agravante obter crédito perante instituições oficiais (CPC, art. 273).

6. À vista do exposto, defiro o pedido de liminar para excluir a agravante do cadastro de trabalho escravo criado pela Portaria 540/2004. Oficie-se ao juízo de origem (grifei).

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2005.01.00.005880-7/MT – TRF 1, RELATOR : JUIZ LEÃO APARECIDO ALVES (CONVOCADO)

(...) 3. Decido:

A decisão do MM. Juiz Federal César Bearsi, da 3ª Vara, também da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso, no processo 2005.36.00.002110-3, é, a meu sentir, precisa e reflete o bom direito. Disse S.Exa (cf. fls. 29/30):

Não se perca de vista também o fato de que a sanção ainda que prevista em lei não pode ser aplicada antes que a pessoa exerça seu direito de ampla defesa, sob a luz do contraditório, dentro de um devido processo legal.

Se de um lado isto foi ou talvez tenha sido obedecido no processo administrativo por infração trabalhista, deve-se considerar que com o ajuizamento da demanda a situação se torna litigiosa, discutível, devendo o nome ser retirado da Lista até que o processo judicial seja julgado, sob pena de se negar vigência aos princípios acima falados e também à inafastabilidade do controle judicial (art.5°, XXXV, da Constituição).

A política do Governo para erradicação do Trabalho Escravo é louvável, porém não pode passar pelo sacrifício de direitos fundamentais e nem ser transformada em uma caçada às bruxas. É fácil ceder à tentação de tomar medidas drásticas em face de crimes ou outros acontecimentos graves que lesem valores caros para a nossa sociedade, entretanto a História aponta que, invariavelmente, medidas deste tipo descambam para o abuso e acabam atingindo também inocentes.

Daí o porque de não podermos transigir com princípios fundamentais básicos e isto aponta a verossimilhança, não havendo de se exigir prova inequívoca já que a questão é analisada sob o prisma puramente de direito, como acima visto.

Está presente o perigo de dano de difícil reparação, na medida em que a simples inclusão do nome na Lista restringirá as negociações comerciais do Autor com séria possibilidade de o levar à insolvência, antes que tenha oportunidade de se defender em Juízo .

Não está presente o perigo inverso, pois a exclusão do nome do Autor da Lista Suja não impede a União de aplicar as penalidades LEGAIS previstas para a espécie (como multas) e nem impede o processo crime pelo delito que está sendo imputado.

Perfeito o entendimento. Adoto-o.

4. Pelo exposto, dou efeito suspensivo ativo ao presente agravo de instrumento para conceder a tutela pretendida pelo agravante e, assim, determinar a exclusão do seu nome do Cadastro de Empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo, criado pela Portaria 540, de 15 de outubro de 2004, do Ministério do Trabalho e Emprego (grifei).

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2005.01.00.056490-9/MT, RELATOR : O EXMO. SR. JUIZ TOURINHO NETO

Vale lembrar, por oportuno, que, embora as decisões mencionadas tenham sido julgadas na Justiça Federal, atualmente a competência para julgar tal matéria é da Justiça do Trabalho, por força do disposto no art. 114, VII, acrescentado pela EC 45/04, c/c art. 109, I, da CF.

Além disso, é interessante ressaltar que a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 3347, distribuída em 16.11.2004 ao Ministro Carlos Britto, do Supremo Tribunal Federal, e atualmente ainda aguardando julgamento.

Nessa ação, a CNA aponta a inconstitucionalidade da "lista suja", o que, segundo Patrícia Audi 19, surpreende os demais integrantes da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE), pela "posição ideológica e contraditória da Confederação diante de um tema incontestavelmente condenável no cenário nacional e internacional". 20

A CNA é uma das integrantes da CONATRAE, juntamente com o Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Ministério da Previdência Social, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Departamento de Polícia Federal, o Departamento de Polícia Rodoviária Federal, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério da Defesa, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), a Associação dos Juízes Federais do Brasil (AJUFE), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (SINAIT), o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Comissão Pastoral da Terra, dentre outros.

Muitas dessas entidades mencionadas ingressaram na ADI como Amicus Curiae, para defender a constitucionalidade da "lista suja" como um dos principais avanços na luta pela abolição definitiva e efetiva da escravidão no Brasil.

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Sobre a autora
Melina Silva Pinto

assistente de juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Melina Silva. A constitucionalidade da "lista suja" como instrumento de repressão ao trabalho em condições análogas à de escravo no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1695, 21 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10970. Acesso em: 15 nov. 2024.

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