1.Introdução
Com o advento do Estado Social e Democrático de Direito, ganhou força a tese que defende a necessidade de interpretar a relação jurídica tributária de forma contextualizada com o valor constitucional da solidariedade social. Ainda que em todo o capítulo da Constituição Federal de 1988, dedicado ao Sistema Tributário Nacional – Capítulo I, Título VI – não se encontre disposição expressa sobre o assunto, é de rigor concluir que o preceito contido no artigo 3º, I, da Lei Maior, pelo qual "Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;. ..", tem aplicação obrigatória em relação a todos os demais dispositivos constitucionais. Registre-se também a expressão constante do seu preâmbulo, a qual indica o ideal de uma "sociedade fraterna". Isso não significa, porém, que a busca da solidariedade social prevalecerá sempre sobre todas as demais normas constitucionais, pois sempre existirão situações onde restará configurada a supremacia de outros valores, também positivados no texto constitucional.
De início, é relevante identificar o significado da expressão "solidariedade social". MARCIANO SEABRA DE GODOI esclarece que o termo solidariedade, apesar de plurívoco, "(...) aponta sempre para a idéia de união, de ligação entre as partes de um todo...", e que etimologicamente, "(...) o termo remonta a termos latinos que indicam a condição de sólido, inteiro, pleno". Mas, em seu sentido jurídico – que é o que interessa ao nosso trabalho – a solidariedade social "(...) remonta à idéia próxima de justiça social, conceito típico do início do século XX". [01]
A solidariedade de que trata a Constituição, no entanto, é a solidariedade genérica, referente à sociedade como um todo, em oposição à solidariedade de grupos sociais homogêneos, a qual se refere a direitos e deveres de um grupo social específico. Por força da solidariedade genérica, é lógico concluir que cabe a cada cidadão brasileiro dar a sua contribuição para o financiamento do "Estado Social e Tributário de Direito". [02]
2.Capacidade contributiva e solidariedade social
Vários autores que se debruçaram sobre o tema identificaram o Princípio da Capacidade Contributiva, previsto no artigo 145, § 1º, da Constituição, como o vínculo essencial entre a tributação e a solidariedade social. [03] Ou seja, o contribuinte cumpre com seu dever de solidariedade, no meio social, quando efetivamente contribui para a manutenção dos gastos estatais – através do recolhimento dos tributos que lhe são exigíveis – na exata medida de sua capacidade contributiva.
Nas palavras de JOSÉ CASALTA NABAIS, professor da Faculdade de Direito de Coimbra, "(...) a simples existência de um Estado Fiscal convoca desde logo uma idéia de justiça, que se não contém nos estritos quadros de uma justiça comutativa, como seria a concretizada num Estado financeiramente suportado por tributos bilaterais ou taxas, figura tributária cuja medida se pauta pela idéia de equivalência". [04] O autor lusitano acrescenta que tal não ocorre em um "Estado Fiscal", que é suportado por todos ou, em especial, por aqueles que revelem capacidade contributiva. Disso resulta que o conjunto dos contribuintes deva suportar o custeio de todos os serviços públicos, que beneficiam todos os cidadãos, sejam ou não contribuintes, do que surge a idéia de justiça distributiva, traduzida na redistribuição dos rendimentos dos contribuintes para os que não sejam contribuintes. Conclui que essa situação tem, como importante aspecto, o fato de que a lei criadora do tributo teve a participação democrática tanto dos representantes dos contribuintes, como dos não contribuintes, o que não ocorria durante a vigência do sufrágio censitário. Com efeito, entende o autor que a máxima inglesa "no taxation without representation" passou a ter um sentido mais democrático do que a clássica noção da "autotributação". [05]
Na doutrina brasileira, MARCO AURÉLIO GRECO é um dos autores que mais se destacam no exame dessa questão:
Esta mudança do perfil do Estado repercute, também, no âmbito da tributação, que deixa de ser vista da perspectiva do confronto entre contribuinte e Fisco – a partir do que as respectivas normas constitucionais assumem o papel de instrumentos de limitação do poder do Estado e proteções ao patrimônio do indivíduo – para ser vista como instrumento de viabilização da solidariedade no custeio do próprio Estado. Daí a capacidade contributiva ser guindada à condição de princípio geral do sistema tributário, a teor do § 1º do art. 145 da CF. [06]
Infelizmente, é um fato cultural e histórico o contribuinte desconfiar do Estado, assim como ver na arrecadação dos tributos uma "subtração", em vez de uma contribuição a um Erário comum. Diante disso, o tema da solidariedade é fundamental, porque leva a uma reflexão sobre as razões pelas quais se pagam tributos, ou porque deva existir uma lealdade tributária. Inegável, todavia, que esse "mal-estar" em pagar tributos resulta de uma gestão corrupta das receitas arrecadadas, serviços públicos ineficientes, assim como de uma carga tributária muitas vezes distribuída de forma não equânime. [07]
Para CLÁUDIO SACCHETTO, catedrático de Direito Tributário e Internacional, Comunitário e Comparado da Universidade de Turim, "Como corolário da solidariedade, no campo fiscal, surgiu a reconstrução do dever tributário como um dever de concorrer para a própria subsistência do Estado e não como uma prestação correspectiva-comutativa diante da distribuição de vantagens específicas para o obrigado". [08] Pagar tributos, portanto, é um dever constitucional, que deve ter como perspectiva não o caráter impositivo, porque oriundo do império da lei, mas da consciência jurídica de que a lei criadora do tributo reflete a vontade e a decisão de todos, quanto à necessidade de custeio dos encargos estatais por todos os cidadãos, na medida da capacidade econômica de cada um. Daí a noção do vocábulo "contribuinte", pois o dever de contribuir para as despesas públicas é um dever individual de solidariedade social, pela simples razão de pertencer a uma comunidade.
O autor citado defende, com acerto, que não é mais possível considerar o tributo como prestação coercitiva apenas porque sua instituição está submetida à reserva de lei, pois "(...) legalidade e autoridade não são mais correlatas". O Princípio da Legalidade passou a representar, nos Estados Republicanos, a vontade expressa de forma democrática pelo povo, que é o único titular da soberania. Acrescenta o autor: "Um dever de solidariedade fiscal só pode ter como referência a comunidade. A repartição das despesas públicas só pode ser, in primis, perante bens e serviços indivisíveis, portanto, bens e serviços que devem ser colocados à disposição de todos. Não faz sentido um tributo a cargo de um único indivíduo beneficiário do serviço público;...". [09]
Do raciocínio do professor italiano resulta clara a idéia de que a solidariedade social, no âmbito tributário, aplica-se também na exigência de os tributos – com destaque para os impostos – serem suportados por todas as pessoas que revelem capacidade contributiva, não tendo a Constituição estabelecido uma contrapartida direta a ser suportada pelo Estado, o que somente ocorre com os chamados tributos vinculados, como as taxas e a contribuição de melhoria. A idéia ganha coerência quando lembramos de certos serviços sociais impossíveis de serem sempre custeados pelos próprios beneficiários, como a educação e os serviços de assistência social.
A imposição tributária não pode mais ser vista como tendo apenas caráter fiscal, ou que esse prevaleça, pois a arrecadação tributária não é um fim em si mesmo. Nesse novo paradigma, prestigiou-se a natureza extrafiscal dos tributos, os quais passaram a servir de instrumento para atingir outros fins de ordem econômica e social encampados pela Constituição, os quais, por sua vez, somente são legítimos na medida em que viabilizam os ideais republicanos e democráticos.
3.Fundamentos para o exercício da competência (criação do tributo) e da capacidade tributária (cobrança do tributo)
Essa nova perspectiva, entretanto, não autoriza a instituição de tributos – e muito menos a sua cobrança – com base apenas em princípios constitucionais, em virtude da existência de normas constitucionais que condicionam as atividades do Estado no campo da tributação, dentre as quais o Princípio da Legalidade tributária, previsto no artigo 150, I, da Lei Maior, e as regras que distribuem as competências tributárias, são os exemplos mais relevantes. Nessa perspectiva, HUMBERTO ÁVILA tece argumentos indispensáveis no trato da matéria:
Na perspectiva da espécie normativa que as exterioriza, as normas de competência possuem a dimensão normativa de regras, na medida em que descrevem o comportamento a ser adotado pelo Poder Legislativo, delimitando o conteúdo das normas que poderá editar. O decisivo é que a Constituição Brasileira não permitiu a tributação pelo estabelecimento de princípios, o que deixaria parcialmente aberto o caminho para a tributação de todos e quaisquer fatos condizentes com a promoção dos ideais constitucionalmente traçados. Em vez disso, a Constituição optou pela atribuição de poder por meio de regras especificadoras, já no plano constitucional dos fatos que podem ser objeto de tributação. Essa opção pela atribuição de poder por meio de regras implica a proibição de livre ponderação do legislador a respeito dos fatos que ele gostaria de tributar, mas que a Constituição deixou de prever. Ampliar a competência tributária com base nos princípios da dignidade humana ou da solidariedade social é contrariar a dimensão normativa escolhida pela Constituição. [10]
Uma tributação com fundamento tão-somente em princípios, acabaria por conflitar com as regras constitucionais que outorgam as competências tributárias e as demarcam entre as pessoas políticas, como, por exemplo, a divisão das materialidades tributáveis pelos impostos, com base nos artigos 153, 154, 155 e 156 da Constituição Federal, entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios. A idéia de que os princípios são normas de maior importância pode levar à falsa conclusão de que os mesmos devem prevalecer sobre as regras, no caso em exame, as que tratam de competências tributárias.
A questão, na verdade, refere-se à diferente eficácia entre essas normas, ou seja, "(...) as regras têm uma eficácia que os princípios não têm. (...) Em primeiro lugar, a eficácia das regras é decisiva, ao passo que a dos princípios apenas contributiva, não cabendo ao intérprete, por conseqüência, afastar, sem mais, a decisão tomada pela Constituição Federal pela sua própria decisão pessoal." Em síntese: "(...) não há poder de tributar com base no princípio da solidariedade social de acordo com a Constituição de 1988". [11] Admitir o contrário implicaria a contrariedade com outras normas constitucionais, como as referidas regras de competência e o sobreprincípio da Segurança Jurídica, bem como os seus corolários da Legalidade, Irretroatividade e Anterioridade.
Como anota HUMBERTO ÁVILA, esse entendimento tem sido prestigiado pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive em relação às contribuições sociais, tributos previstos na Constituição especificamente como instrumentos de busca do ideal da solidariedade social. Encontramos um bom exemplo desse posicionamento no Recurso Extraordinário nº 150.764-1, onde a Suprema Corte decidiu que a seguridade social, ainda que deva ser financiada por toda a sociedade, só o poderá, em relação às contribuições, mediante bases de incidência próprias [12] – as previstas no artigo 195 da Constituição – e não apenas com base no princípio da universalidade do financiamento. [13] Se esse raciocínio se aplica às contribuições, com maior razão deve refletir, também, sobre a interpretação das regras de competência relativas aos impostos, os quais se submetem, nesse contexto, apenas ao princípio da capacidade contributiva, conforme o artigo 145, § 1º da Constituição.
Ainda que a linguagem utilizada pela Constituição possa ser indeterminada, isso não autoriza concluir pela inexistência, em qualquer caso, de núcleos de determinação, ou que ela não possa sofrer determinação pelo próprio sistema no qual esteja inserida. As normas constitucionais que atribuem competências indicam os critérios materiais das hipóteses de incidência dos tributos e, assim o fazendo, estabelecem conceitos, "(...) cujos núcleos de significado não podem ser desprezados pelo intérprete, nem mesmo a pretexto de prestigiar algum valor constitucional, supostamente de maior hierarquia". Felizmente o Supremo Tribunal Federal tem prestigiado esse entendimento, como se pode verificar na decisão proferida no Recurso Extraordinário nº 117.887-6 [14]; que, ao analisar a incidência de imposto sobre a renda na distribuição de dividendos pelas sociedades, concluiu não ter havido auferimento de renda, raciocínio que partiu do conceito constitucional dessa materialidade como "acréscimo patrimonial". [15]
Com base na análise das decisões do Supremo Tribunal Federal, HUMBERTO ÁVILA conclui que essa Corte tem prestigiado de forma firme e reiterada o entendimento de que as regras constitucionais atributivas de competência, quando utilizam expressões com conotação dada pela própria Constituição ou pela legislação infraconstitucional vigente à época de sua promulgação, "(...) prevêem ou incorporam conceitos que fixam balizas instransponíveis ao legislador infraconstitucional", não havendo espaço para entender essas normas como constitucionalmente abertas. [16]
A eficácia do Princípio da Solidariedade Social no âmbito tributário deve, portanto, restringir-se a informar a aplicação do cânone da Capacidade Contributiva e, por seu intermédio, consagrar a Isonomia Tributária, estabelecida no artigo 150, II, da Constituição, pelo qual é vedado às pessoas políticas "(...) instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos".
De forma especial, entendemos que a maior eficácia da solidariedade social, em relação ao Direito Tributário, resulta da observância da aplicação da progressividade nas alíquotas dos impostos, instrumento ótimo no atendimento do caráter extrafiscal da tributação, ou seja, promover o bem-estar social, tendo em vista que a tributação apenas proporcional, além de atender apenas ao aspecto fiscal da imposição tributária, cria situação de extrema injustiça, ao onerar na mesma intensidade contribuintes em situação desigual. Partindo desse raciocínio, concorrer de modo progressivo e não proporcional, significa fazê-lo em função das necessidades não só próprias, mas também das alheias, do que decorre a estreita ligação entre solidariedade e progressividade. A não valorização do Princípio da Solidariedade certamente explica a queda presenciada na defesa da progressividade tributária. [17]
Ao lado da progressividade, a exigência de alguns impostos estará em sintonia com a solidariedade social mediante o atendimento da seletividade, como são exemplos, no Sistema Tributário Nacional, o IPI e o ICMS, por força, respectivamente, do disposto nos artigos 153, § 3º, I, e 155, § 2º, III, da Constituição Federal. Em que pese o dispositivo relativo ao ICMS prescrever literalmente que esse imposto "poderá" ser seletivo, ROQUE ANTONIO CARRAZZA, de forma acertada, defende que a seletividade é instrumento de extrafiscalidade obrigatório, tanto para o ICMS como para o IPI. [18]
É verdade que a receita tributária é condicionada à existência da economia privada e também à garantia dos direitos dos particulares. Por outro lado, o contrário também é verdade, pois é a receita obtida com a tributação que possibilita a existência e manutenção do direito à propriedade, ao patrimônio privado, à livre iniciativa etc. "Se estas premissas são aceitas, então todos aqueles que têm direitos, e todos são titulares de direitos – são obrigados à solidariedade e à solidariedade fiscal". [19]
Essa tomada de posição não implica aceitar a tese de que a eficácia jurídica do Princípio da Capacidade Contributiva autorizaria o Fisco a exigir tributos com base na chamada "interpretação econômica do fato gerador". Da mesma forma, não nos parece possa a Capacidade Contributiva servir de fundamento para desconsiderar negócios jurídicos lícitos, apenas porque celebrados com o propósito isolado de economia tributária. A evasão tributária somente pode resultar de ilicitudes que contaminam o planejamento tributário, e a economia tributária, em si mesma, não pode tipificar um ato como ilícito, ainda que se admita a recepção, no Direito Tributário, das figuras da fraude à lei e do abuso de direito, previstas, respectivamente, nos artigos 166, VI e 187, ambos do Código Civil – Lei nº 10.406/2002.
Não se pode concordar, portanto, com o pensamento de MARCO AURÉLIO GRECO, para quem o Princípio da Capacidade Contributiva elimina o predomínio da liberdade, ainda que inexistente qualquer ilicitude. Nas palavras do autor: "Ou seja, mesmo que os atos praticados pelo contribuinte sejam lícitos, não padeçam de nenhuma patologia; mesmo que estejam absolutamente corretos em todos os seus aspectos (licitude, validade), nem assim o contribuinte pode agir da maneira que bem entender, pois sua ação deverá ser vista também da perspectiva da capacidade contributiva". [20]
O raciocínio de GRECO deve-se à sua perspectiva não só da eficácia jurídica desse princípio, mas também da identificação de quem são os destinatários do comando do artigo 145, § 1º, da Constituição de 1988. Para o autor, à expressão "sempre que possível", prevista nesse dispositivo, deve ser dado um "sentido forte", em razão de sua identificação como princípio geral – diretrizes positivas – e não apenas como limitação – restrições – não sendo possível, em sua visão, aceitar a interpretação de que a expressão contém apenas uma recomendação, como "se puder, faça", e "se não puder, não faça".
Esse sentido forte seria representado na existência de um ângulo positivo da expressão "sempre que possível", colocando a tônica no "sempre" e não no "possível", para que sempre que for possível, deva-se atender à capacidade contributiva. Assim, haveria inconstitucionalidade sempre que for possível atender à capacidade contributiva e isso não seja feito. [21] Entende, como resultado de seu raciocínio, que, ao contrário de outros dispositivos, o preceito da capacidade contributiva não se refere somente à lei, pois o dispositivo prevê que os impostos serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, e não que a lei graduará os impostos segundo ela. O autor defende, assim, a possibilidade de a capacidade contributiva se dirigir também ao aplicador da lei. [22] DOUGLAS YAMASHITA também está de acordo com a eficácia positiva da capacidade contributiva, defendendo que esse princípio necessita de concretização inclusive pelo aplicador da lei, como no caso das decisões judiciais. [23]
MARCO AURÉLIO GRECO argumenta que essa sua afirmação não deveria causar espanto, pois é qualidade imanente a todas as normas constitucionais, mesmo que se tratem de normas meramente programáticas, as quais, no moderno constitucionalismo, não são mais vistas como singelas recomendações ou declarações de propósito, nem se apresentam apenas com eficácia negativa – fundamentar a inconstitucionalidade de dispositivos que a contrariem. Ou seja, a norma programática possui eficácia positiva, pois contém preceitos que podem e devem ser aplicados. O autor, no entanto, esclarece: "Isto não significa que o princípio da capacidade contributiva possa ser aplicado sem lei, nem estou afirmando que podem ser cobrados tributos sem lei e sem tipo. Estou apenas afirmando que o princípio ilumina o tipo previsto na lei; que esta será irrigada pela interpretação com os olhos da capacidade contributiva, mas sem que isto signifique atropelar a lei ou o tipo nela previsto". [24] Entretanto, o raciocínio seguinte do autor parece conflitar com essa sua afirmação:
Ora, se o legislador deve atingir isonomicamente a capacidade contributiva, deverá fazê-lo em relação a todas as suas manifestações: aqueles que tenham praticado atos indicativos daquela aptidão devem ser atingidos pelo mesmo tributo. Se existirem idênticas manifestações de capacidade contributiva, sujeitas a tributações diferentes, não haverá tributação isonômica. Em última análise, a tributação estará se dando inconstitucionalmente.[sic] [25]
O entendimento do autor levanta um questionamento: como conciliar a (a) possibilidade de o aplicador da lei tributária – o Fisco, por exemplo –utilizar o Princípio da Capacidade Contributiva com (b) a vedação da tributação por analogia, regra que, apesar de prevista no artigo 108, § 1º, do Código Tributário Nacional, é, em verdade, a manifestação do Princípio da Legalidade insculpido no artigo 150, I, da Constituição? Para nós, o problema, na tese de GRECO, está em que esse respeitável autor considera que haverá abuso de direito sempre que um negócio jurídico for celebrado unicamente com propósito de economia tributária. [26] Ocorre que a economia tributária é um fator de altíssima relevância em qualquer operação jurídica, sendo, por si só, justificativa plausível para realizar um negócio jurídico. Isso será defensável, pensamos nós, quando, por exemplo, constituir-se em único meio para a manutenção de uma atividade econômica como lucrativa, ou ainda, quando for imprescindível para assegurar condições mínimas de uma família viver com dignidade, situações que se subsumem às chamadas "excludentes de ilicitude" previstas no Código Civil, na condição de "exercício regular de um direito". [27]
Não se nega plausibilidade jurídica à tese de MARCO AURÉLIO GRECO, mas caso seja possível a outorga ao Fisco dessa eficácia positiva ao Princípio da Capacidade Contributiva, caberá ao Poder Judiciário a correção de um sem número de abusos que certamente serão praticados pelas administrações tributárias, tendo em vista o vetor interpretativo fazendário ter notoriamente, na maior parte dos casos, apenas um viés arrecadatório. A necessidade de buscar atingir o valor da solidariedade social, pensamos, não justifica uma situação grave como essa, onde certamente a Segurança Jurídica sucumbirá, ante a violação de direitos como a liberdade, propriedade, livre iniciativa etc.