PROCESSO DIGITAL
PDM 23.073
APELAÇÃO: 1001521-57.2017.8.26.0360
APELANTE: MUNICÍPIO DE MOCOCA
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
Requerida: JANAINA APARECIDA QUIRINO
Sentença fls. 92/95: MM. Juiz Dr. Djalma Moreira Gomes Júnior
VOTO LC 29386
APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE CONDENAÇÃO EM OBRIGAÇÃO DE FAZER.
Ação proposta pelo Ministério Público do Estado De São Paulo objetivando constranger mulher à realização de esterilização compulsória a ser realizada pelo Município. Fundamento de ser a mulher pobre, já com filhos, sem condições econômicas de sustentar e criar a prole e possuir vícios. Houve concessão de medida liminar. Ré revel e sem curadora especial. Sentença de procedência – Apelação do Município.
ILEGITIMIDADE ATIVA E AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL - Inexistência de legitimidade ativa, pois o pedido não tutela direito transindividual, nem direito individual indisponível, porque a ação foi ajuizada contra os interesses da requerida Janaina – Inexistência de interesse jurídico do autor para requerer a realização de procedimento cirúrgico em caráter compulsório.
PEDIDO ILÍCITO E VEDADO PELA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA. Petição inicial que deveria ser indeferida pela carência de interesse processual em promover a esterilização eugênica, que não tem condescendência constitucional, que institui regime democrático e de direito, com fundamento na dignidade humana e no respeito à liberdade da pessoa.
OCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA – É inafastável a garantia do direito de defesa daquele sobre quem recairão os efeitos materiais do provimento jurisdicional, sob pena de nulidade absoluta - Inafastável a nomeação do Curador Especial, hoje exercida pela Defensoria Pública e, na sua ausência, por advogado nomeado, diante da condição de vulnerabilidade da ré - Nulidade absoluta reconhecida pela falta de defesa – Violação de garantia constitucional – Princípio da consequencialidade.
VEDAÇÃO DO PROCEDIMENTO DE ESTERILIZAÇÃO PARA FINS DE CONTROLE DEMOGRÁFICO – O fundamento do pedido é o perigo de Janaina engravidar novamente, dado seu desinteresse pela política de planejamento familiar, aumentando sua prole de maneira irresponsável - Segundo o artigo 2º, da Lei nº 9.263/96, é proibida a realização do procedimento para qualquer tipo de controle demográfico.
CRITÉRIOS DA LEI nº 9.263/96 QUE NÃO FORAM ATENDIDOS - Mesmo nos casos de esterilização voluntária, é necessário o atendimento de uma série de requisitos, relacionados a idade, quantidade de filhos, consentimento expresso, entre outros – No caso dos autos, há dúvida razoável acerca do consentimento da requerida para realização do procedimento cirúrgico – Impossibilidade de realização da cirurgia.
Descabimento da utilização da medida de condução coercitiva da requerida para realização de cirurgia. Instituto previsto nos artigos 218 e 260 do Código de Processo Penal, cuja recepção pela Constituição Federal é objeto de ADPF 444, em que foi concedida medida liminar para suspender em todo país a condução coercitiva de investigados para interrogatório criminal, em face da violação dos direitos fundamentais da pessoa, inclusive do direito à não autoincriminação. Repercussão no processo civil. Ausência de previsão legal de condução coercitiva de réu para se submeter à cirurgia médica. Violação dos direitos fundamentais, podendo configurar abuso de autoridade judicial.
Sentença reformada. Recurso de apelação do Município provido para rejeitar o pedido, na forma do art. 487, I do CPC/2015. Com determinação.
Vistos.
Trata-se de ações cumuladas de obrigação de fazer ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO contra JANAINA APARECIDA QUIRINO e o MUNICÍPIO DE MOCOCA. Contra Janaína, alega que a requerida é hipossuficiente, dependente química e que já tem cinco filhos, entendendo o autor que é recomendável a esterilização compulsória da mulher, que não teria discernimento para avaliar as consequências de uma nova gestação, não tendo ela condições de fornecer cuidados mínimos para os filhos atuais. Contra o Município, pede a sua condenação na obrigação de realizar a laqueadura na corré, “mesmo contra a sua vontade” por ser o direito à saúde dever do Estado e direito de todos (sic).
A sentença de fls. 92/95 (05.10.2017) julgou procedente a presente os pedidos cumulados, para condenar o Município a realizar a laqueadura compulsória na corréu quando do parto de novo filho, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00, limitada ao valor total de R$ 100.000,00.
Inconformado, apelou o Município às fls. 97/109. Alega, preliminarmente, a ilegitimidade ativa do Ministério Público como substituto processual, pois não está legitimado para a defesa de direitos heterogêneos. Sustenta que, no caso concreto, o Ministério Público atua como substituto processual em defesa de direito individual, o que inviabiliza a ação por ausência de previsão legal. Também defende a nulidade do processo, pois alega que o Ministério Público postula a esterilização involuntária com fim de controle demográfico, o que é vedado pelo artigo 2º da Lei 9.263/1996. No mérito, sustenta que a esterilização tubária é medida excepcional e jamais pode ser admitida de modo involuntário. Também defende que não há responsabilidade do Município pelo procedimento cirúrgico.
O recurso é tempestivo, isento de preparo e foi respondido (fls. 126/131).
É o relatório.
VOTO
O D. Ministério Público ingressou, na verdade, com duas ações cumuladas contra duas partes, a senhora Janaína e contra o Município.
O pedido é de esterilização compulsória eugênica ou demográfica, contra a vontade da parte, tendo por fundamento jurídico sua pobreza, eventual dependência química e o entendimento pessoal do d. Promotor de Justiça de que é caso de necessária esterilização por laqueadura, a ser feita pelo Município, que tem obrigação de prestar o serviço de saúde.
O entendimento consolidado nos Tribunais Superiores e no Tribunal de Justiça de São Paulo é de compreender de forma ampla a missão constitucional e institucional do Ministério Público consagrada no art. 127 da Constituição da República, reconhecendo sua legitimidade processual para propor ação civil pública para a defesa de direitos individuais indisponíveis em favor de pessoa carente individualmente considerada, na tutela dos seus direitos à vida e à saúde, ainda que de forma excepcional cuidar-se de direito não homogêneo e à proteção de uma única pessoa.
Nesse sentido:
Informativo nº 0344
Período: 11 a 15 de fevereiro de 2008.
PRIMEIRA SEÇÃO
MP. LEGITIMIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REMÉDIOS. FORNECIMENTO. DOENÇA GRAVE.
A Seção, por maioria, entendeu que o Ministério Público tem legitimidade para defesa de direitos individuais indisponíveis em favor de pessoa carente individualmente considerada, na tutela dos seus direitos à vida e à saúde (CF/1988, arts. 127 e 196). Precedentes citados: REsp 672.871-RS, DJ 1º/2/2006; REsp 710.715-RS, DJ 14/2/2007, e REsp 838.978-MG, DJ 14/12/2006. EREsp 819.010-SP, Rel. originária Min. Eliana Calmon, Rel. para acórdão Min. Teori Albino Zavascki, julgados em 13/2/2008.
Informativo nº 0381
Período: 15 a 19 de dezembro de 2008.
SEGUNDA TURMA
LEGITIMIDADE. MP. TRATAMENTO MÉDICO.
O Estado-membro recorrente pretende ver declarada a ilegitimidade ad causam do MP para a proteção dos direitos individuais indisponíveis. Alega, em síntese, que o MP está atuando como representante judicial, e não como substituto processual, como seria o seu mister. O Min. Relator João Otávio de Noronha entendia faltar ao MP legitimidade para pleitear em juízo o fornecimento pelo Estado de certo tratamento médico a pessoa determinada fora de seu domicílio, pois, apesar de a saúde constituir um direito indisponível, a presente situação não trata de interesses homogêneos. Isso porque, na presente ação civil pública, não se agiu em defesa de um grupo de pessoas ligadas por uma situação de origem comum, mas apenas de um indivíduo. O Min. Herman Benjamin concordava com o Min. Relator apenas no que tocava à indisponibilidade do direito protegido suscetível de proteção pelo Ministério Público. E, divergindo com relação ao enfoque dado ao direito tutelado, de que se trata de direito não homogêneo, motivo que implicaria a falta de legitimidade processual ao parquet, concluiu o Min. Herman Benjamin que o MP tem legitimidade para a defesa dos direitos indisponíveis, mesmo quando a ação vise à proteção de uma única pessoa. Diante disso, a Turma, por maioria, negou provimento ao recurso. Precedentes citados: REsp 688.052-RS, DJ 17/8/2006; REsp 716.512-RS, DJ 14/11/2005, e REsp 662.033-RS, DJ 13/6/2005. REsp 830.904-MG, Rel. originário Min. João Otávio de Noronha, Rel. para acórdão Min. Herman Benjamin, julgado em 18/12/2008.
Assim, embora duvidosa, a princípio, se a esterilização compulsória, que envolve a mutilação do aparelho reprodutor feminino, contra a vontade da senhora Janaína, ser para a sua proteção de algum direito indisponível seu, é verdade que essa questão preliminar se apequena diante das implicações trazidas pelo pleito e as peculiaridades processuais que atraem a atenção para este processo.
Optou o d. Ministério Público autor em propor ação civil pública regida pela Lei 7347/1985, expressamente indicado esse fundamento legal. Contudo, a referida Lei 7347/1985 (LACP) autoriza o seu manejo aos casos de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente; ao consumidor; a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; por infração econômica à ordem urbanística.
De pronto verifica-se que a inadequação da via processual eleita, ensejando a carência de ação e o indeferimento da petição inicial, manifestando-se ilegítima a atuação do Ministério Público.
Admitamos a legitimidade processual do Ministério Público para efeito de argumentação.
Poder-se-ia admitir, em tese, que o pedido seria juridicamente lícito (ou possível, na sistemática do CPC/1973) se a esterilização compulsória da mulher fosse para atender a algum caso de necessidade para salvaguardar sua vida e preservar sua saúde.
Mas não é o caso.
A petição inicial não trouxe qualquer alegação a esse respeito nem veio instruída com alguma prova médica indicativa da urgência e imprescindibilidade da mutilação e esterilização.
Ao contrário, o inusitado e inédito pedido veio acompanhando de um ofício da Assistência Social local indicando o desinteresse da corré Janaína em fazer a laqueadura (fls. 09/10) e mais um relatório do Departamento Municipal de Saúde, subscrito por uma enfermeira e duas agentes comunitárias de saúde (fls. 11 e 12), que sugeriram que a senhora Janaína teria manifestado algum interesse em fazer a laqueadura. Instrui a inicial, também, um laudo de assistente social que apontaria as condições modestas da família.
Por determinação judicial foi feita uma avaliação psicológica pelo Setor próprio do Fórum local (fls. 25/28), que teria relatou a situação econômica modesta e que teve como objetivo orientar a corré a fazer a esterilização e a “declarar seu desejo” nesse sentido.
Em nenhum momento nos autos o D. Promotor de Justiça e o MM. Juízo interrogou pessoalmente a corré para obter o seu consentimento ou avaliar sua situação de saúde mental. A prudência da norma relativa à interdição não foi lembrada (art. 1.771 do Código Civil).
A fls. 30/31 foi concedida a ordem liminar judicial seguinte:
“Verifica-se dos autos que a parte a requerida Janaina Aparecida Quirino necessitar realizar cirurgia de laqueadura tubária, pois é pessoa hipossuficiente, apresenta grave quadro de dependência química, sendo usuária contumaz de substâncias entorpecentes, além de ser mãe de cinco filhos, que já estiveram acolhidos na Casa de Acolhimento Betânia, nesta cidade. E, a princípio, não tem condições financeiras de arcar com os correspondentes custos. ...”
Foi postulado pelo Ministério Público e deferida a medida liminar, de caráter irreversível e satisfativo, para o que se denomina ESTERILIZAÇÃO EUGÊNICA, a qual, na terminologia do excelente, mas revogado, Código de Processo Civil de 1973 qualificar-se-ia como pedido juridicamente impossível, justificando-se a rejeição do pedido na forma do art. 487, I do CPC/2015.
Na verdade, não havia direito, conceituado como interesse legítimo tutelado pelo direito positivo e dotado de exigibilidade em face de alguém.
A esterilização compulsória eugênica postulada é vedada pelo Direito Brasileiro, pela Constituição da República e pelas Convenções Internacionais a que o Brasil aderiu.
Antônio Chaves classifica a esterilização em 4 espécies: eugênica, cosmetológica, terapêutica e de limitação de natalidade (CHAVES, Antônio. Direito à vida e ao próprio corpo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ª edição revista e ampliada,1994.)
A esterilização eugênica visa impedir a transmissão de doenças hereditárias, e tem por finalidade evitar prole inválida ou inútil, e também visa prevenir a reincidência de pessoas que cometeram crimes sexuais.
Já a esterilização cosmetológica visa apenas evitar a gravidez, não dependendo de existir risco a saúde, levando em conta somente a parte estética. Tal prática não é permitida pelo nosso ordenamento jurídico.
Por sua vez, a esterilização terapêutica pode estar ligada à idéia de estado de necessidade ou de legítima defesa. Já foi utilizada para suprimir hérnias curando leprosos, doentes com câncer na próstata, para previnir a epilepsia, gota, dentre outras doenças. Nesse caso, um médico deve diagnosticar previamente as injunções clínicas que autorizariam esterilizar uma pessoa, em razão da impossibilidade clínica de ter filhos. Esse tipo de esterilização é permitida no Brasil, desde que preenchido dois requisitos: relatório escrito e assinado por dois médicos.
Por fim, a esterilização para a limitação da natalidade visa restringir a prole das famílias, em virtude das condições socioeconômicas de um dado país. A China, por exemplo, adotou a campanha "um casal - um filho", dada a sua imensa população. A Constituição Federal Brasileira veda expressamente qualquer forma coercitiva de esterilização.
A esterilização pedida nos autos não é a de natalidade, pois não tem caráter geral e impessoal, mas considera as qualidades subjetivas da paciente de aspectos financeiros, social, educacional, e eventuais vícios, equiparando-se à castração dos anormais e criminosos, situação que não tem a permissão constitucional brasileira.
Em suma, trata-se de inadmissível preconceito social contra os menos favorecidos, uma vez que existem alternativas jurídicas disponíveis de assistência social e de orientação de planejamento familiar.
A prática da esterilização humana artificial aparece em diversos momentos da história, com finalidades distintas. Ainda na Antiguidade, conta-se que a rainha Semíramis de Nínive haveria ordenado que os doentes incuráveis e retardados de seu reino fossem castrados para evitar a degeneração da espécie. Na era medieval, castravam-se os cantores adolescentes da Capela Sistina para manter o tom contralto de suas vozes.
A esterilização eugênica dos anormais e dos criminosos sexuais foi admitida como lícita em países como os Estados Unidos, Alemanha, Espanha e Suíça, em variados momentos da história, para evitar a transmissão hereditária de moléstias, impedindo a fecundação, e para prevenir a reincidência de delinquentes portadores de desvio sexual. No Brasil esta prática não é admitida, vista a clara discrepância com o disposto no seu ordenamento jurídico. (in Considerações Jurídicas sobre a Esterilização Eugência dos Anormais e dos Criminosos Sexuais. Andréa Guerra de Oliveira e Sousa e outros. Biodireito. UNIFACS).
Nossa Constituição Republicana inicia-se com a adoção do Estado Democrático de Direito com fundamento na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), com objetivo de construir uma sociedade livre, justa e solidária, com erradicação da pobreza, com promoção do bem de todos e sem preconceitos.
Igualmente, proclama a Constituição da República a garantia intransigente da inviolabilidade do direito à vida e à liberdade, não se obrigando ninguém a fazer ou a deixar de fazer algo senão em virtude de lei. Assegura a inviolabilidade da intimidade. Veda a tortura ou a algum tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III) bem como as penas corporais.
“O reconhecimento e a proteção dos direitos e das liberdades fundamentais são o núcleo essencial da democracia constitucional” (LOEWENSTEIN, apud CUNHA Jr., 2009, p. 392).
Na obra de Ruy Samuel Espíndola, a natureza dos princípios constitucionais é definida como “conteúdos primários diretores do sistema jurídico-normativo fundamental de um Estado. Dotados de originalidade e superioridade material sobre todos os conteúdos que formam o ordenamento constitucional, os valores firmados pela sociedade são transformados pelo Direito em princípios” (ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, pag. 76).
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002. p. 128).
Difícil, nesse contexto, justificar a atuação ministerial como harmonizada com a sua natureza constitucional de instituição permanente para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CF).
Da nulidade do procedimento, dada a ausência de defesa efetiva por parte da ré Janaina.
Embora tenha havido a citação da ré (fl. 32), não se lhe abriu oportunidade defesa, violando a garantia constitucional do devido processo legal, o que inclui o direito à ampla defesa e contraditório (art. 5º, LV da CF), com os meios e recursos a ela inerentes.
O processo é nulo de pleno direito, pois a ré não poderia ser privada de defesa efetiva, seja qual fosse a matéria em questão, mas especialmente porque aqui se debate a realização de cirurgia, em caráter compulsório, de esterilização.
A nulidade absoluta é cognoscível de ofício, não suscetível de preclusão, devendo ser reconhecida desde a sua ocorrência, reconhecendo-se a nulidade de todos os atos subsequentes em decorrência do princípio da causalidade ou da consequencialidade.
Atualmente, pela Lei Complementar nº 80/1994, que organiza nacionalmente a Defensoria Pública, é dela a função institucional de exercer “a defesa dos direitos e interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos e dos direitos do consumidor, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal” (artigo 4º, inciso VIII).
Cumpre observar, ainda, que são objetivos da Defensoria Pública dar efetividade aos direitos humanos e primar pela dignidade da pessoa humana, concretizando a garantia dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório (art. 3º da lei referida).
É por essas razões que cabe à Defensoria Pública, em todas as esferas de Poder, exercer a curadoria especial, nos casos previstos em lei (art. 4º, inciso XVI).
Em especial, cabe à Defensoria Pública Estadual prestar “assistência jurídica aos necessitados, em todos os graus de jurisdição e instâncias administrativas do Estado” e tutelar os “interesses individuais, difusos, coletivos e individuais homogêneos” (artigos 106 e 106-A).
Tais disposições foram espelhadas na Lei Complementar Estadual 988/2006, em seu art. 5º, e, quanto à curadoria especial, no inciso VIII.
Saliento que o direito de defesa, mesmo no caso de atuação especial, protetiva e imediata do Estado nos casos de dependência química flagrante e gravíssima, ensejadora de internação compulsória dos pacientes situados na região da Cracolândia na capital de São Paulo, o Provimento do E. CSM 2.154 de 03.02.2014 normatiza que conhecido o pedido pelo juiz, serão ouvidos o paciente, o Ministério Público e, em defesa dos interesses do paciente vulnerável, o Defensor Público, advogado constituído ou nomeado. Resolvidas as diligências necessárias à execução da ordem judicial, o expediente é encaminhado à distribuição no foro competente para a continuidade da prestação jurisdicional (art. 1º, §§1º e 2º).
No caso dos autos, se o MM. Juízo a quo entendeu que Janaina não tinha capacidade para cuidar de seus próprios filhos e não tinha capacidade de decidir a respeito da necessidade de cirurgia de esterilização, tanto que a determinou em caráter compulsório, também é verdade que a ré deveria ter sido representada por curador especial, nos termos do artigo 72, I, do Código de Processo Civil.
Ora, é no mínimo contraditório entender que a ré não dispõe de plena capacidade mental para bem dispor de seus atos, mas, ao mesmo tempo, entender que a ré possui plena capacidade de se defender em ação judicial.
Além disso, no caso dos autos, não só não foi nomeado curador especial, como também não foi realizada qualquer audiência, colocando-se frente a frente ré e magistrado.
Não houve, por parte do Juízo, propósito investigatório mínimo acerca da pertinência de pedidos tão graves tais quais os formulados pelo Ministério Público.
Nem se diga, aliás, que os documentos produzidos unilateralmente por órgãos do próprio Município (como os relatórios apresentados pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social ou então o Laudo de Psicologia de fls. 24/28) teriam o condão de suprir questionamentos e indagações formulados oral e presencialmente durante uma eventual audiência preliminar, ainda que em caráter elucidativos.
Ademais, também é de máxima clareza que a certidão de fl. 29, a qual atesta o comparecimento de Janaina junto ao cartório para declarar que estava de acordo com a realização do procedimento, não supre a ausência de defesa, porque de ordem técnica.
Assim, não há como albergar qualquer arremedo de processo kafkiano (narrado no romance “Der Prozess, do escritor Franz Kafka, no qual o personagem Josef K. acorda de manhã de seu aniversário e é preso e sujeito a longo e incompreensível processo por um crime do qual não teve conhecimento da acusação nem de seus julgadores).
Dessa forma, não vejo como entender sanada a nulidade absoluta da falta de defesa da requerida, sobre a qual recaem os efeitos materiais da decisão judicial, de natureza restritiva do direito da liberdade individual, ainda que em processo civil e de caráter protetivo.
O poder coercitivo do Estado sobre a pessoa humana, dentro do Estado de Direito, não prescinde da observância das garantias constitucionais fundamentais, dentre as quais o direito de defesa.
Entendo, pois, pela nulidade do procedimento, dada a ocorrência de cerceamento de defesa.
Da esterilização compulsória postulada e deferida em liminar.
Os programas de esterilização compulsória já foram políticas governamentais para forçar pessoas a se submeterem a esterilização cirúrgica.
Na primeira metade do século vinte, muitos programas deste gênero foram instituídos em vários países por todo o mundo, usualmente fazendo parte de programas eugênicos postos em prática por assistentes sociais, cuja intenção era de prevenir a reprodução e multiplicação de membros da população considerados portadores de características genéticas defeituosas. Logo a prática foi estendida a doentes e deficientes mentais. A ideia de que pacientes mentais eram desprovidos de razão e, portanto, não tinham direito a opinar sobre sua vida e tratamento legitimou vários abusos.
A esterilização eugênica dos anormais e dos criminosos sexuais não surgiu na Alemanha na época do nacional-socialismo, mas nos Estados Unidos no século 19.
Na ocasião, se uma pessoa era considerada indigna de transmitir sua hereditariedade a gerações futuras, era esterilizado contra sua vontade. De acordo com a reportagem, foi nos Estados Unidos que a eugenia ganhou contornos mais negativos: o controle de quem se reproduziria e quem não teria esse direito.
A revelação de casos de esterilização forçada também se alastrou pela Europa, com notícias divulgadas na Suíça, Dinamarca, Finlândia e Noruega. Uma série de artigos publicados pelo jornal sueco "Dagens Nyheter" revelou que cerca de 60 mil pessoas foram submetidas a esterilização no país. Essa política de Estado com objetivo de “higiene social” foi instituída legalmente na Suécia em 1935 e vigorou, pelo menos na legislação, até 1976. A TSR, televisão suíça em língua francesa, revelou que algumas regiões tiveram uma política semelhante, instituída por lei a partir de 1928. Jornais da Noruega e da Finlândia também levantaram casos de esterilização compulsória, estimando-os em 2.000 e 1.400, respectivamente, segundo números oficiais. Jornais da Dinamarca falam em centenas de casos no país, especialmente prostitutas, delinquentes e deficientes .
Com o passar dos anos, vários outros casos de esterilização compulsória foram registrados.
No Peru, por exemplo, uma mulher da região de Cusco teve os pés e mãos amarrados e três enfermeiras e um médico realizaram o procedimento de esterilização sem seu consentimento. Seu caso é parecido com os de outras centenas de milhares de mulheres peruanas que, entre 1990 e 2000, foram submetidas a cirurgias esterilizadoras em regiões com níveis de pobreza elevados e onde a maioria da população é indígena .
Voltemos os olhos para o Brasil.
Aqui houve a criação da COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO, por requerimento datado de 1991, destinada a examinar a incidência de esterilização em massa de mulheres no país.
A solicitação da criação da CPMI foi motivada pelo fato de que a esterilização de mulheres era, à época, o método anticoncepcional mais usado do Brasil, diante de estatísticas divulgadas pelo IBGE. Dentre outros, a CPMI objetivou investigar as práticas assistenciais dirigidas à saúde da mulher e o uso e abuso da esterilização cirúrgica feminina.
O documento elaborou uma análise minuciosa do contexto social, político e econômico, além de apontar diversos atores sociais envolvidos no planejamento familiar brasileiro.
Numa passagem do relatório, nota-se que “a esterilização cirúrgica de mulheres, seja voluntária ou não, é assunto que não pode ser dissociado de uma discussão que é mais imediata: a implantação da política de assistência integral à saúde da mulher. A situação de epidemiologia da saúde reprodutiva, ao revelar o uso abusivo da esterilização por parte das mulheres, reflete o abandono e a omissão do Estado em sua responsabilidade constitucional de prover saúde integral e métodos contraceptivos para o planejamento familiar”.
O relatório final da CPMI constatou que as instituições que realizavam o controle de fertilidade no Brasil executaram políticas de controle demográfico, concebidas por governos estrangeiros e organismos internacionais, reconhecendo a omissão do Governo brasileiro, que nunca investigou seu modus operandi.
O documento também apontou que o contexto em que as esterilização eram realizadas foi bastante perverso: ausência de outras alternativas contraceptivas disponíveis e reversíveis e desinformação quanto aos riscos, sequelas e irreversibilidade da laqueadura.
Na ocasião da CPMI, dada a ausência de regulamentação sobre o tema, a esterilização cirúrgica era passível de enquadramento nos crimes de lesão corporal com perda de função ou exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo, nos termos do artigo 129 do Código Penal Brasileiro.
Ao final do relatório, também constou a recomendação para discussão e votação do Projeto de Lei para regulamentar o § 7º do artigo 266 da Constituição Federal, a fim de implementar diretrizes constitucionais para delinear o planejamento familiar no Brasil, apontando para a vedação de qualquer forma coercitiva e sanção legal para os abusos contra as mulheres.
A partir daí, no ano de 1996, foi publicada a Lei nº 9.263/96, que regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências.
O seu artigo 2º, parágrafo único, em resposta aos abusos até então historicamente ocorridos, deixou expresso que é vedado o procedimento de esterilização para fins de controle demográfico:
Art. 2º Para fins desta Lei entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.
Parágrafo único - É proibida a utilização das ações a que se refere o caput para qualquer tipo de controle demográfico.
A Lei nº 9.263/96 ainda estabeleceu que, mesmo nos casos de esterilização voluntária, seria necessário o atendimento de uma série de requisitos, relacionados a idade, quantidade de filhos, consentimento expresso, apontando para sua vedação durante o período de parto:
Art. 10. Somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações:
I - em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce;
II - risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos.
§ 1º É condição para que se realize a esterilização o registro de expressa manifestação da vontade em documento escrito e firmado, após a informação a respeito dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais, dificuldades de sua reversão e opções de contracepção reversíveis existentes.
§ 2º É vedada a esterilização cirúrgica em mulher durante os períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade, por cesarianas sucessivas anteriores.
§ 3º Não será considerada a manifestação de vontade, na forma do § 1º, expressa durante ocorrência de alterações na capacidade de discernimento por influência de álcool, drogas, estados emocionais alterados ou incapacidade mental temporária ou permanente.
§ 4º A esterilização cirúrgica como método contraceptivo somente será executada através da laqueadura tubária, vasectomia ou de outro método cientificamente aceito, sendo vedada através da histerectomia e ooforectomia.
§ 5º Na vigência de sociedade conjugal, a esterilização depende do consentimento expresso de ambos os cônjuges.
§ 6º A esterilização cirúrgica em pessoas absolutamente incapazes somente poderá ocorrer mediante autorização judicial, regulamentada na forma da Lei.
Não está presente, portanto, qualquer direito subjetivo público a amparar a pretensão deduzida.
Ademais, há dúvida razoável acerca do consentimento da requerida para realização do procedimento cirúrgico.
Veja-se que, na inicial do Ministério Público, há narrativa clara no sentido de que Janaina, por vezes, demonstra desinteresse em aderir aos tratamentos sugeridos pelos órgãos públicos.
Em complemento, as ausências reiteradas aos programas municipais, relatados pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (fls. 9/10), deixam claro a falta de vontade da requerida em realizar o procedimento cirúrgico.
Há, inclusive, a menção expressa de que “todo o esforço para que a Sra. Janaina fizesse a laqueadura foi em vão, pois a mesma não adere aos serviços e não cumpre as mais simples orientações” (fls. 10).
O Laudo de Psicologia, por sua vez, não deixa de apontar manifestações de vontade da Janaina contrárias à realização da cirurgia:
“Ressaltou que já deu início ao processo de laqueadura em outros momentos, com a ajuda da rede de atendimento protetiva (CREAS, CAPS AD e Conselho Tutelar), porém não deu conta de concluir o processo, pois de acordo com ela “é demorado e complicado” (sic) e por vezes perdia o interesse quando ficava sob efeito do álcool” - fl. 25
Contudo, a despeito disso, coloca em suas conclusões que a “Sra. Janaína aparentou ter desejo espontâneo e convicto em realizar a cirurgia, como forma de evitar outras possíveis ocorrências de gravidez.” (fl. 27 – grifou-se).
Tal informação, contrária ao que está escrito no corpo do próprio laudo, leva a crer que o documento tem características tendenciosas. Inclusive, ao final, declarou que induziu a requerida a declarar seu interesse no procedimento: “no dia desta avaliação Janaína foi orientada a declarar seu desejo referente à realização da cirurgia de laqueadura no Cartório desta Comarca” – fl. 28.
Talvez, por essa razão, conste à fl. 29 certidão emitida pelo cartório informando que a ré compareceu em cartório e declarou estar de acordo com o procedimento de laqueadura.
Assim, por tudo o que foi narrado, não é possível extrair a real vontade da requerida, se estava de acordo com o procedimento ou se foi induzida a fazer determinada declaração.
Com efeito, a inexistência de dúvidas acerca do consentimento é requisito necessário e indispensável para realização da esterilização, tanto que consta na Lei nº 9.263/96 que “é condição para que se realize a esterilização o registro de expressa manifestação da vontade em documento escrito e firmado, após a informação a respeito dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais, dificuldades de sua reversão e opções de contracepção reversíveis existentes” (art. 10, § 1º - grifou-se).
O artigo, ao exigir declaração escrita e expressa, não se reveste de mero formalismo. Pelo contrário, tem por objetivo preservar os direitos e garantias individuais, impedindo que o procedimento seja realizado sem a aquiescência inequívoca da parte interessada acerca de todas as consequências e riscos dele decorrentes.
No caso dos autos, além de não existir expressa manifestação de vontade em documento escrito, que é exigência legal, sequer existe certeza acerca da intenção da ré.
Indo além, também merece destaque a forma reprovável de condução do procedimento.
Como já adiantado, às fls. 30/31, foi determinada a realização da laqueadura tubária, em caráter liminar, com imposição de multa diária, inclusive.
Posteriormente, note-se que o Ministério Público informou que “Janaína não compareceu voluntariamente à consulta ginecológica agendada” [outra evidência de que a ré não tinha interesse em realizar a cirurgia].
Por essa razão, o Ministério Público apontou que “em se tratando de ação que visa à realização de cirurgia de esterilização compulsória, a resistência da requerida era esperada, motivo pelo qual foi pleiteado pelo Ministério Público e determinada liminarmente a realização de cirurgia de laqueadura, a qual deve ser feita mesmo contra a vontade da requerida. Caso contrário, nem seria necessário o ajuizamento de ação judicial” (fl. 50 – grifou-se). Diante disso, o douto Magistrado singular proferiu decisão intimando o Sr. Prefeito Municipal para cumprir a liminar, no prazo de 48 horas, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, limitada a R$ 100.000,00 (fl. 51).
E qual seria o próximo passo? A condução coercitiva da senhora Janaína para o hospital?
Ora, a condução coercitiva é medida prevista no Código de Processo Penal nos artigos 218 e 260:
Art. 218. Se, regularmente intimada, a testemunha deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio da força pública.
Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.
Na MEDIDA CAUTELAR NA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 444, de Relatoria do Min. Gilmar Mendes do STF, foi concedida a liminar (18.12.2017) “para vedar a condução coercitiva de investigados para interrogatório, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de ilicitude das provas obtidas, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”
A despeito da determinação do ilustre Juiz ser anterior à medida cautelar referida, os argumentos para repudiar aquela medida de força tomada estavam já presentes.
“A condução coercitiva para interrogatório representa uma restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não culpabilidade, para obrigar a presença em um ato ao qual o investigado não é obrigado a comparecer. Daí sua incompatibilidade com a Constituição Federal.”
Com efeito, a CF garante ao acusado o direito de não se auto-incriminar. No processo civil, de há muito as provas de natureza médico-pericial implicam em ônus à parte no caso de recusa de se submeter aos exames médicos, mas em nenhuma hipótese a lei autoriza o constrangimento forçado à submissão do exame.
Tanto assim é que persiste a Súmula 301 do STJ (2004) que tem o seguinte enunciado:
“Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade.”
A injusta recusa de uma parte a produzir prova de natureza médica pode acarretar ônus processual, mas com preservação da sua liberdade pessoal.
No caso, se não é possível realizar perícia médica, sob condução coercitiva, com muito mais razão para ser vedada a realização de cirurgia em caráter compulsório.
Não obstante, a cirurgia foi realizada no dia 14/02/2018, como consta do ofício juntado às fls. 145/148.
Aqui, uma vez mais, houve violação da Lei nº 9.263/96, porque a lei proíbe a “esterilização cirúrgica em mulher durante os períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade” (art. 10, § 2º).
Não de outra sorte, há quem entreveja a possibilidade de tipificação do abuso de autoridade qualquer atentado à incolumidade física do indivíduo (Lei 4.898/1965), principalmente quando se questiona, nas discussões parlamentares, sobre os limites e supostos abusos praticados por membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, qualificados como “demasiadamente empoderados”, até mesmo por Ministro do Supremo Tribunal Federal.
Estamos diante de uma aberração teratológica inusitada, louvando-se a intervenção serena e na defesa dos valores constitucionais e democráticos do Douto Procurador do Município que contestou a ação e interpôs recurso de apelação.
Isso posto, voto dar provimento ao recurso da Prefeitura Municipal de Mococa para extinguir o processo, com resolução do mérito, rejeitando-se o pedido, na forma do art. 487, I do CPC/2015. Sem custas e honorários advocatícios a serem ressarcidos pelo autor vencido, na forma do art. 18 da Lei 7.347/1985. Encaminhem-se cópias dos autos à Douta Corregedoria do Ministério Público e à E. Corregedoria Geral da Justiça para as providências que entender cabíveis.
Leonel Costa
2º juiz