O presente artigo foi idealizado a partir do contido no brilhante trabalho "Processo e Administração da Justiça: novos caminhos da ciência processual" (2008) [01], de autoria do juiz federal (PR) Vicente de Paula Ataíde Junior, e na notícia "Novo comando no Judiciário", publicada no Jornal "O Judiciário" da Associação dos Magistrados Catarinenses [02].
O objeto deste trabalho é identificar o liame existente entre a técnica operacional do sistema do processo judicial tratado pela ciência do Direito e a técnica operacional do respectivo procedimento pela ciência da Administração.
Com muita maestria, Vicente de Paula, logo na abertura do seu artigo, coloca o leitor a refletir sobre tema inédito que merece ser pesquisado, quando salienta:
A Teoria Geral do Processo sempre pecou por deixar de relacionar a jurisdição com a administração da justiça, optando por analisar o fenômeno jurisdicional como algo abstrato, fecundo apenas no campo das idéias. Mas, contemporaneamente, percebe-se que o sucesso da jurisdição não corresponde, apenas, ao avanço da técnica processual, mas, sobretudo, à operacionalização do poder jurisdicional, via mecanismos de gestão administrativa.
Do mesmo modo, a notícia "Novo comando no Judiciário" sugere reflexão a partir do tema enfrentado por Vicente de Paula. Segundo ela, para o biênio 2008/2009, é o Desembargador Francisco José de Oliveira Filho quem irá presidir o Tribunal de Justiça de Santa Catarina. No ato solene de transmissão de posse, presentes dois ilustres escritores e professores de Direito Processual Civil. Pedro Manoel Abreu entrega o malhete [03] a Francisco José de Oliveira Filho.No discurso de tomada de posse,
Pretende o novo presidente instituir um Conselho de Gestão Judiciária e Políticas Públicas, com 11 membros, sendo seis desembargadores, integrado ainda por magistrado indicado pela AMC, promotor de justiça, procurador estadual, advogado e um funcionário do Judiciário, indicados pelas respectivas entidades corporativas. O colegiado deverá ser convocado para produzir trabalhos que visem propor soluções práticas sobre o funcionamento do Poder e de outras questões de interesse social.
Ao que tudo indica, esse Conselho se assemelha ao Conselho Nacional de Justiça, com sede em Brasília e dirigido, atualmente, pela Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie Northfleet.
É um plano de gestão ambicioso e de amplo interesse à administração da justiça estadual e à sociedade catarinense. Pelos tipos dos cargos básicos anunciados para a composição do Conselho, todos são graduados em Direito e quem sabe, inclusive, também o funcionário do Judiciário. O mesmo acontece com os membros do Conselho Nacional de Justiça, em que apenas um, o Conselheiro Mairam Gonçalves Maia Júnior que, além da graduação em Direito, é também graduado em Administração de Empresas [04].
Caso a pretensão principal desse Conselho da Justiça Estadual de Santa Catarina seja de organizar, estruturar e criar métodos de racionalização de serviços e de funcionamento do Poder Judiciário Estadual de modo a conseguir pleno êxito em produtividade com baixo custo operacional, membros de outras graduações universitárias, quem sabe, devam ser convocados, exatamente porque colegiado dessa natureza envolve domínio em matérias multidisciplinares.
Nesse sentido, Vicente de Paula faz anotações importantíssimas:
A tutela jurisdicional não é mais pensada como aquela que apenas produz decisões, que declara direitos ou que diz quem tem razão. A declaração de direitos hoje não basta. Ninguém almeja sentenças. Almeja-se, pela jurisdição, a consecução de resultados, a obtenção do bem da vida que corresponde ao direito material.
[...]
Quem sabe não se possa incorporar ao estudo do processo a pesquisa de campo, o material estatístico e outras técnicas de investigação científica, aprimorando a percepção da realidade impactada pelas normas jurídicas? Será que o "purismo" que ainda contamina a ciência do direito continuará a impedir a utilização desses métodos? O trabalho do cientista do direito não pode mais ser resumido a exercícios de lógica jurídica. O desafio agora é construir uma Teoria Geral do Processo que não se esgote nas abstrações da lógica e que descubra o quanto pode contribuir se reconhecer a administração da justiça como objeto de estudo.
A partir desse valioso argumento do magistrado paranaense e sob a ótica da ciência da administração, poder-se-ia afirmar que o Conselho Nacional de Justiça e o novel Conselho da Justiça Estadual de Santa Catarina, poderiam ser compostos não só por membros graduados em Direito, mas também, por exemplo, em Administração, Computação, Economia, Contabilidade, Estatística, Sociologia e Política.
No tocante apenas ao bacharel em administração, note-se a importância de sua formação profissional na composição de colegiado como acima apontado:
Art. 2º A atividade profissional de Técnico de Administração será exercida, como profissão liberal ou não (vetado), mediante:
a) pareceres, relatórios, planos, projetos, arbitragens, laudos, assessoria em geral, chefia intermediária, direção superior;
b) pesquisas, estudos, análise, interpretação, planejamento, implantação, coordenação e controle dos trabalhos nos campos da administração (vetado), como administração e seleção de pessoal, organização e métodos, orçamentos, administração de material, administração financeira, relações públicas, administração mercadológica, administração de produção, relações industriais, bem como outros campos em que esses se desdobrem ou aos quais sejam conexos [05];
Essas matérias são estudadas em Faculdade de Administração e não em Faculdade de Direito, desta, de onde alguns graduados alçam o poder de administrar o Judiciário.
Quanto à referência acima sobre planejamento, é bom lembrar o que disse o também processualista Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira:
... deve reconhecer que, no decorrer dos tempos, pouco se preocupou em criar, de forma permanente, um órgão específico de Planejamento Científico na sua administração. .. [06]
O parecer do ministro merece ser acolhido porque se mostra interessante ao bom funcionamento do Poder Judiciário Brasileiro. Com efeito, o envolvimento demasiado de vários magistrados de ambos os graus de jurisdição em comissões passageiras e em outras atividades com finalidade de organização da justiça, além de afastá-los, quiçá, desnecessária e temporariamente de sua atividade principal – julgamento -, é bem possível que não alcance algumas projeções em decorrência do funcionamento fora de um bem estruturado organismo científico de ALTA ADMINISTRAÇÃO [07], com membros de larga e reconhecida experiência profissional condizente com a sua formação universitária, seja jurista, economista ou emérito administrador de empresa ou de serviço público.
Dessa forma, um órgão de planejamento instalado dentro de um tribunal, funcionando de forma permanente, com técnicos especializados (mestres/doutores), tais como magistrados/juristas/processualistas e bacharéis em Administração, Computação, Economia, Contabilidade, Estatística, Sociologia e Política, por certo criaria projetos satisfatórios para promover celeridade e eficiência no desenvolvimento da prestação jurisdicional.
Agora é preciso que se defina o aventado liame do processo e do seu procedimento, sob a visão da técnica jurídica e da técnica da administração do serviço público.
José Frederico Marques, em sua monumental obra "Instituições de Direito Processual Civil" (1966) ensina que
Não se confunde processo com procedimento. Este é a marcha dos atos do juízo, coordenados sob formas e ritos, para que se atinjam os fins compositivos do processo. Já o processo tem um significado diverso, porquanto consubstancia uma relação de direito ´que se estabelece entre seus sujeitos durante a substanciação do litígio´.
O graduado em Direito é aprovado em disciplina do processo e procedimento, pelas formas teórica e prática forense. Logo, aprendeu a teoria e a estrutura do processo, bem como os respectivos ritos, fluxos ou procedimentos necessários ao julgamento da lide.
Todavia, não é da essência do curso de Direito como esses procedimentos podem e devem ser operacionalizados segundo as técnicas disponibilizadas por outras ciências, de modo a gerar celeridade e economia no desenvolvimento da produtividade do serviço forense. É aí que exsurge a necessidade do profissional do Direito, na elaboração de projeto de organização e métodos, compartilhar em parceria, ombro a ombro, com profissionais de outras áreas como da administração, economia, computação e contabilidade.
Não é recomendável, no entanto, que essa atuação conjunta de profissionais egressos de áreas de formação distintas ocorra dentro de reuniões relâmpagos, mas sim no âmbito de órgão permanente de planejamento voltado à pesquisa e a composição de projetos idealizados ao bom desempenho do Judiciário, assim como sempre agem as empresas privadas que dependem exclusivamente de rentabilidade econômica para a sua subsistência, e não de receita tributária como acontece na administração pública direta, cuja entrada dos recursos financeiros em caixa independe do grau de produtividade do serviço prestado aos jurisdicionados (clientes). Ainda é recomendável que, para o ideal funcionamento do órgão de planejamento sejam convocados magistrados dispensados temporariamente da jurisdição, optando-se não pela quantidade deles para a formação do colegiado, mas sim por suas experiências e estudos sobre processo judicial, este que, em suma, quando julgado definitivamente, diz-se como produto final ou acabado do Poder Judiciário.
Quem sabe dirigentes do Poder Judiciário de outros tempos se achavam auto-suficientes para administrar tão importante instituição produtora de volumoso serviço público, embora sabedores de sua graduação apenas em Direito. Imaginemos que eles disseram, talvez: basta que se tenha dom ou tino para administrar serviço, principalmente quando pelo menos se sabe escolher bem os coadjuvantes. Essa afirmativa é falsa ou verdadeira na seara de avançadas tecnologias modernas disponibilizadas à Administração Pública e Privada para gerar serviços e bens patrimoniais em maior quantidade, em menor tempo, com êxito e com baixo custo operacional?
Na dúvida é que a Escola Nacional da Magistratura da AMB, está distribuindo a "Guia de Cursos e Campanhas Institucionais para 2008", com indicação do curso de Mestrado Profissional em Poder Judiciário, tendo como local a Escola de Direito da FGV [08] no Rio de Janeiro (RJ) e objetivo:
Produzir novos conhecimentos científicos e tecnológicos; aperfeiçoar pessoal para a pesquisa; desenvolvimento e aplicação do conhecimento na área do Poder Judiciário; analisar e disseminar experiências práticas na prestação jurisdicional e na administração dos Tribunais, e consolidar a construção de uma área multidisciplinar de saberes sobre Poder Judiciário.
<www.enm.org.br/docs/guia2008.pdf>. Acesso em: fev. 2008.
A continuada adoção de medidas administrativas empíricas no decorrer dos tempos, com resultados, em certos casos, negativos ao funcionamento do Judiciário, sendo destaque a lentidão com que os seus julgamentos eram e ainda continuam sendo operados, fruto, possivelmente, de legislação processual ultrapassada frente ao aumento expressivo da demanda a partir de 1988, quando a vigente Constituição Federal, denominada "cidadã", criou inúmeras tutelas jurídicas dependentes de apreciação judicial. É provável que tudo isso tenha colaborado em influenciar o legislador pátrio a criar o Conselho Nacional de Justiça e mais recentemente, o processo eletrônico ou virtual (Lei 11.419/06), como abertura de novos caminhos de empreendimento na busca do sucesso administrativo.
Note-se que o Poder Judiciário entrou numa nova fase para gestão dos seus objetivos. É a do compartilhamento profissional, é a de oportunizar a participação de técnicos de outras áreas de formação universitária, não como simples subordinados obedientes, mas sim como parceiros em mesa redonda com direito à voz e decisão, posto que a administração judiciária não depende exclusivamente do aprendizado em faculdade de Direito. É também a fase de aproveitamento máximo das tecnologias disponibilizadas pela administração e computação eletrônica de dados, esta que permite agora, pelo processo virtual, monitorar a produtividade do serviço forense em tempo real e, desse modo, permitir que a estatística revele a quantidade de horas em que o operador do Direito esteve acessando processos virtuais num determinado período do calendário, o que evidentemente é essencial para a tomada de alta decisão administrativa, por exemplo, em torno de horário forense, quadro de recursos humanos e até para abandonar a vetusta praxe de avaliar a produção do magistrado pela quantidade de processos julgados, como se o trabalho dele fosse simplesmente mecânico e independente de pesquisa, exame, convicção, aferição e convencimento, diante de um sistema altamente complexo de ordenamento jurídico.
Notas
01ATAÍDE JUNIOR, Vicente de Paula. Processo e Administração da Justiça: novos caminhos da ciência processual. Curitiba: IBRAJAUS-Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário, 2008.
<http://www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=48>. Acesso em: fev. 2008.
02 Novo comando no Judiciário. Florianópolis: O Judiciário. Jornal mensal da Associação dos Magistrados Catarinenses. a. III, n. 22, fev. 2008.
03 Pequeno martelo de duas cabeças, usado por um juiz em tribunais <http://pt.wiktionary.org/wiki/malhete>. Acesso em: fev. 2008
e também usado por Venerável Mestre na direção do ritual em templo maçônico.
<http://www.atrolha.com.br/asp/trabalhos.asp?id=612>. Acesso em: fev. 2008.
04 Conselho Nacional de Justiça. Conheça o CNJ. Conselheiros.
<http://www.cnj.gov.br/index.php?option=com_content&task=view&id=3060&Itemid=215#5>. Acesso em: fev. 2008.
05 Lei nº 4.769, de 09 set. 65, que dispõe sobre o exercício da profissão de Técnico de Administração.
06TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A reforma processual. Rio de Janeiro: Revista do IMB – In verbis. a. 01, p. 13, fev/mar. 1996.
07 Note-se o pronunciamento do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, por ocasião do ato do lançamento do Código de Conduta da Alta Administração Federal, in Revista Jurídica Consulex. Informatização do Judiciário. Brasília, a. IV, v. 1, n. 45, p. 19, set. 2000.
08 A Fundação Getúlio Vargas-FGV é pioneira na instalação do curso de administração pública no Brasil.