A Favela Nova Brasília e a Corte Interamericana de Direitos Humanos: racismo estrutural e impunidade da violência policial no Brasil.

28/06/2024 às 17:27
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Palavras-chave: chacina; favela Nova Brasília; impunidade policial; Direito Internacional; Corte Interamericana de Direitos Humanos.

1 O caso “Favela Nova Brasília"e o seu contexto sócio-histórico

A primeira metade dos anos 1990, no Brasil, foi marcada por inúmeras chacinas promovidas por agentes da força repressiva do Estado, que vitimizaram, em maior parte, pessoas negras que viviam em condições de extrema vulnerabilidade socioeconômica. Dentre essas chacinas é possível destacar, ao menos, quatro: o massacre do Carandiru, em 1992, uma intervenção da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que resultou na morte de cento e onze detentos; a chacina da Candelária, em 1992, onde quatro policiais militares atiraram contra cerca de cinquenta crianças e adolescentes em situação de rua, resultando na morte de oito pessoas; a chacina do Vigário Geral, em 1993, onde um grupo de militares, encapuzados e desuniformizados, executaram vinte e um moradores da Favela do Vigário Geral e; a chacina da Nova Brasília, que ocorreu entre os anos de 1994 e 1995. Esta foi uma das que ganhou uma maior notoriedade internacional, pois o Brasil foi julgado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por não punir a violência policial relacionada ao supracitado caso.

Acauam Silvério de Oliveira (2018) diz, sobre esses referidos casos de letalidade e truculência policial, que

o que a periferia percebeu antes de todos é que esse modelo genocida de organização social, ancorado numa série de mecanismos herdados da escravidão e aperfeiçoados durante a ditadura militar, [o projeto de gerenciamento da miséria por meio da violência] não se voltava apenas contra aqueles considerados criminosos, tendo se contido em norma geral, com aprovação quase irrestrita da opinião pública (p. 20).

No dia 18 de outubro de 1994, sob a diretriz formal de apreensão de automóveis roubados, drogas e armas, a Polícia Civil do Rio de Janeiro entrou na Favela Nova Brasília para cumprir mandados de prisão contra traficantes que agiam na região. Ela invadiu, pelo menos, cinco casas na Favela da Nova Brasília, deteve os seus moradores e executou, sumariamente, treze pessoas, que tinham entre treze e trinta anos de idade.

A operação foi registrada oficialmente e amplamente divulgada como um auto de resistência com a morte de opositores. Apesar dos corpos demonstrarem amplos indícios de execução – tais como sinais de tiros dados a curta distância, resquícios de pólvora, a presença de duas a quinze perfurações por balas e o fato de uma das vítimas ter levado um tiro em cada olho – as armas dos policiais envolvidos na ação não foram periciadas e os corpos foram retirados do local do crime pelo carro de uma empresa de coleta de lixo, antes mesmo da perícia técnica ser feita na área. Além das vítimas de homicídio da chacina de 1994, houve também três vítimas de tortura e de atos de violência sexual praticados pelos agentes da polícia civil, ambas adolescentes, de quinze, dezesseis e dezenove anos, à época.

Seis meses após a chacina de 1994, em 8 de maio de 1995, um grupo de policiais civis, com apoio de dois helicópteros, adentraram novamente na Favela Nova Brasília, desta vez, alegando a necessidade de deter um carregamento de armas que seria entregue a traficantes da comunidade. A operação resultou no ferimento leve de três policiais e na morte de treze pessoas, entre dezessete e vinte e cinco anos de idade. Os corpos continham de um a dez ferimentos por armas de fogo. As mortes também foram registradas como autos de resistência, da mesma forma, os corpos foram retirados da cena do crime antes da chegada da perícia técnica.

De acordo com Rafael Oliveira (2022),

a perita destacou que o local dos tiros e o fato de que sei dos mortos tenha sido atingidos por somente um ou dois disparos mostravam uma alta eficiência letal. Além disso, apontou que sete dos corpos apresentavam sinais de lesões por objetos contundentes e fraturas.

Tais fatos indicam prováveis atos de tortura e espancamento. Somando as duas operações realizadas na Favela Nova Brasília, com um intervalo de pouco mais de seis meses entre elas, os vinte e seis mortos receberam mais de cem tiros, todos advindos das armas do Estado (OLIVEIRA, 2022).

A realidade da violência policial presente no Brasil não pode ser caracterizada como atos esparsos, pontuais e cometidos individualmente por alguns dos agentes que compõem o corpo institucional da polícia, mas se mostra como uma prática estrutural e estruturante da manutenção da dominação, da exclusão e do extermínio de uma parcela da população. Dessa forma, relaciona-se com o conceito de" massacre ", difundido por Zaffaroni (2012), o que consistiria em qualquer prática de homicídios de um número considerável de pessoas, por parte de agentes de Estado ou de um grupo organizado com controle territorial, em forma direta ou com clara complacência, levada a cabo em forma conjunta ou continuada, fora de situações reais de guerra que impliquem forças mais ou menos simétricas (p. 411).

No mesmo dia da chacina de 1995, os policiais envolvidos na operação, que eles denominam de confronto com marginais, deram entrevistas comemorando os resultados, do qual foram apreendidos quatro fuzis, uma metralhadora, um rifle, três pistolas, cinco revólveres calibre 38 e duas granadas (SOARES, 2022). Nenhum dos policias envolvidos nos crimes de homicídio e abuso sexual das chacinas de 1994 e 1995 da Favela Nova Brasília foram responsabilizados penalmente e os delegados que comandaram as operações, José Secundino da Costa Silva e Marcos Alexandre Cardoso Reimão, respectivamente, foram promovidos a titulares de delegacias em 2011 pela, à época dos fatos, chefe da Corregedoria Geral da Polícia Civil, Martha Rocha (PDT-RJ) (BORGES, 2022).

A absoluta inércia da justiça penal brasileira fez com que os parentes das vítimas de homicídio e as vítimas de abuso sexual levassem o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A comissão, por entender que as recomendações dadas, a priori, não haviam sido atendidas pelo Estado brasileiro, apresentou o processo à Corte Interamericana de Direitos Humanos (órgão da Organização dos Estados Americanos que acompanha denúncias sobre violações de Direitos Humanos e faz deliberações aos Estados) no dia 19 de maio de 2015. O estado brasileiro foi acusado em conformidade com os artigos 31, 32, 42, 65 e 67 do regulamento da corte (2009), o qual profere a sentença, e os artigos 62.3 e 63.1 da Convenção Americana de Direitos Humanos (1969). Em 2017 a Corte condenou o Estado brasileiro por não garantir a realização de justiça no Caso Nova Brasília, atribuindo lhe responsabilidade internacional.

2 A decisão da Corte

A Corte inicia a deliberação da Sentença em 16 de fevereiro de 2017 e estabelece, por unanimidade, que o Estado brasileiro é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais de independência e de parcialidade da investigação de ambas as chacinas; pela violação da proteção judicial das vítimas de abuso sexual, L.R.C, C.S.S e J.F.C; e pela violação da integridade pessoal dos quinze familiares das vítimas de homicídio e das três vítimas de abuso sexual.

A Corte dispõe medidas reparadoras, como a obrigatoriedade do Estado em guiar a investigação em prazo razoável da incursão de 1994, iniciar uma investigação eficaz sobre os atos de violência sexual e ofertar, sem custos, o tratamento psicológico e psiquiátrico para as vítimas, além de medicamentos. Ademais, o Estado deve obedecer às publicações da sentença, determinar metas e políticas para reduzir a letalidade e violência policial, inaugurar placas em memória às vítimas na praça principal da Favela Nova Brasília e publicar todo ano um relatório oficial sobre as mortes durante as operações da polícia em todos os estados do país.

Outrossim, o Estado necessita abarcar medidas legislativas para incluir as vítimas de delitos e os familiares à participação nas investigações, indenizar e reembolsar as vítimas, ressarcir o Fundo de Assistência Jurídica às Vítimas, alterar a expressão nos relatórios de mortes ou lesões por ação policial de “resistência” ou “oposição” à polícia para “lesão corporal ou homicídio decorrente de intervenção policial” e produzir um relatório acerca dos resultados das práticas de tais medidas para ser entregue à Corte para análise.

3 Análise da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos

Notadamente, os juízes do Tribunal Interamericano atentaram-se às condições sociais das vítimas, pessoas marginalizadas pelo estado brasileiro e historicamente oprimidas pelas forças policiais, para fundamentarem as suas decisões. Devido à data de reconhecimento da jurisdição da corte ocorrer anos após aos fatos criminosos, em 10 de dezembro de 1998, incumbiu à corte analisar a omissão do Estado brasileiro nas investigações e processos a respeito das incursões policiais de 1994 e 1995. A partir disso, os julgadores observaram a postura do Estado perante os casos analisados, que demonstrou extrema ineficiência em garantir os direitos humanos das vítimas, por uma ausência de vontade e negligência estatal em levar justiça para essa população que, historicamente, encontra-se ignorada pelo Direito brasileiro.

Nesse sentido, a Corte Interamericana ressaltou pontos do processo que demonstravam a ineficiência do procedimento jurídico. O principal exemplo é a falta de independência da investigação, pois a entidade encarregada de conduzi-la era a mesma instituição a cargo da incursão policial em 1994, a Delegacia Especializada de Repressão a Entorpecentes (DRE), os agentes investigadores estavam diretamente envolvidos com as ações a serem averiguadas, fato esse que comprometeria diretamente a seriedade do processo investigativo.

A corte também ressaltou o longo período de inatividade nas investigações e o descumprimento de diligências ordenadas, o que acarretou no descumprimento do prazo para a realização do processo, afetando mais uma garantia judicial das vítimas. Os julgadores apresentaram como ocorreram as ações da justiça brasileira e demonstraram como deveriam ter ocorrido, trazendo as normas processuais da convenção e a sua jurisprudência, além de princípios do direito penal e processual penal para escancarar as falhas materiais e processuais da justiça brasileira no caso da Favela Nova Brasília, demonstrando a negligência do estatal em promover a justiça e garantir os Direitos Humanos às supracitadas vítimas, justificando, dessa forma, a sentença proferida pelo Tribunal.

A estrutura da sentença é outro ponto a se destacar sobre a lógica argumentativa do tribunal. A disposição dos fatos de maneira narrativa, como se um fator conduzisse necessariamente ao seguinte, torna a sentença didática e coesa, o que fortalece os argumentos citados outrora, pois estes ganham caráter intrínseco ao caso, aparentam ser auto-evidentes e indissociáveis, o que culmina, ao final da sentença, em uma sensação de única solução possível: a condenação do estado brasileiro.

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A sentença reconhece e argumenta sobre o caráter sistemático das violências cometidas pelos agentes do estado, tratando os casos analisados como uma representação desse fato. Essas ocorrências passam pela formação dos policiais civis e militares até a omissão dos responsáveis em promover a justiça, combinando a impunidade dos responsáveis pela violência estatal. Tais ações são justificadas por uma suposta guerra às drogas, que além de garantir a impunidade dos agentes policiais, por vezes, os condecora pelo resultado trágico das operações: uma grande quantidade de mortes e uma baixa quantidade de apreensão de drogas ou armas.

Ademais, os juízes responsáveis, atentaram-se ao contexto histórico-social dos fatos a serem analisados. Relatando durante a própria sentença dados sobre a atuação policial no Brasil, como os da predominância de jovens negros, pobres e desarmados, como vítimas fatais da violência policial. Além disso, a sentença faz o recorte geográfico do Estado do Rio de Janeiro, local da ocorrência das incursões analisadas, que apresenta um histórico de casos de abuso da força policial e de descaso com a vida da população das favelas. São explicitados os dados da quantidade de mortos por ações da polícia, onde jovem negro tem 2,5 vezes mais chances de morrer por conta dessas ações do que um jovem branco, demonstrando, objetivamente, quem é o alvo das operações policiais.

O menosprezo pela vida desses grupos socialmente vulneráveis está presente desde o momento da escolha do local das operações até os processos de investigação posteriores aos eventos. Os homicídios cometidos pelos agentes policiais durante as incursões de 1994 e 1995, foram registrados como casos de “resistência seguida de morte”, devido a essa alegação (que pôde ser desmistificada a partir da análise das autópsias), investigava-se os antecedentes criminais das vítimas falecidas e de acordo com estes encerrava-se as investigações, por considerar que as vítimas de homicídio eram prováveis criminosos. Tal fato demonstra a presença da naturalização das execuções sumárias de indivíduos marginalizados, como se o jus puniendi do Estado estivesse diretamente relacionado ao poder de vida ou morte dos indivíduos, antes mesmo de um devido processo legal.

Outrossim, releva-se também a presença de violência sexual contra mulheres (incluindo menores de idade), crimes que assim como as execuções sumárias, aparecem como condutas recorrentes nas operações dentro das favelas. A dignidade sexual dos corpos femininos, assim como o direito à vida, é constantemente cerceado dentro das favelas pelo corpo institucional do Estado. É notório o afastamento dessas pessoas do rol de indivíduos aos quais o Estado Brasileiro busca garantir os Direitos Humanos inalienáveis.

A sentença é proferida, ao menos, vinte anos após a ocorrência dos fatos, e durante esse período foram constatadas dezenas de novos casos de excesso pelas forças policiais durante incursões em comunidades, como demonstra o recorde de mortes por intervenção policial nos cinco primeiros meses do ano, no Rio de Janeiro em 2008, com 652 mortes, além de números majoritariamente crescentes de 1998 até 2016, segundo estudo do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP RJ) realizado em 2020 (RODRIGUES, 2022). O que demonstra uma piora do quadro em análise e uma ausência de medidas efetivas tomadas pelo Estado.

Esse agravamento cronológico, ligado à omissão estatal, interferiu diretamente nas medidas que a Corte Interamericana impugnou ao Brasil. Além das obrigações de reparar as violações, de investigar e de reparar as vítimas diretas, a Corte sentenciou o Estado a adotar medidas administrativas com o objetivo de reduzir as vítimas fatais decorrentes da atuação policial, promover um processo justo de investigação e resguardar os Direitos Humanos da população das favelas, a partir de mecanismos normativos, metas políticas ou medidas legislativas.

4 Métodos interpretativos e integrativos utilizados pela corte

Analisando os aspectos evidenciados na decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos acerca do Caso Favela Nova Brasília, nota-se a utilização de diferentes métodos interpretativos no corpo da sentença, publicada em 16 de fevereiro de 2017.

Primeiramente, referente aos métodos interpretativos utilizados na sentença supracitada, destaca-se, o método de interpretação sistemática. Este estabelece uma relação da norma com o resto do ordenamento, ou seja, uma conexão dos dispositivos jurídicos, onde qualquer preceito deve ser interpretado em harmonia com os princípios gerais e regras do sistema jurídico. Um exemplo dessa forma interpretativa pode ser visto na parte das"exceções preliminares", onde o Estado Brasileiro apresentou sete contestações, expondo pontos de discordância fundamentados em artigos da Convenção Americana. Entretanto, através de uma análise sistemática, averiguando os artigos conjuntamente e observando alguns princípios, tal Corte negou cinco exceções e aceitou parcialmente apenas duas.

Outro método utilizado pela corte é o da interpretação histórica, onde há um levantamento das condições históricas, realizado através da observação dos precedentes normativos. Em determinado trecho da sentença, referente à violência policial no Brasil, destacam-se medidas normativas existentes para enfrentar tal problemática. Desse modo, aprecia-se o artigo 129 da Constituição Federal, promulgada em 1988, onde ao Ministério Público foi atribuída a responsabilidade de controle externo da atividade policial. Observa-se, também, o método de interpretação sociológica, onde busca-se analisar o texto normativo considerando os costumes e os valores atuais da sociedade.

Além destes métodos supracitados, nota-se o da interpretação teleológica. O pressuposto desta forma interpretativa é que sempre é possível atribuir um propósito às normas, ou seja, identificar a sua finalidade. Neste contexto, observa-se ao longo da decisão uma série de normas que tiveram o seu propósito e finalidade completamente negligenciados pelo Estado Brasileiro, como, a nível de exemplificação, as violações do direito às garantias judiciais e à proteção judicial, onde evidenciou-se a lentidão e as omissões estatais no processo investigativo. Sendo assim, a corte reiterou que os Estados partes são obrigados a oferecer recursos judiciais efetivos às vítimas de violação dos Direitos Humanos, bem como, esse dever de garantir direitos é acentuado em casos de uso da força letal por parte de agentes estatais.

Por fim, percebe-se a utilização de dois métodos integrativos ao longo da sentença. Primeiramente, o método de integração por meio dos princípios gerais do direito, onde uma série de princípios do Direito Internacional são utilizados para fundamentar as decisões da corte. O outro método é o da integração por equidade, onde há uma ênfase ao sentimento do justo, em regularidade com as circunstâncias do caso concreto.

5 Conclusões

Conclui-se que a saída interpretativa adotada pelos membros da corte foi, notavelmente, bem embasada juridicamente, fundamentando-se essencialmente em princípios basilares do Direito Internacional e dos Direitos Humanos, bem como nas normas asseguradas em tratados internacionais, como a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Além disso, tal sentença apresenta uma linguagem didática, organizada e estruturada, facilitando a compreensão da sua leitura.

Contudo, a sentença não estabelece de modo concreto e preciso os objetivos, parâmetros e prazos para a supervisão da criação das políticas de segurança pública requeridas. Tais falhas sentenciais, somadas à histórica violência sistemática advindas das forças policiais e à negligência estatal ao cumprir o que foi deliberado, resultam na permanência e na letalidade policial nas favelas do Brasil, sobretudo, contra pessoas negras.

Tal entendimento é corroborado quando há uma análise dos dados de mortes por operações policiais posteriores às chacinas da Favela Nova Brasília e à sentença proferida pela Corte Interamericana de Direito Humanos, há um aumento, ano após anos, de casos dessa natureza. De 1998 a 2019, o Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro registrou a quantidade de mortos por operações policiais, revelando um número exorbitante de 19.287 pessoas mortas por intervenções estatais. Nota-se um padrão de pessoas negras como vítimas preferenciais, este grupo sendo o alvo principal nos homicídios dolosos, revelando que o perfil de mortos em 2019, apresenta que 78% eram pretos ou pardos, 6% antes de obter 18 anos de idade e maioria homens, pois as mulheres são vítimas destinadas a crimes de violência sexual, ameaça e tortura (OLIVEIRA, 2022).

Ana Luiza Flauzina (2006) explica o porquê da seletividade racial no que concerne a violência policial, segundo ela,

os números que revelam o grau de vitimação da juventude negra apontam para um projeto que investe claramente contra o futuro, contra as possibilidades de todo um contingente existir e se reproduzir. Não há flagrante mais incontestável de uma política de extermínio em massa: deve-se matar os negros em quantidade, atingindo preferencialmente jovens negros enquanto cerne vital da continuidade de existência do grupo (p. 116).

Ademais, um balanço realizado em 2021 pelo Conselho Nacional de Justiça, destaca que cinco pontos resolutivos ainda estão pendentes de cumprimento pelo Estado, de modo que algumas medidas preventivas não foram efetivamente garantidas.

Apesar das falhas, quanto à concretização das deliberações presentes na sentença, esta possui a importância de tentar corrigir no país as lacunas nas investigações policiais, haja vista que as forças policiais do Brasil são as mais letais do mundo. Desse modo, acontecimentos semelhantes ao do caso da Favela Nova Brasília são rotineiros nas zonas periféricas e, não raramente, os crimes cometidos nessas operações não são devidamente investigados, e em consequência disso, não são punidos.

Em suma, as conclusões e as deliberações proferidas pela sentença demonstram a busca pela garantia dos Direitos Humanos, pelas garantias judiciais, pela condução eficiente das investigações policiais e pelo cumprimento do devido prazo desta. Em virtude destes fatos, a decisão da corte ganhou visibilidade mundial, possibilitando uma série de debates e estudos acerca da violência policial e da transgressão dos Direitos Humanos.

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Sobre a autora
Stephanie Correia de Jesus

Estudante do curso de Bacharelado em Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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