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Responsabilidade subsidiária trabalhista.

Impossibilidade de exigir do tomador de serviços o pagamento da contribuição previdenciária patronal devida pelo empregador

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07/03/2008 às 00:00
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A competência da Justiça do Trabalho para executar de ofício as contribuições previdenciárias somente pode ser exercida perante os respectivos sujeitos passivos, nos moldes preconizados pela legislação tributária.

1. Introdução

A juridicidade da declaração de responsabilidade subsidiária do tomador de serviços pelos débitos trabalhistas inadimplidos pelo empregador em face do empregado é matéria que parece não comportar maiores discussões no âmbito do Direito do Trabalho.

Elaborado sob o influxo princípio protetivo e lastreado no próprio valor social do trabalho, o instituto da responsabilidade subsidiária trabalhista representa típica construção pretoriana, estando hoje consagrado na Súmula 331 do TST. De fato, conquanto tenha ampla aplicação, o instituto não tem previsão legal estrita.

A ausência de previsão legal, se por um lado não se coloca como obstáculo para a aplicação do instituto, por outro legitima perquirir a sua extensão.

A ampliação da competência da Justiça do Trabalho para promover a execução de ofício das contribuições previdenciárias devidas em razão das condenações proferidas autoriza a exigência de imediato recolhimento de tais exações por parte do empregador, quando do pagamento dos valores devidos ao empregado.

O objetivo deste trabalho é demonstrar que, na atualidade, tal exigência não se mostra legítima frente ao tomador de serviços quando declarada sua responsabilidade subsidiária.


2. A inexistência de previsão legal do instituto da responsabilidade subsidiária trabalhista

A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT remonta ao ano de 1943. É intuitiva, portanto, a afirmação de que o contexto econômico e social daquela época sofreu profundas transformações até o momento presente. Por corolário, a própria dinâmica do trabalho e do emprego continua a sofrer o impacto de novas tecnologias e processos, mas também de novos modelos organizacionais e de gestão, calcados não só na redução de custos, mas também na especialização intensa da atividade produtiva e laboral.

Nesse cenário, a figura da terceirização da mão-de-obra, tão combatida no passado, encontra hoje utilização disseminada de tal forma que foi admitida pela lei e mesmo pela jurisprudência.

Com efeito, nos primórdios do Direito do Trabalho a visualização do vínculo empregatício se dava a partir da simples integração do labor humano na atividade da empresa.

Na atualidade, porém, admite-se a interação do trabalho humano à atividade produtiva da empresa, sem que isso implique necessariamente o estabelecimento de vínculo de emprego entre eles. Para tanto, é preciso que os serviços não estejam ligados à atividade-fim do empregador e que não exista pessoalidade e subordinação direta.

Nesse contexto, a responsabilidade subsidiária trabalhista representa, na verdade, o estabelecimento de um vínculo mínimo, ou melhor, de um traço de responsabilidade do tomador de serviços em relação ao trabalhador empregado da empresa prestadora de serviços, a efetiva empregadora.

Pela responsabilidade subsidiária trabalhista atribui-se ao tomador de serviços a condição de garantidor do adimplemento dos créditos trabalhistas devidos pela empresa prestadora de serviços ao empregado.

Para os fins deste trabalho importa destacar que a responsabilidade subsidiária trabalhista não tem previsão em lei escrita. Ressalvadas as situações de trabalho temporário e de contrato de empreitada, confira-se a lição de MAURÍCIO GODINHO DELGADO:

"Há situações, entretanto, em que lei estabelece tão-somente responsabilidade (solidária ou subsidiária) pelas verbas trabalhistas derivadas de uma relação de emprego, sem conferir, contudo, ao responsabilizado a qualidade jurídica de empregador. Não se reconhece relação de emprego (essa verificou-se com outra pessoa física ou jurídica): reconhece-se apenas responsabilidade pelo pagamento das parcelas resultantes. Típicas e incontroversas são as situações incidentes sobre a empresa tomadora de trabalho temporária (Lei 6019/74) e sobre o empreiteiro principal (art. 455, CLT). As demais hipóteses verificáveis resultam ou de construções jurisprudenciais ou de propostas interpretativas doutrinárias, sem expresso comando literal da legislação vigente." [01]

Conforme salientado, a ausência de previsão legal [02] não se colocou como obstáculo para a sedimentação e ampla utilização do instituto, mas tem relevo no plano da delimitação de seu alcance.

Por fim, registre-se que não é difícil entender o porquê da inexistência de previsão na CLT da figura da responsabilidade subsidiária do tomador de serviços. Conforme salientado, os mecanismos de terceirização de mão-de-obra eram vedados de modo praticamente absoluto, quando do advento desse diploma legal. A repercussão jurídica decorrente da violação dessa vedação implicava no reconhecimento do próprio vínculo empregatício. A mitigação desse postulado é resultado da modificação da dinâmica das relações econômicas e sociais, absorvida de algum modo pela jurisprudência ao longo de mais de meio século.


3. A competência da Justiça do Trabalho para executar de ofício contribuições previdenciárias

A fixação da competência da Justiça do Trabalho para executar de ofício as contribuições previdenciárias decorrentes das condenações proferidas remonta ao art. 12 da Lei 7787/89 e posteriormente à Lei 8620/93, que promoveu alterações na Lei 8212/91, alcançando previsão constitucional pela veiculação da Emenda Constitucional 20 de 1998.

Após o advento da Emenda Constitucional 45 de 2004, a competência da Justiça do Trabalho em matéria de contribuições previdenciárias foi delimitada no inciso VIII do art. 114 da Constituição Federal, assim redigido:

Art. 114. Compete a Justiça do Trabalho processar e julgar:

(...)

VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; (...).

Em função da remissão, vale transcrever parte do art. 195 da Constituição:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

(...)

II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; (...).

O que se constata, portanto, é que a competência da Justiça do Trabalho em matéria de execução de contribuições previdenciárias se limita à chamada contribuição previdenciária patronal e à contribuição previdenciária do trabalhador, justamente porque as mesmas têm por base de cálculo a própria condenação. Não está abrangida na competência da Justiça do Trabalho a execução das contribuições incidentes sobre a receita ou faturamento e sobre o lucro (art. 195, I, a e b da CF).

Deve-se considerar que a obrigação de dar fixada em condenação proferida pela Justiça do Trabalho integraria, se paga a tempo e a modo, a folha de salários e demais rendimentos do trabalho, sujeitando-se então à incidência da contribuição previdenciária patronal. Da mesma forma, paga a tempo e a modo, a condenação, ou pelo menos parte dela, viria a integrar o salário-de-contribuição, tal como preconiza o art. 28 da Lei 8212/91.

Para os fins deste trabalho, o que se deve salientar é que a execução das contribuições previdenciárias se fará em face do respectivo contribuinte, nos moldes preconizados pelo Direito Tributário. Com efeito, a natureza tributária das contribuições previdenciárias é questão que não comporta divergências na atualidade. Confira-se a lição de HUGO DE BRITO MACHADO:

"Com características ora de imposto, ora de taxa, as contribuições ditas paraestatais, ou sociais, ou de previdência, constituem para a doutrina jurídica, nacional e estrangeira, um ponto de intermináveis controvérsias.

No plano do Direito positivo brasileira vigente, ou, por outras palavras e mais precisamente, em face da Constituição Federal de 1988, o conceito de contribuição social ganhou um elemento importante para sua formulação, e de notável relevo no pertinente à definição de limites do Poder de Tributar.

Realmente, segundo o ar. 149 da vigente Constituição, compete à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas. Isto significa dizer que essas contribuições sociais caracterizam-se pela correspondente finalidade. Não pela destinação do produto da respectiva cobrança, mas pela finalidade da instituição, que induz a idéia de vinculação de órgãos específicos do Poder Público à relação jurídica com o respectivo contribuinte.

Estabeleceu, ainda, o supracitado dispositivo constitucional que na instituição das contribuições sociais devem ser observadas as normas gerais do Direito Tributário e os princípios da legalidade e da anterioridade, ressalvando, quanto a este último, a regra especial pertinente às contribuições de seguridade social.

Diante da vigente Constituição, portanto, pode-se conceituar a contribuição social como espécie de tributo com finalidade constitucionalmente definida, a saber, intervenção no domínio econômico, interesse de categorias profissionais ou econômicas e seguridade social.

È induvidosa a natureza tributária dessas contribuições. Aliás, a identificação da natureza jurídica de qualquer imposição do Direito só tem sentido prático porque define o seu regime jurídico, vale dizer, define quais são as normas jurídicas aplicáveis. No caso de que se cuida, a Constituição afastou as divergências doutrinárias afirmando serem aplicáveis às contribuições em tela as normas gerais de Direito Tributário e os princípios da legalidade e da anterioridade tributárias, com ressalva, quanto a este das contribuições de seguridade, às quais se aplica regra própria, conforme veremos adiante." [03]

Portanto, a contribuição previdenciária patronal somente poderá ser exigida do próprio empregador, do mesmo modo que a contribuição previdenciária devida pelo trabalhador somente poderá ser exigida dele próprio. Ou melhor dizendo, tanto a contribuição previdenciária patronal, como a contribuição previdenciária devida pelo trabalhador somente poderão ser exigidas dos respectivos sujeitos passivos.


4. A modificação da redação do art. 31 da Lei 8212/91 pela Lei 9711/98 e a natureza da retenção de 11% do valor da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços

A redação original do art. 31 da Lei 8212/91 trazia expressa a previsão de responsabilidade do tomador de serviços pelo recolhimento das contribuições previdenciárias devidas pela empresa prestadora de serviços.

Art. 31. O contratante de quaisquer serviços executados mediante cessão de mão-de-obra, inclusive em regime de trabalho temporário, responde solidariamente com o executor pelas obrigações decorrentes desta lei, em relação aos serviços a ele prestados, exceto quanto ao disposto no art. 23.

§ 1° Fica ressalvado o direito regressivo do contratante contra o executor e admitida a retenção de importâncias a este devidas para a garantia do cumprimento das obrigações desta lei, na forma estabelecida em regulamento.

§ 2° Entende-se como cessão de mão-de-obra a colocação, à disposição do contratante, em suas dependências ou nas de terceiros, de segurados que realizem serviços contínuos cujas características impossibilitem a plena identificação dos fatos geradores das contribuições, tais como construção civil, limpeza e conservação, manutenção, vigilância e outros assemelhados especificados no regulamento, independentemente da natureza e da forma de contratação.

Vale destacar que a responsabilidade fixada originalmente no art. 31 da Lei 8212/91 era solidária, não se admitindo confusão com a idéia de obrigação solidária, ao teor do que preleciona MARÇAL JUSTEN FILHO:

"Distinguem-se, então, as hipóteses de obrigação solidária e de responsabilidade solidária. No primeiro caso, há uma pluralidade de co-obrigados, em situação de equivalência. O credor pode exigir o pagamento total ou parcial de todos, alguns ou de um dos co-devedores. Diversa é a responsabilidade solidária, em que a dívida é de titularidade de um ou mais sujeitos, atribuindo-se a responsabilidade solidária a terceiro. Isso significa que o adimplemento é imposto a determinados sujeitos, somente se tornando efetiva a responsabilidade em caso de inadimplemento do devedor principal." [04]

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Nessa linha de raciocínio, pode-se afirmar, portanto, que no período de vigência da redação original do art. 31 da Lei 8212/91, mostrava-se plenamente válida a exigência, junto ao tomador dos serviços, da contribuição previdenciária patronal devida pela empresa prestadora de serviços decorrente de condenação imposta pela Justiça do Trabalho, caso o pagamento não fosse efetuado pelo empregador. [05]

A rigor, no período de vigência da redação originária do art. 31 da Lei 8212/91, parece claro que o tomador de serviços era reputado responsável tributário pelo adimplemento das contribuições previdenciárias devidas em razão de serviços a ele prestados.

Com efeito, do mesmo modo que no Direito do Trabalho se processa o instituto da responsabilidade subsidiária trabalhista, pelo qual se permite exigir de terceiro, que não o próprio empregador, o adimplemento dos direitos trabalhistas devidos ao empregado, também no Direito Tributário se conhece meio apto a permitir exigir o tributo de terceiro que não o próprio contribuinte. Confira-se o art. 128 do CTN:

Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo de cumprimento total ou parcial da referida obrigação.

Justamente por isso, ao teor do disposto no parágrafo único do art. 121 do CTN, diz-se sujeito passivo tanto o contribuinte, como o responsável.

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único: O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.

Sobre o tema da responsabilidade tributária, confira-se mais uma vez a lição de HUGO DE BRITO MACHADO:

"A palavra responsabilidade liga-se à idéia de ter alguém de responder pelo descumprimento de um dever jurídico. Responsabilidade e dever jurídico não se confundem. A responsabilidade está sempre ligada ao descumprimento do dever, isto é, à não-prestação. É a sujeição de alguém à sanção. Tal sujeição geralmente é de quem tem o dever jurídico, mas pode ser atribuída a quem não o tem.

No Direito Tributário a palavra responsabilidade tem um sentido amplo e outro estrito.

Em sentido amplo, é a submissão de determinada pessoa, contribuinte ou não, ao direito do fisco de exigir a prestação da obrigação tributária. Essa responsabilidade vincula qualquer dos sujeitos passivos da relação obrigacional tributária.

Em sentido estrito, é a submissão, em virtude de disposição legal expressa, de determinada pessoa que não é contribuinte, mas está vinculado ao fato gerador da obrigação tributária, ao direito do fisco de exigir a prestação respectiva.

No CTN, a expressão responsabilidade tributária é empregada em sentido amplo nos arts. 123, 128, 136 e 138, entre outros. Mas também é usada em sentido restrito, especialmente quando o Código refere-se ao responsável como sujeito passivo diverso do contribuinte (art. 121, II).

Com efeito, denomina-se responsável o sujeito passivo da obrigação tributária que, sem revestir a condição de contribuinte, vale dizer, sem ter relação pessoal e direta com o fato gerador respectivo, tem seu vínculo com a obrigação decorrente de dispositivo expresso da lei.

Essa responsabilidade há de ser atribuída a quem tenha relação com o fato gerador, isto é, a pessoa vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 128). Não uma vinculação pessoal e direta, pois em assim sendo configurada está a condição de contribuinte. Mas é indispensável uma relação, uma vinculação, com o fato gerador para que alguém seja considerado responsável, vale dizer, sujeito passivo indireto.

A lei pode, ao atribuir a alguém a responsabilidade tributária (em sentido restrito), liberar o contribuinte. Mas pode também atribuir responsabilidade apenas supletiva, isto é, sem liberar o contribuinte. E tanto pode ser total como pode ser apenas parcial (CTN, art. 128)." [06]

Todavia, esse cenário sofreu profunda alteração com a modificação da redação do art. 31 da Lei 8212/91 pela Lei 9711/98 [07]. Com efeito, foi suprimida a figura da responsabilidade solidária e prevista a retenção de 11% do valor da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços. Confira-se a redação atual do art. 31 da Lei 8212/91:

Art. 31. A empresa contratante de serviços executados mediante cessão de mão-de-obra, inclusive em regime de trabalho temporário, deverá reter onze por cento do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher a importância retida até o dia dois do mês subseqüente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura, em nome da empresa cedente da mão-de-obra, observado o disposto no § 5º do art. 33.

§ 1º O valor retido de que trata o caput, que deverá ser destacado na nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, será compensado pelo respectivo estabelecimento da empresa cedente da mão-de-obra, quando do recolhimento das contribuições destinadas à Seguridade Social devidas sobre a folha de pagamento dos segurados a seu serviço.

§ 2º Na impossibilidade de haver compensação integral na forma do parágrafo anterior, o saldo remanescente será objeto de restituição.

§ 3º Para os fins desta Lei, entende-se como cessão de mão-de-obra a colocação à disposição do contratante, em suas dependências ou nas de terceiros, de segurados que realizem serviços contínuos, relacionados ou não com a atividade-fim da empresa, quaisquer que sejam a natureza e a forma de contratação.

§ 4º Enquadram-se na situação prevista no parágrafo anterior, além de outros estabelecidos em regulamento, os seguintes serviços:

I - limpeza, conservação e zeladoria;

II - vigilância e segurança;

III - empreitada de mão-de-obra;

IV - contratação de trabalho temporário na forma da Lei nº 6.019, de 3 de janeiro de 1974.

§ 5º  O cedente da mão-de-obra deverá elaborar folhas de pagamento distintas para cada contratante.

Portanto, o regime de responsabilidade solidária inicialmente previsto foi substituído por um regime de retenção pela fonte pagadora do tributo devido. [08]

A referenciada alteração da redação do art. 31 da Lei 8212/91, promovida pela Lei 9711/98, deu ensejo a diversas interpretações acerca da natureza da obrigação de retenção de 11% do valor da nota fiscal ou fatura. Conforme registro de GABRIEL LACERDA TROIANELLI, "não tem sido matéria de consenso a verdadeira natureza da retenção prevista no art. 31 da Lei 8212/91" [09].

A diversidade de entendimentos sobre o tema pode ser melhor verificada na análise do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 393.946. Trata-se de recurso extraordinário em que se discutiu a validade da retenção de 11% prevista na redação dada ao art. 31 da Lei 8212/91 pela Lei 9711/98.

A empresa recorrente impugnou a validade da figura introduzida no art. 31 da Lei 8212/91 pela Lei 9711/98 sob diversos fundamentos, a saber: a retenção caracterizaria, na verdade, nova contribuição; ocorrência de confisco; violação aos princípios da equidade na forma de participação do custeio e exigência de lei complementar.

Nada obstante, a argumentação veiculada no recurso extraordinário foi superada pelo relator, Min. Carlos Velloso, ao entendimento de que a sistemática arrecadatória prevista na redação do art. 31 da Lei 8212/91 conferida pela Lei 9711/98 caracterizaria mecanismo de simplificação de arrecadação do tributo, assim como da fiscalização de seu recolhimento. Confira-se:

"Como salientado no acórdão recorrido, a alteração introduzida pela Lei 9.711, de 1998, objetiva, apenas, simplificar a arrecadação do tributo e facilitar a fiscalização do seu recolhimento. No caso, nem há falar que o fato gerador do tributo ocorreria posteriormente ao recolhimento. Não. Aqui, simplesmente está o sujeito passivo obrigado a reter onze por cento do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher a importância retida até o dia dois do mês subseqüente ao da emissão da respectiva nota fiscal ou fatura, em nome da empresa cedente da mão-de-obra, observado o disposto no § 5º do art. 33 e as disposições inscritas nos parágrafos do citado art. 31. Prevê a lei, inclusive, a restituição de saldos remanescentes, na impossibilidade de haver compensação integral na forma do § 1º do art. 31 (art. 31, § 2º).

A Constituição autoriza coisa maior: a lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido. C.F., art. 150, § 7º. E o Código Tributário Nacional, art. 128, prescreve que, "Sem prejuízo do disposto neste Capítulo (Capítulo V – Responsabilidade Tributária), a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação."

No caso, entretanto, registra Fábio Zambitte Ibrahim, com propriedade, que, "mutatis mutantis" é possível comparar a obrigatoriedade da retenção dos 11% com o desconto do imposto de renda na fonte. Em ambas as situações, a fonte pagadora tem dever legal de efetuar determinada retenção, diminuindo o valor pago. É um facere, isto é, uma prestação positiva imposta a determinada pessoa, no interesse da arrecadação de exações devidas." (Fábio Zambitte Ibrahim, "A Retenção de 11% Sobre a Mão-de-Obra", LTr Editora, 2000, pág. 23).

Não se tem, portanto, contribuição nova. Tem-se, sim, "mera obrigação acessória." (Fábio Zambitte Ibrahim, ob. cit., pág. 32).

Aqui, repete-se, o tomador do serviço, ou o contratante de serviços executados mediante cessão de mão-de-obra, fica obrigado a reter onze por cento do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher a importância retida até o dia dois do mês subseqüente.

Não há falar, portanto, vale repetir, em contribuição nova, ou contribuição decorrente de outras fontes - C.F., art. 195, § 4º.

Não há falar, em conseqüência, em ofensa à técnica da competência residual da União - C.F., art. 154, I.

Não se tem, também, no caso, hipótese de empréstimo compulsório - C.F., art. 148. Os valores retidos em montante superior ao devido pela empresa contratada deverão ser restituídos (art. 31, § 2º, da Lei 8.212/91, com a redação da Lei 9.711/98). Também por isso inocorre a hipótese do art. 150, IV, da C.F.: utilização de tributo com efeito de confisco.

Do exposto, conheço do recurso e lhe nego provimento. [10]

Divergindo do entendimento do relator, o Min. Marco Aurélio apontou que a lei, de modo ilegítimo, acabou por fixar uma nova base de incidência da contribuição previdenciária.

"Senhor Presidente, pelo figurino constitucional, temos a incidência da contribuição sobre a folha de salários. Esses são exatamente os parâmetros revelados pela Carta da República. Ora, a pretexto de se ter a substituição tributária - não diria aqui que é para frente, já que não se trata de um fato gerador posterior, nem se atribui o ônus tributário àquele que implementa inicialmente o negócio jurídico -, é possível a substituição dessa base de incidência, folha de salários, por algo diverso, que não está previsto no artigo 195 da Constituição Federal? Considerada uma técnica de cobrança, de arrecadação, há base constitucional para que a incidência, ainda que de um percentual intermediário, recaia sobre aquele que incidirá sobre a folha de salário? A incidência é sobre o valor da nota fiscal, tendo em conta serviços executados, valor que não corresponde, em si, ao que é satisfeito aos prestadores de serviços? A meu ver, não. A meu ver, o artigo 31, não na redação primitiva da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, mas no decorrente da Medida Provisória nº 1.663, de 22 de outubro de 1998, acabou por introduzir - muito embora de forma precária e efêmera, utilizando até mesmo o eufemismo de adiantamento – uma nova base de incidência da contribuição, que não tem a ver, já que essa base de incidência suplanta a folha de salário, com o fixado na Carta da República." [11]

O Min. Cezar Peluso, por sua vez, em voto-vista, acompanhou o relator, mas por fundamento diverso. A rigor, entendeu o Min. Cezar Peluso tratar-se de instituição de modalidade de substituição tributária, lastreada no art. 128 do CTN.

"2. Acompanho o voto do eminente Min. Relator, posto que com ressalvas quanto aos fundamentos.

2.1. Não se está, deveras, perante nova hipótese de incidência tributária, senão de transferência de responsabilidade pelo recolhimento do tributo, ou de substituição tributária, prevista no art. 128 do Código Tributário Nacional:

(...)

Trata-se de substituição tributária na relação jurídica da contribuição social incidente sobre a folha de salários e devida pela prestadora de serviço. Daí, não vejo insulto aos arts. 148, 194, V, e 195, § 4º, da Constituição Federal.

2.2. Quanto ao art. 150, § 7º, que cuida da antecipação da ocorrência do fato gerador, entendo que, nos termos em que foi instituída, com previsão de compensação ou de devolução do montante eventualmente retido a maior (art. 31, §§ 1º e 2º,1 da Lei 8.212/91), a retenção prevista no art. 31 da Lei 8.212/91, com a redação dada pela Lei nº 9.711/98, não lhe é incompatível:

"Cronologicamente a retenção pode ocorrer antes da incidência factual da regra matriz, ou seja, antes da ocorrência do fato gerador. Basta que a nota fiscal seja emitida até o último dia do mês de referência. Neste caso, a substituição configurará uma antecipação e por não guardar identidade com o valor devido em decorrência da ocorrência do fato gerador poderá implicar em uma tributação a maior, e em uma apropriação indevida do patrimônio do prestador do serviço.

(...)

Assim, teremos a incidência de duas normas jurídicas: (i) de substituição (logo que pago o valor relativo à cessão de mão de obra) e da (ii) regra matriz de incidência (contribuição social sobre a folha de salários), ligadas pelo liame lógico da substituição.

Como se trata de tributo sujeito a lançamento por homologação em que o cálculo do montante devido e o recolhimento são efetuados pelo próprio contribuinte (art. 150 do Código Tributário Nacional) o cálculo das relações jurídicas produzidas pela incidência das normas é efetuado por ele próprio, ou seja, por expressa autorização legal (art. 31, § 1º da Lei 8.212/91), o prestador do serviço compensará o valor retido com o valor devido a título de contribuição sobre a folha de pagamento.

Uma relação jurídica (débito de contribuição social sobre a folha de pagamento) é anulada por outra relação jurídica (crédito pela retenção sofrida quando do recebimento pela prestação dos serviços – 11%).

Caso a retenção seja superior ao valor devido, o que não é raro acontecer visto que a retenção ocorre sobre o faturamento e a folha de salários lhe é em regra menor, o prestador do serviço será restituído do valor retido a maior, nos exatos termos do artigo 31, § 2º da Lei 8.212/91, dando-se cumprimento à norma constitucional insculpida no artigo 150, § 7º, da Constituição Federal de 1988.

Deve ser salientado que a "autorização para compensação" é única e exclusiva às contribuições incidentes sobre a folha de pagamentos, o que nos autoriza afirmar que na verdade não se trata de compensação, mas sim de verificação da legitimidade da substituição, ou seja, se o valor retido corresponde ao valor devido e sucessivamente na previsão de devolução do valor retido em excesso" (ALDO DE PAULA JUNIOR. A retenção das Contribuições Sociais, in MICHEL CUTAIT NETO. org.. Contribuições Sociais em Debate. São Paulo: JH Mizuno. 2003. p. 454).

2.3. Não há confisco, pois a contribuição social incidente sobre a folha de salários é de 20% (art. 22, I, da Lei nº 8.212/91), enquanto a retenção é de 11% sobre o "valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços" (art. 31 da Lei nº 8.212/91, com a redação dada pela Lei nº 9.711/98), resguardando-se o direito de restituição de eventual excesso (art. 31, § 2º).

2.4. Por fim, quanto à alegação de ausência de "vinculação entre o substituto tributário e o fato gerador da obrigação referente ao pagamento da contribuição social incidente sobre a folha de salários", observo que tal questão transpõe os contornos do recurso, por envolver a aplicação do art. 128 do Código Tributário Nacional e nenhum dos dispositivos invocados pelo recorrente.

Concordo com o Min. MARCO AURÉLIO, no asserto de que a técnica de substituição tributária deve obedecer a limites, mas, no caso, atenho-me aos temas que constituem objeto do recurso extraordinário e, nessa moldura, acompanho o voto do Min. Relator." [12]

Os debates avançaram, manifestando-se o Min. Eros Grau no mesmo sentido do relator, ressaltando a validade do paralelo entre a retenção prevista no art. 31 da Lei 8212/91 com a retenção do imposto de renda na fonte.

Presentes à sessão os Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto, Joaquim Barbosa e Eros Grau, o recurso não foi provido, por maioria, restando vencido o Min. Marco Aurélio.

Diante desse cenário, pode-se afirmar que três correntes se formaram no julgamento do RE 393.946/MG quanto à natureza da retenção prevista no art. 31 da Lei 9711/98.

A primeira, capitaneada pelo relator Min. Carlos Velloso e expressamente acompanhada pelo Min. Eros Grau, vislumbrou tratar-se de simples técnica de arrecadação, com paralelo na retenção do imposto de renda na fonte.

A segunda, extraída do voto do Min. Marco Aurélio, reconheceu a ilegitimidade da retenção, na medida em que discrepante a sua base de cálculo (valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços) da base de cálculo da contribuição previdenciária patronal (folha de salários).

A terceira, extraída do voto-vista do Min. Cezar Peluso, enquadra a figura da retenção do art. 31 da Lei 9711/98 no instituto da responsabilidade tributária previsto no art. 128 do CTN.

Na doutrina, encontramos críticas ao entendimento da figura da retenção na fonte como hipótese de substituição tributária, melhor dizendo, de responsabilidade tributária por substituição.

Renato Lopes Becho aponta que a delimitação do sujeito passivo de um tributo está inexoravelmente limitada à materialidade da hipótese de incidência fixada na própria Constituição [13]. Mais do que isso, sustenta que a natureza da figura do responsável tributário é de garantidor do crédito tributário, resvalando o tema para uma ótica eminentemente processual [14]. E nessa linha de raciocínio, embora referindo-se ao imposto de renda retido na fonte, indica que em tal caso não se está diante de um sujeito passivo, mas de um sujeito ativo auxiliar. Para ele, no caso de retenção de imposto na fonte temos mera atividade auxiliar de natureza administrativa. [15]

SACHA CALMON NAVARRO COELHO, distinguindo responsabilidade tributária e dever de reter tributo alheio, por sua vez, leciona:

"Quanto aos "retentores de tributos" (desconto na fonte), estes são pessoas obrigadas pelo Estado a um ato material de fazer (fazer a retenção de imposto devido por terceiros). Devem assim, reter e recolher ao Estado o tributo devido. Não são sujeitos passivos de obrigação tributária, mas antes sujeitados a uma potestade administrativa. Podem, entretanto, se a lei de cada tributo assim dispuser, ficar "responsáveis" por dívida tributária alheia. O fato de sub-rogação será o inadimplemento do dever de reter. A estes, evidentemente, não são transferíveis as multas. Poderão, isto sim, responder pela própria mora e ser multados por ela, caso a lei assim o determine." [16]

GABRIEL LACERDA TROIANELLI elenca os entendimentos que se firmaram quanto à natureza da regra inserida no art. 31 da Lei 8212/91 pela Lei 9711/98, afirmando que uns entenderam se estar defronte uma nova contribuição e outros de uma hipótese de substituição tributária, consignando, ao final, entender tratar-se de mera hipótese de retenção sob base de cálculo presumida, da mesma natureza da retenção na fonte do imposto de renda. [17]

Em que pese a autoridade dos entendimentos quanto à natureza jurídica da retenção de tributo pela fonte pagadora, vale ter em vista a observação que faz JOHNSON BARBOSA NOGUEIRA, citado por SACHA CALMON:

"A introdução acrítica de certas noções dogmatizadas a respeito do substituto tributário, por força principalmente do prestígio da doutrina italiana, permitiu que se aceitassem, sem maior indagação sobre a natureza jurídica da substituição tributária, certos equívocos em sede doutrinária, já a grassar no direito positivo.

O primeiro desses enganos é considerar o contribuinte substituto dentro da categoria dos responsáveis, como uma modalidade de sujeito passivo indireto. Este é um erro muito arraigado na doutrina pátria, que transbordou para o Código Tributário Nacional, pelo menos segundo a intenção e o depoimento dos seus inspiradores. Deste modo, o substituto estaria previsto no art. 121, parágrafo único, II, como um tipo de responsável.

O segundo desses desvios é representado pela concepção da tributação na fonte como exemplo típico de substituição tributária. Na verdade, se fosse melhor analisada nossa tributação do imposto de renda na fonte, verificaríamos que o tributo sempre foi retido e recolhido em nome do beneficiário, ou seja, do contribuinte, cabendo à fonte pagadora e retentora mero dever acessório (obrigação de fazer). Só mais recentemente, na área de tributação dos rendimentos auferidos por estrangeiro, é que se vem utilizando a figura do contribuinte substituto do imposto de renda. (...)" [18]

Ou seja, pode-se afirmar que, não obstante as abalizadas opiniões referenciadas e mesmo o entendimento dos Ministros Carlos Velloso e Eros Grau quanto à natureza da retenção prevista no art. 31 da Lei 8212/91, com a redação da Lei 9711/98, persiste o entendimento de que a retenção na fonte caracteriza hipótese de responsabilidade tributária por substituição, entendimento perfilhado pelo Min. Cezar Peluso.

Como não é nosso objetivo delimitar a natureza da retenção prevista no art. 31 da Lei 8212/91, com a redação da Lei 9711/98, o que nos importa é demonstrar que, em qualquer caso, tanto numa perspectiva quanto em outra, não se pode, a partir do dever de retenção previsto em tal dispositivo legal, compelir o tomador dos serviços a efetuar o pagamento da contribuição previdenciária patronal, quando declarada sua responsabilidade subsidiária pelos débitos trabalhistas do empregador.

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Sobre o autor
Gustavo de Resende Raposo

Procurador da Fazenda Nacional ex-Procurador do Estado do Espírito Santo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAPOSO, Gustavo Resende. Responsabilidade subsidiária trabalhista.: Impossibilidade de exigir do tomador de serviços o pagamento da contribuição previdenciária patronal devida pelo empregador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1710, 7 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11027. Acesso em: 19 abr. 2024.

Mais informações

Título original: "Impossibilidade de exigir do tomador de serviços o pagamento da contribuição previdenciária patronal devida pelo empregador quando declarada responsabilidade subsidiária trabalhista". Originalmente publicado na Revista da Procuradoria Geral do Estado do Espírito Santo. Vitória, v. 6, n. 6, 1º/2º sem. 2007, ISSN 1808-897X.

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