O art. 592 do Código de Processo Civil diz que:
"Ficam sujeitos à execução os bens que:
...
II – do sócio nos termos da lei;"
A menção deste artigo sobre os termos da lei remete ao art. 50 do Novo Código Civil que tratou de disciplinar o assunto, trazendo a recepção da teoria que deverá nortear as interpretações do princípio da autonomia patrimonial:
"Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica."
De acordo com a disregard doctrine, para que seja tirado o "véu" da pessoa jurídica para atingir seus sócios, necessário se faz provar que se trata de uma circunstância excepcional para que só então seja desconsiderada a pessoa jurídica.
Este é o entendimento da d. Procuradora Suzy Elizabeth Cavalcante Koury, in "A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas", Editora Forense, 2ª Edição, pág. 89, quando diz que:
"É importante ressaltar, ainda, que a Disregard Doctrine é exceção, e não regra, prevalecendo sempre a idéia de pessoa jurídica quando forem obedecidos os limites fixados no ordenamento para a sua utilização.
...
Assim, deve-se, em princípio, respeitar a forma da pessoa jurídica, atendendo-se à vontade do legislador, que certamente teve boas razões para criá-la, e operando-se a desconsideração apenas quando houver uma razão suficientemente forte, conforme ordenamento jurídico, para fazê-lo, pois, do contrário, levar-se-ia ao descrédito o próprio instituto da pessoa jurídica."
Para tanto é preciso que o devedor tenha praticado algum ato ilícito configurado por abuso de direito ou excesso de poder.
A teoria da disregard of legal entity tem por objetivo final evitar abusos e fraudes ocorridos do mau uso da sociedade empresária, conforme se verifica da lição de Jorge de Miranda Magalhães, in "A Teoria da Disregard e o Código do Consumidor" pág. 116, Editora Espaço Jurídico:
"Assim, surgiu a teoria da despersonalização, ou desconsideração das pessoas jurídicas, conhecida como Disregard of legal entily doctrine, inicialmente por criação doutrinária e, agora, entre nós, consagrada no art. 28 do Código do Consumidor (Lei nº 8.078/90) como tentativa de resgatar a moralidade e autêntica juridicidade dos atos praticados por tais entidades, a seu favor, ou em prol de seus dirigentes, sobretudo quanto às fraudes e abusos de direito que se verifiquem em tais atos.
..."
Apenas na hipótese de desvirtuamento do instituto da personalização, seja pela fraude ou abuso de direito (formulação subjetiva), seja pela confusão patrimonial (formulação objetiva), é que se justifica a imputação de ineficácia do ato constitutivo da sociedade.
Desse modo, poderá ser aplicada a teoria da desconsideração tanto quando a pessoa jurídica, mediante atos abusivos, se desvirtuar de suas finalidades, como quando houver confusão patrimonial.
No primeiro caso, a pessoa jurídica atua em desacordo com os fins de sua constituição, estando a fraude aí compreendida. Já em se tratando de confusão patrimonial, esta ocorrerá quando não houver uma separação nítida entre o patrimônio da sociedade e aquele dos respectivos sócios ou de empresas do mesmo grupo econômico.
O simples descumprimento de obrigação da parte não é motivo justificável para caracterizar a fraude ou abuso por parte dos sócios da empresa. Ainda mais se for considerado que tal pedido está direcionado à empresa solvente e de renome no mercado, cumpridora dos compromissos com seus fornecedores e de inquestionável idoneidade patrimonial.
Considerando a gravidade do ato de desconsideração da personalidade jurídica, este não pode ser levado à efeito caso o Juízo não tenha determinado nenhuma outra providência para localização de bens da empresa, sob pena de transformar a exceção (desconsideração da personalidade jurídica) em regra.
O fato de no momento do bloqueio não ter dinheiro na conta-corrente da sociedade empresária, de per si, não comprova fraude ou abuso, ainda mais quando seu patrimônio for composto em sua grande maioria por ativo imobilizado. É importante destacar que tal ato somente demonstra que a parte contrária não diligenciou no sentido de tentar buscar outros bens da empresa, e que, por inércia sua, não conseguiu efetivar a penhora on-line.
O Tribunal de Justiça deste Estado entende que a personalidade jurídica não deve ser desconsiderada quando não existir prova idônea de fraude ou abuso de direito através do uso da sociedade, nos seguintes termos:
(AI nº 2005.002.14507, rel. Des. Antonio Saldanha Palheiro, julg. 10/08/05, 2ª Câmara Cível)"DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INSTITUTO DE INCIDÊNCIA RESTRITA QUE DEMANDA PROVA IDÔNEA DE FRAUDE OU ABUSO DE DIREITO ATRAVÉS DO USO DA SOCIEDADE. A DISTINÇÃO ENTRE A PESSOA JURÍDICA E SEUS INTEGRANTES CONSTITUI REGRA FUNDAMENTAL NO DESEMPENHO DA ATIVIDADE ECONÔMICA, SOMENTE ADMITINDO-SE A DESCONSIDERAÇÃO QUANDO FOR UTILIZADA COM MANIFESTA INTENÇÃO DE FRAUDAR DIREITO DE TERCEIROS. O SIMPLES FECHAMENTO OCASIONAL DO ESTABELECIMENTO OU O MERO INADIMPLEMENTO OBRIGACIONAL NÃO ENSEJAM A APLICAÇÃO DO INSTITUTO. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO."
"AGRAVO INOMINADO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. IMPOSSIBILIDADE. NÃO COMPROVAÇÃO DE FRAUDE OU ABUSO DE DIREITO POR PARTE DOS SÓCIOS. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO." (Agravo inominado no agravo de instrumento nº 2007.002.05617, rel. Des. Fernando Fernandy Fernandes, 4ª Câmara Cível)
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDEFERIMENTO DE PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA DEVEDORA (...). Dado o caráter excepcional da desconsideração da personalidade jurídica das empresas, somente com o preenchimento dos pressupostos do art. 50 do Novo Código Civil poderá ser deferida. Negado seguimento ao recurso". (Agravo de Instrumento n° 2007.002.02650, Des. Rel. Gamaliel Q. de Souza,, 12ª Câmara Cível, Julgado em 13/06/2007)
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA SOB O ARGUMENTO DE QUE O CREDOR, ORA AGRAVANTE, NÃO PREENCHEU OS REQUISITOS LEGAIS (...) Não se vislumbra nos autos indícios de fraude ou abuso de direito a ensejar o deferimento de tal medida. tratando-se de medida excepcional e diante da ausência de demonstração dos pressupostos autorizativos da desconsideração da personalidade jurídica, deve a decisão guerreada ser mantida". Recurso conhecido para negar provimento". (Agravo de Instrumento n° 2007.002.00427, Des. Rel. Siro Darlan de Oliveira, 12ª Câmara Cível, Julgado em 27/03/2007)
Logo, pode-se verificar que não é razoável o deferimento da desconsideração da personalidade jurídica quando a sociedade empresária goza de boa saúde financeira, e não foram realizadas diligências para que sejam encontrados outros bens passíveis de constrição, considerando a gravidade do ato de levantar o "véu" da pessoa jurídica.
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica é circunstância de caráter excepcional e não deve ser transformado em regra.