Inúmeros estudantes de graduação, mestrado e doutorado enfrentam dificuldades para concluir os seus respectivos cursos, diante do nascimento de filhos, adoção ou guarda para fins de adoção. Devido à necessidade de entregar trabalhos e cumprir os prazos exigidos pelas universidades, a chegada de mais um membro na família acaba sendo um motivo para trancar ou, até mesmo, abandonar o curso tão sonhado. Este novo acontecimento é ainda mais difícil para as mulheres, que continuamente precisam trabalhar fora de casa, cuidar das tarefas domésticas, estudar e, ainda, dar atenção aos filhos. Tais atividades, apesar de romantizadas pela sociedade brasileira como parte de um papel feminino, se mostram um fardo pelo acúmulo de trabalhos, especialmente para aquelas mulheres que precisam cumprir os prazos estabelecidos nas universidades para a entrega de atividades.
Antes da Lei n° 14.925, de 17 de julho de 2024, cada instituição poderia estabelecer as suas próprias regras para concessão de licenças de saúde ou maternidade para os pós-graduandos. A Lei n° 13.356 de 2017 regulamentava o direito à licença maternidade para as pós-graduandas por até 120 (cento e vinte) dias, vedada a suspensão do pagamento das bolsas durante este afastamento temporário. A Consolidação das Leis do Trabalho, Lei n° 5.452 de 1943, também já dispunha sobre a proteção à maternidade, estabelecendo no seu Art. 392 que todas as trabalhadoras possuem o direito à licença-maternidade de 120 (cento e vinte) dias (Brasil, 1943). Trazendo uma interpretação sociológica da lei, já seria possível estender o benefício para as pesquisadoras, e isto nada mais era do que aplicar de forma adequada a hermenêutica jurídica aos novos fatos sociais que se apresentavam.
Pensando nisso, a Deputada Federal Talíria Petrone, do PSOL/RJ, apresentou na Câmara dos Deputados o projeto de lei n° 1.741/2022, que foi convertido na Lei n° 14.925, de 17 de julho de 2024. Mas o que esta lei trouxe de tão importante para estudantes e pesquisadores em âmbito nacional? Ela trouxe a possibilidade de prorrogação dos prazos para a conclusão da graduação, pós-graduação, mestrado e doutorado em virtude de nascimento de filhos, adoção ou obtenção de guarda judicial para fins de adoção. Entre as justificativas apresentadas ao projeto de Lei, a Deputada Talíria Petrone citou o caso da bióloga Ambar Soldevila Cordoba, que publicizou um problema vivenciado pelas mães cientistas: a inexistência de previsão legal para suspensão do prazo de defesa de dissertação de mestrado e tese de doutorado em virtude do parto, ou nascimento de filiação, ou obtenção de guarda judicial para fins de adoção, ou licença adoção (Câmara Federal, 2022).
Para Talíria Petrone, o caso de Ambar chamou a atenção por haver defendido a dissertação e ter tido seu título negado por não entregar as correções no prazo, quando se sabia que, 19 dias após a defesa, ela havia dado à luz. Desde 2011, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) regulamenta por meio da Portaria n° 248, de 19 de dezembro de 2011 a ampliação do prazo das bolsas de estudos em virtude da maternidade por até 4 (quatro) meses, desde que comunicada à CAPES e devidamente comprovada pela pesquisadora. Seis anos depois, em 2017, foi promulgada a Lei n° 13.536/2017, pela qual bolsistas passaram a ter direito ao afastamento por maternidade ou adoção, podendo suspender as atividades acadêmicas por até 120 dias (Câmara Federal, 2022).
Segundo a deputada, concretizando o disposto no Art. 5°, inciso II da Constituição, que reconhece a igualdade de gênero como direito fundamental, e o Art. 226 da Lei Maior que estabelece a família como base da sociedade digna de maior proteção do Estado, além de valorizar a pesquisa e a produção acadêmica das mães cientistas, foi apresentado o projeto de lei para regulamentar a ampliação do tempo de defesa de dissertação de mestrado e tese de doutorado em virtude de parto, ou nascimento de filiação, ou obtenção de guarda judicial para fins de adoção, ou licença adoção (Câmara Federal, 2022).
O Art. 1° da Lei n° 14.925, de 17 de julho de 2024, traz a seguinte redação:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a prorrogação dos prazos de conclusão de cursos ou de programas para estudantes e pesquisadores da educação superior, em virtude de parto, de nascimento de filho, de adoção ou de obtenção de guarda judicial para fins de adoção, e altera a Lei nº 13.536, de 15 de dezembro de 2017, para disciplinar a prorrogação dos prazos de vigência das bolsas de estudo concedidas por agências de fomento (Brasil, 2024).
São 04 (quatro) situações onde existe a possibilidade de prorrogação do prazo de conclusão do curso ou de vigência das bolsas de estudos concedidas por agências de fomento: parto, nascimento de filho, adoção ou obtenção de guarda judicial para fins de adoção.
O Art. 2° traz o seguinte texto:
Art. 2º As instituições de educação superior deverão assegurar a continuidade do atendimento educacional e efetuar os devidos ajustes administrativos referentes a prazos de conclusão de cursos ou de programas para estudantes e pesquisadores da educação superior, em virtude de parto, de nascimento de filho, de adoção ou de obtenção de guarda judicial para fins de adoção (Brasil, 2024).
Nesse sentido, no intuito de dar cumprimento à lei, as instituições de educação superior devem fazer as devidas adequações administrativas referentes aos prazos de conclusão do curso, para não prejudicar estudantes e pesquisadores que se adequarem às quatro situações previstas: parto, nascimento de filho, adoção ou obtenção de guarda judicial para fins de adoção. Os parágrafos do Art. 2° especificam os procedimentos a serem adotados pelas instituições de ensino superior:
Art. 2° [...]
§ 1º Nos termos do regulamento de cada instituição de ensino superior, para os casos previstos no caput deste artigo, serão prorrogados os seguintes prazos nos cursos ou nos programas de graduação e de pós-graduação:
I – de conclusão de disciplinas e respectivos trabalhos finais;
II – de entrega dos trabalhos finais de conclusão de curso, bem como das respectivas sessões de defesa, e de entrega de versões finais dos trabalhos e de realização de publicações exigidas nos regulamentos das instituições de ensino.
§ 2º Nos casos previstos no caput deste artigo, o estudante fará jus a prorrogação de, no mínimo, 180 (cento e oitenta) dias.
§ 3º O afastamento temporário em virtude das situações previstas no caput deste artigo deverá ser formalmente comunicado à instituição de ensino superior e, quando for o caso, ao programa de pós-graduação a que o estudante estiver vinculado, especificadas as datas de início e de término efetivos, e apresentados os documentos comprobatórios das referidas situações.
Art. 3º É assegurada aos estudantes pais ou responsáveis por criança ou adolescente a prorrogação dos prazos de que tratam os incisos I e II do § 1º do art. 2º desta Lei em casos de internação hospitalar de filho por prazo superior a 30 (trinta) dias, devendo a prorrogação corresponder, no mínimo, ao período de internação (Brasil, 2024).
É preciso ficar atento aos fatos alcançados pelo benefício da prorrogação dos prazos: conclusão de disciplina; trabalhos finais; entrega de trabalhos finais de conclusão de curso; sessões de defesa; entrega de versões finais dos trabalhos e realização de publicações exigidas nos regulamentos das instituições de ensino. Nos casos previstos pela lei, estudantes e pesquisadores farão jus à prorrogação de, no mínimo, 180 (cento e oitenta) dias. Para serem beneficiados, estudantes e pesquisadores devem fazer um comunicado oficial à instituição, apresentando documentos que comprovem os fatos amparados pela prorrogação dos prazos.
O Art. 3° estende o benefício aos pais ou responsáveis por crianças e adolescentes que, por motivo de saúde, ficarem internadas por mais de 30 (trinta) dias. Neste caso, a prorrogação deverá ser de, no mínimo, a mesma quantidade de dias que durarem a internação. Nestas mesmas situações de cuidados com a saúde, seria interessante que o benefício se estendesse aos estudantes e pesquisadores que cuidam de pais ou avós idosos e que, muitas vezes, precisam prestar assistência durante longas internações hospitalares.
Finalizando, o Art. 4° traz a seguinte redação:
Art. 4º O art. 2º da Lei nº 13.536, de 15 de dezembro de 2017, passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 2º As bolsas de estudo com duração mínima de 12 (doze) meses, concedidas pelas agências de fomento para a formação de recursos humanos e para pesquisa, poderão ter seus prazos regulamentares prorrogados por até 180 (cento e oitenta) dias, se for comprovado o afastamento temporário do bolsista em virtude da ocorrência de parto, de adoção ou de obtenção de guarda judicial para fins de adoção durante o período de vigência da respectiva bolsa [...].
§ 3º O afastamento a que se refere o caput deste artigo será aplicado também a situações anteriores ao parto, quais sejam, gravidez de risco ou atuação em pesquisa que implique risco à gestante ou ao feto.
§ 4º No caso de internações pós-parto que durem mais de 2 (duas) semanas, o termo inicial do prazo da prorrogação da bolsa será a data da alta hospitalar da mãe ou do recém-nascido, o que ocorrer por último (Brasil, 2024).
§ 5º Será concedido o benefício pelo dobro do tempo disposto no caput deste artigo em função de parentalidade atípica, decorrente de nascimento de filho, de adoção ou de obtenção de guarda judicial para fins de adoção de criança ou adolescente com deficiência.
§ 6º Poderá ser concedida prorrogação da bolsa nos termos do caput deste artigo em decorrência de caso fortuito ou de força maior, mediante comprovação da necessidade da prorrogação pelo bolsista e análise técnica, conforme regulamento da agência de fomento.”
O Art. 4° trata das bolsas de estudos, concedidas por instituições de ensino, agências governamentais, fundações e outras organizações, visando promover a produção de conhecimento e incentivar a realização de estudos científicos e acadêmicos. Uma bolsa de pesquisa é uma forma de apoio financeiro oferecida a indivíduos que desejam realizar estudos e investigações em determinadas áreas do conhecimento científico. Estas bolsas podem ser concedidas a estudantes de graduação, pós-graduação, pesquisadores independentes e, até mesmo, profissionais já estabelecidos em suas carreiras (Universidade Paralela).
Nestes casos, ocorrendo as situações previstas no Art. 4° da Lei n° 14.925, de 17 de julho de 2024, é possível a prorrogação dos prazos por até 180 (cento e oitenta) dias, se comprovado o afastamento temporário do bolsista em virtude de parto, adoção ou obtenção de guarda judicial para fins de adoção. Outros pontos importantes trazidos pela redação do Art. 4° são: afastamento em virtude de gravidez de risco, afastamento em caso de pesquisas que ofereçam risco à gestante ou ao feto, internações pós-parto que durem mais de duas semanas e parentalidade atípica decorrente de nascimento de filho, de adoção ou de obtenção de guarda judicial para fins de adoção de criança ou adolescente com deficiência (com o dobro da prorrogação do prazo previsto na lei). Para a Defensoria Pública do Estado do Maranhão, a parentalidade atípica é:
[...] a condição de pais, mães ou responsáveis de pessoas com deficiência ou de pessoas com condições de saúde rara e complexa, em que há a necessidade de cuidado permanente com presença na atenção à saúde especializada ou muitas exigências de adaptação e acompanhamento no processo de escolarização (Defensoria Pública do Estado do Maranhão).
Concluindo, a nova lei trouxe uma forma de incentivar os estudantes e pesquisadores a continuarem na vida acadêmica e científica. É um grande incentivo para poderem concluir os seus cursos e para haver continuidade na produção científica brasileira. Isso significa que as leis precisam continuar caminhando no sentido de se adequarem aos novos fatos sociais que se apresentam, garantindo direitos e protegendo a coletividade. Não é uma tarefa fácil cuidar do trabalho, da casa, da família e ainda ter tempo de cursar uma faculdade, um mestrado ou doutorado. Sendo assim, a nova lei veio com o intuito de “dar um tempo” para que as estudantes se adaptem à nova situação e tenham tempo suficiente para concluir o curso tão sonhado.
Referências:
BRASIL. Lei nº 13.536, de 15 de dezembro de 2017. Dispõe sobre a prorrogação dos prazos de vigência das bolsas de estudo concedidas por agências de fomento à pesquisa nos casos de maternidade e de adoção. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13536.htm. Acesso em: 19 jul. 2024;
BRASIL. Lei n° 14.925, de 17 de julho de 2024. Dispõe sobre a prorrogação dos prazos de conclusão de cursos ou de programas para estudantes e pesquisadores da educação superior, em virtude de parto, de nascimento de filho, de adoção ou de obtenção de guarda judicial para fins de adoção; e altera a Lei nº 13.536, de 15 de dezembro de 2017, para disciplinar a prorrogação dos prazos de vigência das bolsas de estudo. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2024/lei/L14925.htm. Acesso em: 19 jul. 2024;
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei n° 1.741/2022 - Talíria Petrone/PSOL. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2190660&filename=PL%201741/2022. Acesso em: 20 jul. 2024;
CAPES. Portaria n° 248, de 19 de dezembro de 2001. Define os prazos regulamentares máximos de vigência das bolsas de estudo no país e no exterior. Disponível em: https://abmes.org.br/legislacoes/detalhe/1176/portaria-capes-n-248. Acesso em: 19 jul. 2024;
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO MARANHÃO. Política institucional de apoio à parentalidade atípica. Disponível em: https://defensoria.ma.def.br/dpema/portal/parentalidade-atipica. Acesso em: 21 jul. 2024;
UNIVERSIDADE PARALELA. O que é bolsa de pesquisa. Disponível em: https://universidadeparalela.com.br/glossario/o-que-e-bolsa-de-pesquisa/. Acesso em: 21 jul. 2024;