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A Lei dos Crimes Hediondos e assemelhados em face da possibilidade parcial da progressão do regime.

Confusão na jurisprudência das expressões "integralmente" e "inicialmente" fechado.

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Algumas recentes decisões dos Tribunais de Justiça deste País estão a confundir as expressões : "a pena será cumprida em regime INTEGRALMENTE fechado" prevista na Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90 – artigo 2º, § 1º) e "o condenado INICIARÁ o cumprimento de pena em regime fechado" prevista na Lei de Tortura (Lei 9.455/97 – artigo 1º, § 7º).

Muitos Magistrados estão, quando da prolação de suas sentenças, em crimes hediondos, a exceção da tortura, colocando em seu bojo a expressão: "a pena será cumprida em regime INICIALMENTE fechado".

E o que considero mais grave, data venia, é que alguns Tribunais de Justiça estão a retificar o regime de pena para crime hediondo, a exceção da tortura. Ou seja, retifica-se a expressão "integralmente" por "inicialmente".

Um exemplo:

O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, em decisões recentes, dignas de respeito, mas das quais não concorda este Promotor de Justiça , por seguirmos entendimentos jurisprudenciais e doutrinários opostos, tem assim se manifestado sobre o tema:

"Apelação Criminal – Classe I-14 – nº 2864/98 – Capital

Apelantes: Aldo dos Santos Faria e Aparecido Donizete Lopes

Apelada: A Justiça Pública

Julgamento datado de 16.03.99

Relator: Dr. Rui Ramos Ribeiro

EMENTA – APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE ENTORPECENTES – SENTENÇA CONDENATÓRIA – ACERVO PROBATÓRIO SUFICIENTE – CONDENAÇÃO MANTIDA. REGIME DE PENA RETIFICADO – ACOLHIMENTO PARCIAL DO APELO. Mostrado os autos, mesmo que através de prova indiciária, mas com catalogação avaliativa irrepreensível, da responsabilidade penal do imputado, inegável o acerto da decisão. Por outro lado, deve o regime de pena ser retificado para que a pena privativa de liberdade seja, inicialmente, cumprida no regime fechado, pois, na individualização da pena inclusive, deve-se buscar a utilidade do direito penal e não se referendar o apego ao tecnicismo, especialmente quando na mesma Lei, é admitido o livramento condicional, aspecto que insofismavelmente de maior magnitude quanto ao significado, retorno à liberdade, restando superior aos resultados da progressão de pena, ainda que visualizando o regime aberto".

Então, em um primeiro passo, o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso está a retificar o termo INTEGRALMENTE FECHADO (da Lei dos Crimes Hediondos), para o INICIALMENTE FECHADO – Lei de Tortura .

Em face a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça, em não ocorrendo recurso de uma ou de ambas as partes , finda-se o PROCESSO CRIME. O mesmo agora passará a ser um PROCESSO EXECUTIVO DE PENA, regido pela Lei das Execuções Penais.

Mas também nos processos executivos de pena, em julgamento aos Agravos de Execução em que é Recorrente o Ministério Público Estadual de 1ª Instância , assim tem se posicionado o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, quando o Juízo das Execuções Penais tem entendido pela PROGRESSÃO DE REGIME EM CRIME HEDIONDO, dada a interpretação do termo "INICIALMENTE FECHADO":

"Recurso de Agravo de Execução – Classe I-23 – Nº 33/98 – Capital

Recorrente: A Justiça Pública

Recorrido: Fauzy Rachid Jaudy Filho

Julgado em 02.02.99

Relatora: Desª Shelma Lombardi de Kato

EMENTA – AGRAVO EM EXECUÇÃO – CRIME HEDIONDO – REGIME PRISIONAL INICIALMENTE FECHADO – INTERPOSIÇÃO DA JUSTIÇA PÚBLICA CONTRA A DECISÃO DO JUIZ DAS EXECUÇÕES QUE ADMITE AO RÉU CONDENADO POR TRÁFICO DE DROGAS PROGRESSÃO DE REGIME – IMUTABILIDADE DA SENTENÇA – OFENSA AO PRINCÍPIO DA REFORMATIO IN PEIUS – IMPROVIMENTO DO AGRAVO. Se a r. sentença condenatória por tráfico de entorpecente possibilitou ao reeducando progressão de regime, descabe sua modificação em fase de execução, sob pena do reformatio in peius e ofensa aos princípios constitucionais da coisa julgada e do devido processo legal".

O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, para manter o posicionamento retro mencionado, levou em conta, dente outros, o seguinte julgado do STF:

"HC nº 77060-8-SP

Relator: Ministro Sydnei Sanches

Pacte: Carlos Alberto T. de Aquiles

Coator: TJSP

EMENTA: HABEAS CORPUS – DIREITO CONSTITUCIONAL – PENA E PROCESSO PENAL – TRÁFICO DE ENTORPECENTES – REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA (LEIS 8.072\90, ART. 2º, § 1º E 9.455 DE 7-7-1997) – OFENSA AO PRINCÍPIO DO REFORMATIO IN PEIUS.

1 – Ao contrário do alegado na impetração, a Lei nº 9.455/97 não revogou o § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, na parte que impôs o regime integralmente fechado, no cumprimento da pena, por crime de tráfico de entorpecentes, norma, aliás, declarada constitucional pelo STF (HH CC nº 69.657 e 69.603).

2 – Firmou-se, nesse sentido, a jurisprudência da Corte (HH CC nº 786.543 e 76.371).

3- Todavia, no caso sub judice, a sentença de 1º grau impôs ao réu o regime inicialmente fechado. E o acórdão, em recurso somente por este interposto, aplicou o regime integralmente fechado, incidindo em reformatio in peius, que o invalida nesse ponto. Por esse fundamento e não pelos demais do Habeas Corpus é deferido para se restabelecer a sentença de 1º grau, na parte em que impôs o regime apenas inicialmente fechado.

4- A ordem estendia ao co-réu, que se encontra na mesma situação".

Mas vamos por partes:

1ª): No recurso acima aventado, tratou-se aquele de RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA, tão somente, e não do Ministério Público.

Sobre o tema do REFORMATIO IN PEIUS, assim ensina Heráclito Antônio Mossin, em sua Obra Recursos em Matéria Criminal , ed. Atlas, 1996, p. 118/121, que:

"REFORMATIO IN PEIUS

O princípio da proibição da reformatio in peius se vê consagrado no art. 617 do CPP, quando este aduz expressamente não poder ‘ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença’.

Como facilmente se observa a vedação da reformatio in peius circunscreve-se exclusivamente ao recurso interposto pelo réu. Significando isto que poderá ser agravada a pena imposta em primeiro grau quando o apelo for do órgão acusatório.

Logo, "dentro destes limites, sendo o apelante o Ministério Público, ou o querelante, ou o assistente da acusação, é admitida a reformatio in peius, isto é, o tribunal superior pode pronunciar decisão condenatória, em lugar da absolvição; pode condenar a pena mais grave do que a aplicada na primeira instância, revogar os benefícios, aplicar medidas de segurança etc. Noutros termos: a sentença não passa em julgado para a acusação".

Deste entendimento não discrepa Vincenzo Manzini ao exortar que "dentro daquele limite, se o apelante é o Ministério Público (com ou sem o apelo do imputado), é admitida a reformatio in peius, e isto quer dizer que o juiz do apelo pode pronunciar condenação em lugar da absolvição declarada em primeiro grau, pode condenar a pena mais grave daquela infligida em primeiro grau, revogar benefício,aplicar medida de segurança etc.

Por outro lado, "embora o artigo 617 se refira apenas à agravação da pena, o princípio que impede a reformatio in pejus em recurso exclusivo da defesa veda também que na apelação se imponha qualquer gravame contra o réu, como por exemplo, a cassação do sursis concedido na sentença, a imposição de regime inicial de pena mais gravosa etc." A proibição da reformatio in peius em recurso de apelação exclusivo da defesa se justifica uma vez que o colegiado ad quem deve dar seu pronunciamento em conformidade com o petitum contido no recurso.

Se o juízo do apelo agravasse a situação do réu, estaria ele julgando ultra ou extra petitum o que lhe é vedado.

Para melhor aclaramento do exposto, seria integralmente inviável que apelando parcialmente o condenado de uma decisão de primeiro grau que o condenou a um delito-tipo em sua fórmula básica, no sentido do reconhecimento de um privilégio, e o tribunal reformasse a sentença recorrida para condenar o apelante pelo crime qualificado.

É de cristalina evidência, in casu, que o julgamento extrapolou os limites do pedido de reforma, o que é vedado ao juízo da apelação.

A proibição advogada encontra assento em outros argumentos de ordem jurídica: "nem haveria necessidade de menção expressa sobre a inadmissibilidade da reformatio in peius, pois que o princípio constitucional da plenitude de defesa impede por si só que a lei ordinária adote regra que acolhesse semelhante agravação de pena contra o réu".

É de incontrastável realidade jurídica, que se o tribunal agravasse a situação do apelante, em recurso unicamente seu, estaria ele maculando o princípio do contraditório, porquanto não teria sido dada a oportunidade ao recorrente de colacionar aos autos argumentos legais no sentido de tentar obstacular a imposição de eventual pena mais gravosa ou da subtração de um direito a ele reconhecido em nível de primeiro grau.

Em situação desse matiz, também haveria a atuação jurisdicional ex officio qual viola também a plenitude do direito de defesa, constitucionalmente garantida.

Não resta a menor dúvida, que a prestação jurisdicional deve incidir dentro dos limites em que é esta provocada e invocada, porquanto somente assim a defesa poderá ser plena, poderá o réu contestar o pedido de pena pleiteado.

Com este argumento, deve ficar assentado que há também, no aspecto proibição da reformatio in peius, especificamente, o emprego do princípio da iniciativa das partes: ne procedat iudex ex officio; o qual se aplica, inexoravelmente todos os quadrantes onde houver o exercício jurisdicional, quer em nível de competência originária, quer em se cuidando de competência recursal. É ele nato no campo da jurisdição.

E, como se isso não bastasse, se não houve recurso por parte da acusação, a sentença transitou formalmente em julgado para ela, o que não permite nenhum forma a seu favor, em face da preclusão das vias recursais.

Diante disso, "a reforma, contra o réu, de sentença em que só ele apelou representaria forma oblíqua de revisão criminal ex officio em prejuízo do condenado", o que é vedado diante do direito processual penal pátrio, o qual somente agasalha a revisio pro reo (art. 621 do CPP), ficando afastada a pro societate.

Quando houver recurso da acusação de forma exclusiva, ou concomitante com a defesa, nada impede, como é evidente, que haja reforma para pior relativamente ao réu. Isto porque, a agravação levada a efeito está nos limites do pedido de reforma, inocorrendo julgamento ultra ou extra petitum.

Além disso, quando o acusado é intimado para contra-arrazoar o recurso de apelação, o audiatur et altera pars está sendo devidamente cumprido; preservando-se, dessa forma, o princípio do contraditório com sede no art. 5º, inciso LV Magna Carta.

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Como desdobramento da proibição do reformatio in peius, anulada a sentença condenatória em recurso exclusivo do réu, a nova decisão não poderá impor pena mais grave. É a denominada reformatio in peius indireta".

Logo, é óbvio o acerto da decisão por parte do Supremo Tribunal Federal, pois, naquele caso, o magistrado em 1ª instância fixou o regime de pena no inicialmente fechado. Houve recurso DA DEFESA e o Tribunal de Justiça MODIFICOU a expressão para integralmente fechado. Em recurso DA DEFESA, o STF entendeu mui sabiamente que (segundo a lição já transcrita de Heráclito Antônio Mossin), ocorreu por parte do Tribunal de Justiça, reformatio in peius. Isto é claro e evidente. Mas o ponto chave da história é que o STF não declarou até hoje que o termo "inicialmente" é implícito ou explícito de progressão de regime...".

2ª – Em nenhum julgado até agora, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (órgão que compete dar a palavra final quando se contraria dispositivo Constitucional, ou se declara a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal) se posicionou favorável a progressão de regime em crime hediondo, quer contenha ou não a sentença a expressão "INTEGRALMENTE FECHADO" ou mesmo "INICIALMENTE FECHADO", a não ser no delito de TORTURA.

Por se tratar de crime hediondo, é impossível a progressão de regime, em que pese isolado entendimento de uma das Turmas do Superior Tribunal de Justiça, em contradição com outra turma daquele colendo Tribunal.

Ainda, se isto não bastasse, o STF, em recente decisão, por maioria, 9 x 2, já decidiu ser impossível a progressão de regime em crime hediondo, salvo a hipótese do delito de tortura.

O STJ entendeu que poderia haver progressão de regime em todos os crimes hediondos, frise-se, decisão esta já superada pelo STF.

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, em 03 de março de 1.998, assim enfrentou o problema (decisão por maioria ), verbis:

"Classe / Origem HC-76543 / SC HABEAS CORPUS - Relator Ministro SYDNEY SANCHES - Publicação DJ DATA-17-04-98 PP-00006 EMENT VOL-01906-03 PP-00494 - Julgamento em 03/03/1998 - Primeira Turma.

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. CONCURSO DE AGENTES. PENA-BASE. MAJORAÇÃO DA PENA (ARTIGOS 12, 14 E 18, III, DA LEI Nº 6.369/76). REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA: INTEGRALMENTE FECHADO (LEIS NºS. 8.072/90, ART. 1º, E 9.455, DE 07.04.1997, ART. 1º, § 7º). ART. 5º, XLIII, DA C.F. HABEAS CORPUS -

ALEGAÇÕES DE: A) FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO NO ACRÉSCIMO DA PENA-BASE; B) INDEVIDA INCIDÊNCIA DA MAJORANTE DO ART. 18, III, DA LEI DE ENTORPECENTE; C) DESCABIMENTO DO REGIME INTEGRALMENTE FECHADO, NO CUMPRIMENTO DA PENA.

1. Não procede a alegação de falta de fundamentação no acréscimo da pena-base, pois o aresto, para isso, levou em consideração a ‘grande quantidade’ de cocaína, objeto do tráfico, o que, naturalmente, evidencia a periculosidade dos agentes, pondo a coletividade em risco muito maior do que se tratasse de apenas algumas gramas de tóxico. Precedentes. Ressaltou, igualmente, o julgado que, no veículo utilizado, havia ‘um compartimento preparado para o transporte’, o que mostra o propósito de se dificultar sua localização e, consequentemente, a apuração do delito, circunstância judicial igualmente considerável. É de se concluir, portanto, que a pena-base foi fixada acima do mínimo legal, mas com fundamentação adequada.

2. Improcede, igualmente, a alegação de que a majorante do art. 18, III, da Lei de Entorpecentes, não poderia ter sido aplicada à espécie. O acórdão fundamentou-a corretamente, pois, se não houve o crime autônomo de associação, como previsto no art. 14, caracterizou-se, pelo menos, o concurso de agentes de que trata o inciso em questão. Precedentes.

3. Improcede, por fim, a alegação de que indevida a imposição de regime integralmente fechado. A Constituição Federal, no inc. XLIII do art. 5º, estabeleceu: ‘a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem’.

Não se cuida aí de regime de cumprimento de pena. A Lei nº 8.072, de 26.07.1990, aponta, no art. 1º, os crimes que considera hediondos (latrocínio, extorsão qualificada pela morte, extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada, estupro, atentado violento ao pudor, epidemia com resultado morte, envenenamento de água potável ou de substância alimentícia ou medicinal, qualificado pela morte, e genocídio; tentados ou consumados).

No art. 2º acrescenta: os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:

I - anistia, graça e indulto;

II - fiança e liberdade provisória.

E no § 1º: a pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado.

Inclusive, portanto, o de tráfico de entorpecentes, como é o caso dos autos.

4. A Lei nº 9.455, de 07.04.1997, que define os crimes de tortura e dá outras providências, no § 7º do art. 1º, esclarece: ‘o condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o cumprimento da pena em regime fechado’.

Vale dizer, já não exige que, no crime de tortura, a pena seja cumprida integralmente em regime fechado, mas apenas no início.

Foi, então, mais benigna a lei com o crime de tortura, pois não estendeu tal regime aos demais crimes hediondos, nem ao tráfico de entorpecentes, nem ao terrorismo.

Ora, se a Lei mais benigna tivesse ofendido o princípio da isonomia, seria inconstitucional. E não pode o Juiz estender o benefício decorrente da inconstitucionalidade a outros delitos e a outras penas, pois, se há inconstitucionalidade, o juiz atua como legislador negativo, declarando a invalidade da lei. E não como legislador positivo, ampliando-lhe os efeitos a outras hipóteses não contempladas.

5. De qualquer maneira, bem ou mal, o legislador resolveu ser mais condescendente com o crime de tortura do que com os crimes hediondos, o tráfico de entorpecentes e o terrorismo.

Essa condescendência não pode ser estendida a todos eles, pelo Juiz, como intérprete da Lei, sob pena de usurpar a competência do legislador e de enfraquecer, ainda mais, o combate à criminalidade mais grave.

6. A Constituição Federal, no art. 5º, inc. XLIII, ao considerar crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, não tratou de regime de cumprimento de pena.

Ao contrário, cuidou, aí, de permitir a extinção de certas penas, exceto as decorrentes de tais delitos.

Nada impedia, pois, que a Lei nº 9.455, de 07.04.1997, definindo o crime de tortura, possibilitasse o cumprimento da pena em regime apenas inicialmente fechado - e não integralmente fechado.

Pode não ter sido uma boa opção de política criminal. Mas não propriamente viciada de inconstitucionalidade.

‘H.C.’ indeferido. Observação - Votação: Por maioria. Resultado: Indeferido. Inclusão: 11/05/98."

E ainda, em recentes decisões o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL assim tem se posicionado:

1ª)"Classe / Origem HC-78817 / SP - HABEAS CORPUS - Relator Ministro MAURICIO CORREA.

DECISÃO: Indefiro o pedido de medida liminar, eis que, tratando-se de condenação pela prática do crime de tráfico de entorpecentes, não se admite a possibilidade jurídica de progressão no regime penal, devendo, a sentenciada, cumprir a pena em regime exclusivamente fechado.

Cabe registrar, por necessário, que o Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a plena constitucionalidade da norma inscrita no art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 (RTJ 147/598, Rel. p/ o acórdão Min. FRANCISCO REZEK). O outro argumento em que se apoia a pretensão do ilustre impetrante - que postula a extensão, à ora paciente, das disposições mais favoráveis da Lei nº 9.455/97, que assegura ao condenado por crime de tortura o direito à progressão no regime de cumprimento da pena (art. 1º, § 7º) - foi repelido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que ressaltou, a propósito dessa específica questão, que a Lei nº 9.455/97 não derrogou a regra consubstanciada no art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90 (HC nº 76.371-SP, Rel. p/ o acórdão Min. SYDNEY SANCHES).

Essa mesma orientação foi reiterada em recentes julgamentos ocorridos nesta Suprema Corte, dos quais resultou o indeferimento dos pedidos de habeas corpus então formulados (HC nº 76.543-SC, Rel. Min. SYDNEY SANCHES e HC nº 76.936-SP, Rel. Min. SYDNEY SANCHES).

Sendo assim, e por ausência de plausibilidade jurídica, indefiro o pedido de medida liminar. 2. Requisitem-se informações ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, encaminhando-se-lhe cópia da presente decisão. Publique-se. Brasília, 22 janeiro de 1999. Ministro CELSO DE MELLO Presidente – Partes PACTE.: MARIA RAIMUNDA DOS SANTOS - IMPTE. : NASSIM MAHAMUD - COATOR : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO".

2ª) "Classe / Origem - HC-77219 / SP - HABEAS CORPUS - Relator Ministro MOREIRA ALVES

EMENTA: - Habeas corpus. - Com efeito, improcedem as duas alegações da impetração, porquanto, a partir do julgamento do HC 69.603, se firmou o entendimento desta Corte no sentido de não ser inconstitucional o artigo 2º, § 1º, da Lei 8.072/90 ao impor o cumprimento da pena dos crimes hediondos em regime fechado; de outra parte, também o Plenário deste Tribunal, ao julgar o HC 76.371, em 25 de março de 1998, decidiu que a Lei 9.445/97 só admitiu a progressão do regime do cumprimento da pena para o crime de tortura, não sendo extensível essa admissão aos demais crimes hediondos, nem ao tráfico de entorpecentes, nem ao terrorismo. Habeas corpus indeferido. Partes - PACTE. : EDNILTON EDUARDO CHALÓ - IMPTE. : ARTUR MANOEL NOGUEIRA FRANCO - COATOR : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO".

3ª) – A interpretação do regime prisional, quando da fixação pelo Poder Judiciário como "inicialmente fechado", segundo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, é fato que não induz à possibilidade de progressão (in Revista dos Tribunais nº 752/585):

"CRIME HEDIONDO - REGIME PRISIONAL - FIXAÇÃO PELO JUIZ DA CONDENAÇÃO COMO INICIALMENTE FECHADO - FATO QUE NÃO INDUZ À POSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO.

Ementa da Redação: A fixação de regime prisional inicialmente fechado pelo Juiz da condenação por crime hediondo não significa que esteja admitindo a possibilidade de progressão, pois nesse caso está o Magistrado, até mesmo, dispensado de referir o regime dada a impossibilidade da progressão constitucionalmente prevista em lei. Ag 242.627-3/8 - 3. Câm. - j. 10.02.1998 - rel. Des. Walter Guilherme.

ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos de Ag 242.627-3/8, da Comarca de São Paulo, em que são agravante Marcos Antônio da Silva Faustino, sendo agravada a Justiça Pública: Acordam, em 3a Câm. Crim. do TJSP, por v.u., negar provimento ao recurso, de conformidade com o relatório e voto do relator, que ficam fazendo parte do acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores Oliveira Ribeiro (pres., sem voto), Luiz Pantalelo e Pereira da Silva, com votos vencedores. São Paulo, 10 de fevereiro de 1998 - WALTER GUILHERME, relator, com a seguinte declaração de voto:

A MMa. Juíza da Vara das Execuções Criminais indeferiu pedido de progressão para o regime semi-aberto formulado por Marcos Antônio da Silva Faustino, ao argumento de estar o reeducando descontando pena pela prática de crime hediondo (art. 157,§ 3ºdo CP - 20 anos de reclusão), cuja lei de regência, a de n. 8.0721 90, proíbe progressão. Acresceu não fazer o sentenciando jus ao regime pleiteado por não apresentar condições pessoais favoráveis, não sendo significativo o fato de o Juiz da condenação haver determinado que o regime, inicial, seria o fechado.

Por ilustre Procuradora do Estado, interpõe o condenado recurso de agravo, sustentando, como já o fizera, a inconstitucionalidade da Lei dos Crimes Hediondos, por afronta aos princípios da individualização da pena e da inafastabilidade do controle judiciário, bem como haver o título executivo, ou seja, a sentença, fixado o regime fechado tão-somente como o inicial, constituindo desvio de execução obrigá-lo a cumprir a pena integralmente no regime fechado.

Finalizando, alega o agravante que reúne condições subjetivas para galgar de regime (f.). A doutora Promotora de Justiça ofereceu contra-minuta, opondo-se à pretensão do recorrente, e o parecer da Procuradoria-Geral de Justiça, firmado pelo Dr. Agenor Nakazone, é pelo desprovimento do agravo. Este o relatório.

1. O tema da inconstitucionalidade da Lei 8.072/90, no que concerne à vedação de progressão de regime, não é novo, já tendo merecido decisão nesta e em tantas outras Cortes de Justiça. Dispõe o art. 5,o, XLVI, da Constituição da República que ‘a lei regulará a individualização da pena...’ O preceito é salutar e tem correspondência com o que entendem os povos civilizados seja o desiderato da pena: atribuir a cada um, para atender aos requisitos de prevenção e retribuição, a sanção que mais bem a ele se amolde, evitando a odiosa e autoritária generalização, que desequilibra a resposta penal. Punir essa pessoa, no vislumbre de seu eu e suas circunstâncias, e não outra qualquer.

Nesse sentido, o constituinte, consagrando o princípio, expediu ordem ao legislador ordinário para regulá-lo. Este, entendendo que o comitente de determinados crimes, pela sua sordidez, não merece progressão, proibiu-a.

Pode não ter sido o melhor critério, mas não afronta a Constituição. O legislador ordinário, frente a preceito constitucional de eficácia limitada, individualizou a pena dos autores de crime dessa espécie: a eles não é dado o direito específico de progressão de regime. No mister abrangente de adaptar a pena e regime de cumprimento, este último inegavelmente integrante de um sistema individualizador, de antemão disse de não fazer jus à benesse o agente de crime hediondo.

Deixando o legislador constituinte ao alvedrio do ordinário a incumbência de individualizar a pena, não exorbitou este do comando constitucional se, para certos delitos, interditou a progressão.

Também não há inconstitucionalidade na referida lei, negando a progressão, por desobediência ao princípio da inafastabilidade do controle judiciário (art. 5º, XXXV). Declara a Constituição que ‘a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’, vale dizer, nem a lei, que corresponde à vontade da maioria da sociedade (princípio democrático) e presumivelmente aponta para o justo, pode obstar a postulação judicial. Mas, atente-se, quando houver lesão ou ameaça a direito. Não é direito do condenado por crime hediondo progredir de regime. Se não é, não houve lesão ou ameaça a ele.

Por sinal que esse maior rigor no trato dos crimes hediondos encontra na própria Constituição, no mesmo art. 5º, XLIII, sua razão de ser.

O doutor Procurador de Justiça demonstrou ser a jurisprudência de nossos tribunais, incluindo a do STF, guarda precípuo da Constituição, contrária a inconstitucionalidade da Lei 8.072/90. Acresço:

"Recurso extraordinário. Lei dos Crimes Hediondos. Pena cumprida em regime fechado. Constitucionalidade da Lei 8.072/90.

1. A condenação por crime hediondo´ impõe o cumprimento da pena em regime fechado, e não é inconstitucional o art. 2º § 1.0, da Lei 8.072/90, visto que o principio da individualização da pena não se ofende na possibilidade de ser progressivo o regime de cumprimento da pena.

2. Precedentes.

Recurso extraordinário conhecido e provido" (RE 194081-6 São Paulo - rel. Mm. Maurício Corrêa - 2.0 T., j. 5.04.1996).

No mesmo sentido, agora do STJ, órgão judiciário criado pela Constituição de 1988 para zelar pelo cumprimento do direito federal:

"Constitucional e processual penal. Crime hediondo. Violação do art. 12 da Lei 6.368/ 76. Regime prisional integralmente fechado. Constitucionalidade do art. 2.0, § 1º da Lei 8.072/90. Jurisprudência firme do STJ e do STF. Recurso conhecido e provido para restaurar a sentença de primeiro grau" (REsp 77.643 - São Paulo - rel. Mm. Adhemar Maciel - 6.0 T., j. 25.03.1996).

Ainda do STJ:

"Penal. Execução penal. Pena. Função. Individualização. CF, art. 5o, XLVI; CP, art. 59. Crimes hediondos. Regime prisional. Lei 8.072/90. - A Lei dos Crimes Hediondos – Lei 8.072/90-, ao estabelecer no seu art. 2º, § 1º, que os delitos nela arrolados devem ser punidos sob o rigor do regime fechado integral, embora dissonante do sistema preconizado no Código Penal - art. 33-36 e da Lei de Execuções Penais, que preconizam a execução da pena privativa de liberdade de forma progressiva, não afronta o texto constitucional, pois a Carta Magna conferiu ao legislador ordinário competência para dispor sobre a individualização da pena no art. 5º, XLVI, situando-se aquele diploma legal na linha filosófica do Estatuto Maior, que estabeleceu princípio rigoroso no trato dos crimes hediondos (art., XLIII)" (sic).

E desta Casa, como paradigma;

"Regime prisional - Progressão - Crimes hediondos - Vedação - Inconstitucionalidade

- Inocorrência - Autorização constitucional contida no art.5º, XLVI, da Constituição da República - Individualização da pena que permite estabelecer a vedação de progressão

- Recurso não provido. Não se vislumbra inconstitucionalidade no dispositivo da Lei dos Crimes Hediondos que veda a progressão do regime de cumprimento da pena, pois, em consonância com o art. 5o, XLVI, da Constituição da República, vem a individualizar a pena fixando o regime a que deve ser cumprido integralmente" (Ag 185.005-3 - São Paulo - 2. Câm. Crim. - rel. Prado de Toledo - - 05.07.1995 - v.u.).

2. Apega-se o agravante ao fato de haver o Juiz da condenação fixado o regime fechado inicialmente, como que admitindo a possibilidade de progressão. Não tem esse dispositivo da sentença a conotação que o recorrente lhe quer dar.

A rigor, por não ser possível outro regime que não o fechado, o Juiz, no caso de crime hediondo, dispensado até está de referir o regime. É praxe, todavia, a menção, estabelecendo o Magistrado o regime inicial. Mas impossibilitada a progressão por força de lei, realmente é inócua a referência a regime, não tendo a menor significação o fato de o MM. Juiz haver mencionado regime inicial fechado. Não houve violação, pois, por desvio ou excesso, do título executivo pela Juíza das Execuções.

A respeito, convém transcrever, como fez a doutora Promotora, a lição do eminente Des. Ary Belfort, infelizmente para a Magistratura aposentado compulsoriamente:

"Compete obrigatoriamente ao Juiz da ação penal (na sentença condenatória quando comporte) explicitar o regime aplicável; na recusa, a razão por que negue. Di-lo o art. 59, III, do CP: ´O juiz... estabelecerá... III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

Igual disposição se lê no art. 110 da Lei de Execuções Penais: ‘... o juiz, na sentença, estabelecerá o regime no qual o condenado iniciará o cumprimento da pena privativa de liberdade, observando o disposto no art. 33 e seus §§ do CP’.

As progressões, cabentes a esse MM. Juízo (de Execução) acham-se disciplinadas nos art. 112 e seg. da Lei de Execuções Penais. Portanto, na condenação o Juiz fixa o regime inicial. As alterações porvindouras passam à atribuição do Juízo da execução. Cabe ao juiz da condenação estatuir o regime inicial (como já frisamos acima). A significar que, quando estabeleça o regime inicial fechado, não estará provendo coisa alguma a respeito de progressões. Estará, apenas, atendendo ao comando legal múltipla, coerente, e convergentemente previsto nos diversos diplomas destacados.

Nesse quadro, extrai-se que da sentença que estatua o regime inicial, e só por isso, por ser inicial comporte progressões - constitui gratuidade; agravada por contravir expressões legais inquestionáveis (na insistência do inicial) e, pior do que tudo, em contravenção ao próprio sistema: a dicotomia já enfatizada, na bipartição de encargos; verdadeiro sentido actio judicata, mesmo ante as peculiaridades ínsitas à matéria penal (também executória).

Por fim: Dizer a sentença que o regime fechado será inicialmente assim cumprido. Quer dizer, e não mais do que isso, que os percalços da progressão ficarão (a partir do cabimento) ao encargo do Juiz adequado, o da Execução" (Ag 202.051-3/6 - São Paulo – 4ª Câm. Crim. deste Tribunal).

3. Se constitucional é a interdição de progressão de regime e sendo irrelevante a menção ao regime inicial fechado feita na sentença, de nenhum interesse se o agravante preenche ou não os requisitas subjetivos para obter a progressão.

4º - De todo exposto, nego provimento ao recurso.

- O cumprimento das atribuições atinentes a Instituição do Ministério Público, nem sempre agrada.

Mas, como órgão fiscalizador do cumprimento das Leis deste País, anoto que, com postura respeitável, porém, sob a ótica inversa deste membro do Ministério Público, passou o Tribunal de Justiça do nosso Estado a aceitar progressão de regime nos crimes hediondos, e não somente na tortura, como já decidiu ser a única hipótese o Supremo Tribunal Federal, até hoje.

Não se pode olvidar que aqueles julgados abriram precedentes, concessa maxima vênia, ao aceitarem progressão de regime em crimes hediondos.

Respeitabilidade a parte, creio piamente que é, nesta hora, que o Ministério Público do Estado de Mato Grosso deve mostrar seu inconformismo (jurídico) .

- A jurisprudência contida no Código de Processo Penal Interpretado, de Júlio Fabbrini Mirabete, editora Atlas, 1999, p. 340, assim expressa: "Inadmissibilidade de alteração do regime por embargos de declaração – TACRSP: O regime prisional estabelecido na sentença não pode ser alterado por meio de embargos de declaração, mas só por seus recursos próprios, ou seja, a Apelação" (JTACRIM 25\348), versa que não será possível, por meios de embargos de declaração, ALTERAÇÃO do regime prisional. Mas sim, por seus meios próprios, ou seja, a Apelação.

Tem-se fixado nas sentenças que o cumprimento de pena será o regime fechado. Até aí, nenhum problema.

A problemática justamente surge quando o Poder Judiciário, em primeira instância , expressa na sentença proferida em caso de crime hediondo (exceto a de tortura) que "a pena será cumprida em regime INICIALMENTE fechado".

É obrigação do Ministério Público fixar-se na real intenção do Magistrado prolator da sentença, quanto a correta interpretação da ambígua expressão: "INICIALMENTE FECHADO", para que, posteriormente, possa ou não tomar as medidas pertinentes.

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Sobre o autor
Adriano Augusto Streicher de Souza

promotor de Justiça no Mato Grosso

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Adriano Augusto Streicher. A Lei dos Crimes Hediondos e assemelhados em face da possibilidade parcial da progressão do regime.: Confusão na jurisprudência das expressões "integralmente" e "inicialmente" fechado.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 33, 1 jul. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1104. Acesso em: 19 abr. 2024.

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