Passados os primeiros
momentos da vigência da Lei dos Crimes Hediondos, a comunidade jurídica, nesta
incluídos os magistrados e representantes do Ministério Público, vieram a se revoltar
com as consequências desgraçadas esta é a palavra que melhor se adequa a
indignação causada pela Lei Hedionda daquele dispositivo legal.
Naquela Lei, um dos fatores que mais gerou controvérsias foi a fixação do regime do cumprimento da pena em integralmente fechado. Vozes, inúmeras se levantaram contra aquele instituto, dentre as quais, sempre com o merecido destaque, a do Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, que já em 1992 se posicionou, através do Recurso Especial 19420:
"Crimes hediondos. Tráfico ilícito de entorpecentes.
Regime fechado. Constituição da República consagra o princípio da individualização
da pena. Compreende três fases: cominação, aplicação e execução. Individualizar é
ajustar a pena cominada, considerando os dados objetivos e subjetivos da infração penal,
no momento da aplicação e da execução. Impossível, por isso, legislação ordinária
impor (desconsiderando os dados objetivos e subjetivos) regime único e inflexível"
(STJ- RE - 19.420-0- Rel. Min.Vicente Cernicchiaro - DJU, 7.6.93, p.11.276)
Diversos outros julgados vieram, uns contra outros favoráveis a progressão de regime prisional. Tendo os Tribunais se posicionado no sentido de não ser cabível a progressão de regime. Isto é, até a prolação do acórdão oriundo do Recurso Especial 140.617, quando, então, o Ministro Cernicchiaro adotou o entendimento do colega Ney Moura Teles e disse estar derrogada a Lei dos Crimes Hediondos pela Lei definidora dos crimes de Tortura.
Inicia-se, neste momento, outra luta, ainda mais bela e interessante; a aplicação da Lei de Penas Alternativas aos crimes chamados hediondos.
Dispõe, o novo artigo 44 do atual Código Penal:
"Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 (quatro) anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
II - o réu não for reincidente em crime doloso;
III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.
§ 1.° (VETADO)
§ 2.° Na condenação igual ou inferior a 1 (um) ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a 1 (um) ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.
§ 3.° Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.
§ 4° A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de 30 (trinta) dias de detenção ou reclusão.
§ 5.° Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior."
Conforme se vê da redaçãodo artigo 44 do Código Penal nada impede a concessão da substituição das penas privativas de liberdade desde que satisfeitos os requisitos em penas alternativas, ademais, inferindo que a presente Lei é posterior a Lei dos Crimes Hediondo e a Lei dos Crimes de Tortura.
Pela estrutura lógica do sistema legal chegamos a conclusão de que se aplica Lei n.º 9714/98 aos crimes hediondos, claro, quando possível. A norma geral modificada que se aplica as normas especiais anteriores. Caso contrário, não se aplicaria o novel dispositivo legal aos crimes contra o meio ambiente e aos crimes de trânsito.
Por certo que as leis, tanto a hedionda, quanto a definidora dos crimes de tortura, falam de regime prisional a ser aplicado ao cumprimento da pena, porém, não falam em vedação à substituição da pena privativa de liberdade por pena alternativa. Se não fala, não veda.
Vale a pena transcrever texto de Cláudia Viana Garcia, intitulado A Lei nº 8.072/90 e o Sursis: Possível a Concessão?, (pede-se vênia por não dizer a origem deste texto, posto que nos arquivos do autor não a consta) verbis:
"É regra primária de hermenêutica que as normas que restringem direitos individuais devem ser interpretadas restritivamente. Se a Lei nº 8.072/90 não vedou expressamente a suspensão condicional da pena, o hermeneuta não pode lançar mão de interpretação dilatória ou ampliativa, para fazer incluir no rol de proibições de direitos e garantias elencadas no referido texto legal mais esta restrição.
Inexiste, outrossim, incompatibilidade de natureza lógica entre a norma do art. 2º, § 1º e a concessão de sursis, já que não há nenhuma correlação entre regime de cumprimento de pena e este instituto.
Regime penitenciário está relacionado com o local em que se dará o cumprimento da sanção penal, referindo-se também às regras a que ficará sujeito o apenado durante a execução da pena privativa de liberdade. De acordo com o disposto na Lei dos Crimes Hediondos ele não poderá, durante a execução, avançar para um regime menos rigoroso (passar do fechado para o semi-aberto e deste para o regime aberto).
Por outro lado, o sursis é modo especial de cumprimento da pena privativa de liberdade que nada tem a ver com sistema de progressão de penas.
Instituto com disciplina própria, a suspensão condicional da pena exige o preenchimento de certos requisitos legais de natureza objetiva (pena privativa de liberdade não superior a dois anos e inaplicabilidade de penas restritivas de direito) e subjetiva (não reincidência em crime doloso e prognose de não voltar a delinqüir), independentemente do regime prisional imposto.
Uma vez satisfeitos os requisitos, o condenado terá a execução da sua pena suspensa sob determinadas condições e durante um certo lapso de tempo denominado período de prova, findo o qual ser-lhe-á decretada a extinção da punibilidade.
Observe-se que, se no curso do período probatório, o condenado por crime hediondo ou equiparado vier a dar causa à revogação da suspensão, estará obrigado a cumprir integralmente em regime fechado a pena suspensa, independentemente do tempo de sursis decorrido.
Fosse o sursis um benefício concedido no curso da execução penal, fosse ele uma resultante da progressão prisional, poderia falar-se, neste caso, em incompatibilidade. Mas não é. O sursis situa-se completamente fora da progressão das penas; é justamente o cumprimento da pena em regime nenhum.
Não resta dúvida de que a norma da Lei nº 8.072/90, ao dispor sobre o cumprimento da pena integralmente em regime fechado, refere-se às hipóteses em que o sentenciado irá, efetivamente, cumpri-la na prisão, e não aos casos em que couber a suspensão da sua execução.
Em duas palavras: se o réu preenche os requisitos do sursis terá direito a que sua pena seja suspensa; caso contrário, a cumprirá integralmente em regime fechado, sendo-lhe vedada a progressão.
Em conclusão, é perfeitamente cabível a suspensão da pena imposta pela prática de crime hediondo, uma vez que inexiste norma expressa proibindo a sua concessão, não havendo também qualquer incompatibilidade lógica entre esta e a norma do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, pelo que se aplicam, subsidiariamente, as disposições do Código Penal à lei especial."
Diante desta lição, onde demonstra-se poderem os autores de crimes hediondos serem beneficiados com o sursi, entendo que, pelo princípio de que quem pode mais pode o menos, aos condenados por crimes hediondos é facultada a possibilidade de ver sua pena privativa de liberdade em pena alternativa, ressalta-se, desde que satisfeitas a condições.
À finalização destas considerações mister se faz lembrar a lição de Frederico Marques que ensina, verbis:
...a "lei posterior, que de outro modo favorece o agente",
além de aplicar-se "ao fato não definitivamente julgado", também alcança o
"julgado por sentença condenatória irrecorrível" e, qualquer hipótese, e
não apenas "na parte em que comina pena menos rigorosa".
(Tratado de Direito Penal, José Frederico Marques, p. 207)
Deste modo e com base na afirmação sempre atual do Professor José Frederico Marques, constata-se que, aos condenados à pena privativa de liberdade, mesmo que pela prática de crime hediondo, também é possibilitado o direito de ver sua pena privativa de liberdade por outra que não lhe comine o encarceramento, devendo, neste caso a concessão deste benefício ser analisada pelo Juiz de Direito competente pela execução penal, o que já implica em um grande passo para o atual Direito Penal, que muitas vezes se vê sacrificado por ingerência da imprensa, que "redige" nossas Leis e nossos conceitos.