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Por uma política antirracista:

para além da garantia constitucional das expressões culturais

30/08/2024 às 18:55
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É de suma importância o papel da educação na promoção da diversidade e no processo civilizatório e antirracista para a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária.

Somos ou não somos um país racista? Pergunta difícil de responder, mas que precisa ser enfrentada diuturnamente. E seria possível considerar um país em específico com a qualificação de “racista”? Quais as bases e implicações para tal afirmação?

Do ponto de vista da análise da Constituição Federal vigente, o Estado brasileiro tem entre os seus deveres, elencados no artigo 3º da Carta Maior, enquanto objetivos fundamentais, a definição de ações orientadoras dos poderes públicos em todas as esferas, que precisam ser asseguradas e concretizadas até a sua total implementação (ou correção), a saber: “I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Aqui se tem um “crescendo” de ações que vão em busca de um fim maior: a promoção do bem de todos, sem preconceitos nem discriminações de qualquer forma.

No caso, a título prévio, entende-se de forma ampla que o preconceito está limitado ao âmbito das ideias e afetos; já a discriminação se reflete a partir da conduta humana – ações e omissões. Difícil, entretanto, estabelecer limites tão precisos entre ambos os termos, ou apenas afirmar que o preconceito é de foro íntimo, e, quando expresso, revela-se como discriminação.

Na prática, pode o preconceito também ser entendido como expressão do pensamento ou sentimento que qualifica pessoas e grupos de forma negativa ao ponto de lhes rejeitar direitos e garantias, enquanto forma de exclusão social, cultural, política, econômica e jurídica, só para elencar algumas das dimensões da vida humana.

E esta expressão e exclusão negativas da pessoa humana podem ser praticadas pelo Estado, caracterizando no geral, no que se refere à raça ou cor, um país que pode ser denominado racista? Pergunta que nos inspira desde o início desta reflexão.

Ao partir da análise do texto da Constituição Federal do Brasil de 1988, o artigo 5º, em seu inciso XLII, dispõe que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. E no ano seguinte, a Lei mº 7.716, de 5 de novembro de 1989, passa a definir os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

Ainda no texto constitucional se faz referência também às questões culturais afeitas à grupos minoritários e excluídos, entre eles afro-brasileiros, de acordo com o artigo 215, parágrafo primeiro, a saber: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”.

Outro marco nacional importante no combate ao racismo se deu com a promulgação da Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial, “destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica”.

Vale lembrar, a título de referência para posteriores investigações, que o Brasil também é pródigo no acolhimento de ampla normatividade convencional [1] que dá suporte à proposta de construção de uma sociedade antirracista e de desconstrução do racismo estrutural presente entre nós.

Nesse contexto, considera-se de suma importância o papel da educação na promoção da diversidade e no processo civilizatório e antirracista para a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária, tal como descrito entre os objetivos fundamentais do Estado brasileiro já aqui lembrado, enquanto instrumento de difusão de ideias, valores, princípios, ações e afetos, que possam efetivamente remover o preconceito e a discriminação racial (entre outros) do seio de nossa sociedade e do Estado.

Em 2001, no período de 31 de agosto a 8 de setembro, em Durban, África do Sul, realizou-se a III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Correlatas de Intolerância.

O documento oficial brasileiro para a III Conferência que serve para orientar as políticas de governo, elaborado por um comitê preparatório indicado pelo Presidente da República, reconhece a responsabilidade histórica do Estado brasileiro “pelo escravismo e pela marginalização econômica, social e política dos descendentes de africanos”, uma vez que: “O racismo e as práticas discriminatórias disseminadas no cotidiano brasileiro não representam simplesmente uma herança do passado. O racismo vem sendo recriado e realimentado ao longo de toda a nossa história. Seria impraticável desvincular as desigualdades observadas atualmente dos quase quatro séculos de escravismo que a geração atual herdou” [2].

Enfim, mais uma vez se reconhece institucionalmente que o racismo está na origem e no desenvolvimento da sociedade brasileira e nas estruturas de nosso país, que se reconhece racista, e cujas políticas de Estado não tem conseguido erradicar este mal, em que pese toda a legislação vigente.

Nessa perspectiva, em 9 de janeiro de 2003, há mais de 21 anos, foi promulgada a Lei nº 10.639, que institui a obrigatoriedade do ensino de História da África e da Cultura Afro-brasileira; e, em 2004, o Conselho Nacional de Educação aprovou o parecer que propõe as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Africanas e Afro-Brasileiras, enquanto política educacional que reconhece a diversidade étnico-racial e a necessidade de superação de uma legislação que se propõe antirracista apenas no âmbito formal.

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Ressalta-se também importante Resolução do Ministério da Educação, a de nº 5, de 17 de dezembro de 2018, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito, exigindo tratamento transversal dos conteúdos “de educação das relações étnico-raciais e histórias e culturas afro-brasileira, africana e indígena, entre outras”.

Entre as conclusões desta reflexão proposta está a de que é necessária e urgente a implementação e valorização desta política educacional no Brasil, da educação infantil ao ensino superior, voltada para a conscientização e transformação sociocultural da sociedade; assim como de uma política educacional e formativa no seio das estruturas do Estado, em todos os âmbitos, de reconhecimento do racismo estrutural vigente e efetividade de direitos das pessoas negras.


Notas:

[1] Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (1958); Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966); Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966); Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1968), entre outras.

[2] Conferir em “Orientações e Ações para Educação das Relações Étnico-Raciais”, Brasília: Ministério da Educação/SECAD, 2006

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Sobre o autor
Marcus Pinto Aguiar

Mediador de conflitos (NUPEMEC/TJ-CE), Advogado. Doutor em Direito Constitucional com pós-doutorado pela UNB/FLACSO Brasil. Professor da Faculdade 05 de Julho (F5) e do Mestrado em Direito da UFERSA, membro-fundador do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCUlt)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AGUIAR, Marcus Pinto. Por uma política antirracista:: para além da garantia constitucional das expressões culturais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7730, 30 ago. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/110690. Acesso em: 21 nov. 2024.

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