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Reparação do erro judiciário e do cumprimento da pena privativa de liberdade além do tempo fixado na sentença

16/02/1997 às 00:00

Resumo:


  • O Estado democrático de Direito se baseia no sistema jurídico constitucional, onde o Estado é responsável por ações de seus funcionários e sujeito a responsabilidade objetiva por danos causados, conforme art. 37, par. 6o. da Constituição Federal.

  • A Constituição Federal prevê direitos individuais, como a indenização por erro judiciário ou excesso de cumprimento de pena, estabelecendo a obrigação do Estado de reparar danos mesmo em casos de prisões cautelares ou desvios na execução da pena.

  • A responsabilidade do Estado por atos judiciários que causam danos é uma consequência do Estado de Direito, e a indenização é uma forma de satisfação moral, embora não possa recompor completamente o dano sofrido pela vítima de abuso de autoridade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1. Num Estado democrático de Direito a ação do Poder Público possui como padrão de conduta o chamado SISTEMA JURÍDICO CONSTITUCIONAL.

O Estado é passível de responsabilização pelas faltas ou erros de conduta que apresente porque sua capacidade jurídica é exercida "sempre através de seus funcionários, delegados e prepostos"(1), e em virtude da adoção do princípio da responsabilidade OBJETIVA ou SEM CAUSA, nos termos do art. 37, par. 6o. da Constituição Federal.

A mesma Constituição, sobre o ERRO JUDICIÁRIO e o EXCESSO DE CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ALÉM DO TEMPO FIXADO NA SENTENÇA, cuidou de estabelecer um DIREITO INDIVIDUAL(2) específico e particularizado no texto do art. 5º, LXXV, que dispõe, verbis:

"O Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim, como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença"

A reparação nada mais é do que um lenitivo, pois tem origem em dano irreparável, ainda presumido e com atribuição de responsabilidade objetiva.

Como a definição adequada da garantia Constitucional somente ocorrerá com o aprofundamento dos estudos sobre a questão, ousamos apenas identificar alguns pontos controvertidos e apresentar outras alternativas.

2. Aqui, é preciso esclarecer os conceitos empregados pelo Dispositivo Constitucional, fazendo uso de regras comuns de interpretação, evitando o cometimento de mutilações.

Vejamos:

a) ESTADO: é o devedor da indenização. Pode ser ou a UNIÃO FEDERAL, caso a pena tenha sido imposta por Tribunais ou Juízes Federais, ou o ESTADO MEMBRO FEDERADO, no caso da pena ter sido aplicada por Tribunais ou Juízes Estaduais.

b) INDENIZAÇÃO: é o conjunto de valores devidos a título de reparação pelo ERRO ou EXCESSO. Não exclui a reparação por outros direitos lesados, e. g., integridade física. Os parâmetros são comuns.

c) CONDENADO: é quem suportou os efeitos da sentença condenatória ou o excesso no cumprimento da pena privativa de liberdade.

d) CONDENAÇÃO: é o provimento da acusação penal. Diz respeito ainda à aplicação de qualquer espécie de pena criminal.

e) ERRO JUDICIÁRIO: corresponde às situações que dão ensejo à REVISÃO CRIMINAL, prevista no art. 621 do Cód. de Proc. Penal, e ocorrem: "I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos comprovadamente falsos; III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena." É importante ressaltar que o ERRO JUDICIÁRIO difere do DESVIO NA EXECUÇÃO DA PENA porquanto o primeiro diz respeito aos fundamentos da decisão condenatória, e o segundo, por sua vez, está relacionado com o cumprimento ou satisfação do julgado, cf. reza o art. 185 da Lei de Execuções Penais - LEP.

f) CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE ALÉM DO TEMPO FIXADO NA SENTENÇA: é a permanência do CONDENADO ou sua manutenção em cárcere por tempo superior ou nominalmente determinado na sentença. Isto ocorre, inclusive, na hipótese prevista na segunda parte do inciso III do art. 621 do Cód. de Proc. Penal citado. tratando-se de fato relacionado com a simples mudança de cumprimento do regime da pena, o caso é de DESVIO, adiante tratado.

3. O fato da Constituição não ter estabelecido proteção específica contra o abuso das prisões cautelares, da prisão civil, e o desvio da execução, não significa que o Estado seja IRRESPONSÁVEL. Pelo contrário, a responsabilidade é decorrente da prescrição do art. 37, par. 6o. antes citado: existe e é de natureza objetiva.

Ao nosso modo de ver, as razões de aplicação do dispositivo são óbvias. Primeiro, se o inciso LIV do art. 5o. do Texto estabelece que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal", conseqüentemente, o abuso das prisões cautelares, da prisão civil, e o desvio da execução representam, no conjunto, a VIOLAÇÃO do princípio do devido processo legal. Segundo, porque a interpretação isolada de um dispositivo afronta à coerência, à sistemática do próprio "SISTEMA JURÍDICO". Terceiro, através do método da auto-integração, apoiado no procedimento da analogia (ubi eadem ratio, ibi eadem dispositio), é possível completar o ordenamento e suprir o problema da lacuna(3).

Alguns Doutrinadores como ANTONIO SCARANCE FERNANDES(4) mantêm entendimento a respeito de que a indenização por ERRO JUDICIÁRIO e EXCESSO DE PRISÃO, art. 5o., LXXV, abrange as hipóteses de prisões cautelares (flagrante delito, preventiva, sentença de pronúncia, sentença recorrível). Todavia, a citada norma do art. 5o. LXXV da Constituição não fornece base legal para aplicação nestes casos de abuso. A mesma ressalva deve ser feita para outros como ALBERTO BITTENCOURT COTRIM NET(5), que dão interpretação demasiadamente extensiva à expressão ERRO JUDICIÁRIO, do art. 5o., LXXV, da CF, para incluir outras condenações de natureza civil, trabalhista, e eleitoral. Nestes casos, tanto quanto nos de abuso das prisões cautelares, civil e no desvio de execução, a responsabilidade do ESTADO é regida pela norma do art. 37, par. 6o. da Carta.

4. Outra questão interessante é a da prescindibilidade ou exigência da propositura da REVISÃO CRIMINAL, e conseqüente julgamento procedente, para o reconhecimento do ERRO JUDICIÁRIO. Inclusive dissemos acima que o ERRO JUDICIÁRIO corresponde às situações que dão ensejo à REVISÃO. Pois bem, segundo o art. 630 do Cód. de Proc. Penal, "O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos. Par. 1o. Por essa indenização, que será liquidada no cível, responderá (...)". Nota-se, então, que o instrumento REVISIONAL não constitui o único meio hábil para o reconhecimento do ERRO e CONDENAÇÃO ao pagamento da indenização correspondente, mas uma forma de preestabelecer a responsabilidade pelo dano, evitando, ao mesmo tempo, a necessidade de ajuizamento de ação autônoma. Aqui, a CONDENAÇÃO ocorre por ocasião do julgamento da REVISÃO e dá origem a um TÍTULO apto à execução forçada, após a devida liquidação(6).

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No caso do EXCESSO DE CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE, a concessão de habeas corpus ou deferimento de incidente em processo de execução da pena, previsto na LEP, constitui título hábil à promoção da ação reparatória.

A prescindibilidade da REVISÃO CRIMINAL é adotada por EUGÊNIO HADOCK LOBO & JULIO CESAR DO PRADO LEITE(7).

5. A incorreta atuação do Poder Público, inclusive através dos Órgãos do Poder Judiciário, pode acarretar graves prejuízos ao Administrado. E a reparação dos danos causados não significa mais do que uma obrigação decorrente do ESTADO DE DIREITO.

Se o Poder Público, no caso o ESTADO, não responde pela sua falta, pelo descumprimento à norma que editou, não há ESTADO, DIREITO, e tampouco DEMOCRACIA (8).

6. Conclusões:

I- a Constituição de 1988 não é permissiva de autorizar entendimento quanto à adoção da Teoria da irresponsabilidade do Estado, inclusive do Poder Judiciário;

II- a indenização fundada na desconstituição de Decisões Judiciais é decorrente da natureza objetiva da responsabilidade do Estado;

III- a definição do chamado ERRO JUDICIÁRIO vem prescrita no art. 621 do Cód. de Proc. Penal;

IV- é prescindível o uso da REVISÃO CRIMINAL para o reconhecimento do ERRO JUDICIÁRIO;

V- é aplicável aos demais casos de ERRO JUDICIÁRIO, onde haja condenação em lide não-penal, bem como nos de abuso de qualquer espécie de prisão, o disposto no art. 36, par. 6o. da Constituição Federal;

VI- a indenização constitui uma satisfação moral incapaz de recompor o dano causado à vítima do ABUSO (ERRO ou EXCESSO); a condenação será objeto de liquidação posterior.

7. Notas:

(1) CAVALCANTI, THAMÍSTOCLES BRANDÃO. CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO. Freitas Bastos, 9a. Ed., pg. 80;

(2) SILVA, JOSÉ AFONSO DA. CURSO DE DIREITO COSTITUCIONAL POSITIVO. RT, 6a. ed., pg. 165;

(2.1) FRANCO, AFONSO ARINOS DE MELO. O SOM DO OUTRO SINO, UM BREVIÁRIO LIBERAL. Civilização Brasileira, 1978, pg. 98, Verbis: "por que eles assim são chamados - direitos públicos individuais? Porque, evidentemente, são aqueles que o homem pode apresentar ou reivindicar contra o Poder Público e não contra uma competição verificada no seio da vida social.";

(3) BOBBIO, NORBERTO. TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO, EDUNB, 4a. ed., verbis: "Para se completar um ordenamento jurídico pode-se recorrer a dois métodos diferentes que poderemos chamar, segundo a terminologia de Carnelutti, de heterointegração e de auto-integração. (...) O segundo consiste na integração cumprida através do mesmo ordenamento, no mesmo âmbito da mesma fonte dominante, sem recorrência a outros ordenamentos e com o mínimo de recurso a fontes diversas da dominante. (...) O método da auto-integração apóia-se particularmente em dois procedimentos: 1) a analogia; 2) os princípios gerais do direito". pgs. 146, 147, e 150, respectivamente.

(4) FERNANDES, ANTONIO SCARANCE. CONSTITUIÇÃO FEDERAL - REFLEXOS NO DIREITO PENAL E NO DIREITO PROCESSUAL PENAL, in JUSTITIA, 144/65;

(5) COTRIM NETTO, ALBERTO BITTENCOURT. DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR ATOS DE JUIZ EM FACE DA CONSITUIÇÃO DE 1988, in AJURIS, pg. 99;

(6) WAMBIER, LUIZ RODRIGUES. LIQUIDAÇÃO DO DANO. Sérgio A. Fabris Editor, 1988, pg. 35. citando Antonio L. Montenegro, verbis: "liquidar o dano significa traduzir em termos monetários o seu montante, ou seja, determinar exatamente a prestação pecuniária objeto da obrigação de ressarcir.";

(7) LOBO, EUGÊNIO HADOCK; & LEITE, JULIO CESAR DO PRADO. COMENTÁRIOS À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Edições Trabalhistas, 1989, pgs. 133/134;

(7.1) SÉ, JOÃO SENTO. responsabilidade civil do estado - JUIZ in RDP 82/132, citando posição em contrário no item 5., e no mesmo sentido no item 6., onde conclui que: "A responsabilidade civil do Estado por atos dos juízes é um princípio injusto, enraizado na jurisprudência, e deve ser banido do Direito brasileiro. Pois isso mesmo, aproveitando a rara oportunidade de elaboração de um texto constitucional, propomos a inclusão na nova Constituição do Brasil, de um artigo prevendo expressamente a responsabilidade civil do estado por "ERRO JUDICIÁRIO" e por "FUNCIONAMENTO DEFEITUOSO DO SERVIÇO JUDICIÁRIO." A doutrina e a jurisprudência, posteriormente, explicitando e construindo o texto constitucional, certamente encontrarão uma solução sábia, prudente e equilibrada para a matéria.";

(8) FRANCO, AFONSO ARINOS DE MELO. idem, pg. 102, verbis: "Não há democracia sem uma definição adequada e sem a apresentação de garantias eficazes para os direitos individuais. A ausência disso é a ausência de democracia."

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Sobre o autor
Silvio Roberto Matos Euzébio

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Sergipe. Ex-juiz de Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EUZÉBIO, Silvio Roberto Matos. Reparação do erro judiciário e do cumprimento da pena privativa de liberdade além do tempo fixado na sentença. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 2, n. 7, 16 fev. 1997. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1112. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Trabalho publicado na Revista do Ministério Público do Estado de Sergipe, nº 07/48-53

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