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ITCMD paulista. Doações sucessivas.

Lançamento por homologação. Prazo decadencial

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08/04/2008 às 00:00
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Dúvida recorrente acerca do imposto de transmissão estadual incidente sobre doações refere-se ao prazo de decadência aplicável em caso onde existirem doações sucessivas, do mesmo doador para o mesmo donatário.

Nos termos da Lei Estadual nº 10.705, de 2000, havendo sucessivas doações entre os mesmos doador e donatário, serão consideradas todas as transmissões realizadas a esse título dentro de cada ano civil, devendo o imposto ser recalculado a cada nova doação, adicionando-se à base de cálculo os valores dos bens anteriormente transmitidos e deduzindo-se os valores dos impostos já recolhidos (art. 9º, § 3º).

Diante do silêncio da lei tributária estadual neste tocante, definição expressa de ano civil é dada pela Lei Federal nº 810, de 6 de setembro de 1949, que, em seu art. 1º, fixa-o como período de doze meses contado do dia do início ao dia e mês correspondentes do ano seguinte.

Assim sendo, ante situação onde a primeira doação fora feita no mês de dezembro, e a segunda no mês de janeiro do ano seguinte, se os valores somados por conta desta segunda transmissão superam as 2500 Unidades Fiscais do Estado de São Paulo, campo isencional estabelecido pela lei local, o prazo decadencial (questão absolutamente tormentosa em termos doutrinários e jurisprudenciais, abaixo explanada) terá, a nosso ver, sua contagem impulsionada por conta do segundo ato de vontade, que fará nascer a obrigação tributária principal, conforme analisaremos com mais detalhes a seguir. 

Em São Paulo, o imposto de transmissão sobre doações extrajudiciais é tributo sujeito ao lançamento por homologação, pois o legislador atribuiu ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, que, tomando conhecimento do cumprimento da obrigação pelo contribuinte, expressamente a homologa, podendo ocorrer também a chamada homologação tácita, ante o silêncio do fisco durante o período decadencial.

Nos termos do art. 150, § 4º do Código Tributário Nacional, se a lei não fixar prazo à homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador. Expirado esse qüinqüênio sem pronunciamento da Fazenda Pública considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito tributário, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.

Entre bom número de renomados doutrinadores, Luciano Amaro [01] traz que, inexistindo o pagamento antecipado, não tem lugar a homologação, sendo aplicável, para o caso, a regra do art. 173, I do mesmo CTN [02], e não a do art. 150 do mesmo diploma, a menos que a Fazenda antecipe-se ao primeiro dia do exercício seguinte, expedindo atos de preparação do lançamento, hipótese em que o termo inicial será o da notificação ao sujeito passivo, ainda no ano-calendário em que tivemos concretizado o fato jurídico tributário, conforme parágrafo único do próprio art. 173.

E os recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça apontam neste mesmo sentido, como podemos depreender das ementas abaixo, com nossos destaques:

PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL INADMITIDO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA TUTELA CAUTELAR. TRIBUTÁRIO. ISS. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA DE PAGAMENTO ANTECIPADO. APLICAÇÃO DO ART. 173, I, DO CTN. INEXISTÊNCIA DE PRAZO DECENAL PARA CONSTITUIÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. FUMUS BONI IURIS CARACTERIZADO. NECESSIDADE DE SUSPENSÃO DOS EFEITOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO E, VIA DE CONSEQÜÊNCIA, DA EXECUÇÃO FISCAL PROPOSTA PELO MUNICÍPIO DE ITAJAÍ (SC), PORQUANTO O PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO ENSEJARÁ O CUMPRIMENTO DA GARANTIA OFERECIDA (FIANÇA BANCÁRIA). PERICULUM IN MORA CONFIGURADO. MEDIDA CAUTELAR PROCEDENTE.

(MC 13.149/SC, Rel. Ministra  DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13.11.2007, DJ 17.12.2007 p. 123)

TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO ANTECIPADO. DECADÊNCIA. PRAZO QÜINQÜENAL. TERMO INICIAL. ART. 173, I, DO CTN. PRIMEIRO DIA DO EXERCÍCIO FINANCEIRO SEGUINTE À OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR. ART. 150, § 4º, DO CTN. APLICAÇÃO CONJUNTA. IMPOSSIBILIDADE.

I - Esta Corte adota entendimento de que o prazo para a constituição de crédito de tributo sujeito a lançamento por homologação, na hipótese em que não há pagamento da dívida, é de cinco anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte aquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado, nos termos do artigo 173, inciso I, do Código Tributário Nacional. Precedentes: REsp nº 733.915/SP, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 16/08/2007; EREsp nº 413.265/SC, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 30/10/2006; REsp nº 839.418/SC, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJ de 28/09/2006 e AgRg no Ag nº 717.345/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 28/09/2006.

II - Agravo regimental improvido.

(AgRg no REsp 949.060/RS, Rel. Ministro  FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09.10.2007, DJ 12.11.2007 p. 187)

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. DECADÊNCIA. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PAGAMENTO NÃO ANTECIPADO PELO CONTRIBUINTE. INCIDÊNCIA DO ART. 173, I, DO CTN. PRESCRIÇÃO. ART. 174 DO CTN. CITAÇÃO VÁLIDA. RECURSO DESPROVIDO.

1. O prazo decadencial para constituição do crédito tributário pode ser estabelecido da seguinte maneira: (a) em regra, segue-se o disposto no art. 173, I, do CTN, ou seja, o prazo é de cinco anos contados "do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado"; (b) nos tributos sujeitos a lançamento por homologação cujo pagamento ocorreu antecipadamente, o prazo é de cinco anos contados do fato gerador, nos termos do art. 150, § 4º, do CTN.

2. Em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação cujo pagamento não foi antecipado pelo contribuinte, deve ser aplicado o disposto no art. 173, I, do CTN.

3. Definitivamente constituído o crédito tributário, inicia-se o prazo prescricional para sua cobrança, de modo que o Fisco possui o lapso temporal de cinco anos para o ajuizamento da execução fiscal e, após, para a citação válida do executado, consoante previsto no art. 174 do CTN.

4. Na hipótese dos autos, o lançamento efetuou-se dentro do prazo de cinco anos em relação aos fatos geradores questionados, não ocorrendo, pois, o prazo decadencial previsto no art. 173 do CTN. Em seguida, o contribuinte foi notificado do auto de infração em 31 de dezembro de 1996, sem, contudo, apresentar impugnação do lançamento. A partir dessa data, então, o crédito tributário foi definitivamente constituído, iniciando-se, portanto, a contagem do prazo prescricional previsto no art. 174 do CTN. Por sua vez, a execução fiscal foi ajuizada em 8 de outubro de 1997 e a citação da empresa e de seus sócios ocorreu em 16 de março de 1998 (fls. 7/18). Assim, não se implementou a prescrição, tampouco a decadência.

5. Recurso especial desprovido.

(REsp 739.694/MG, Rel. Ministra  DENISE ARRUDA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02.10.2007, DJ 12.11.2007 p. 159)

TRIBUTÁRIO – ICMS – DECADÊNCIA – LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO (ART. 150, § 4º E 173 DO CTN).

1. Nas exações cujo lançamento se faz por homologação, havendo pagamento antecipado, conta-se o prazo decadencial a partir da ocorrência do fato gerador (art. 150, § 4º, do CTN). Somente quando não há pagamento antecipado, ou há prova de fraude, dolo ou simulação é que se aplica o disposto no art. 173, I, do CTN. Em normais circunstâncias, não se conjugam os dispositivos legais. Precedentes das Turmas de Direito Público e da Primeira Seção.

2. Hipótese dos autos em que não houve pagamento antecipado, aplicando-se a regra do art. 173, I, do CTN.

3. Crédito tributário fulminado pela decadência, nos termos do art. 156, V do CTN.

4. Recurso especial provido para extinguir a execução fiscal.

(REsp 733.915/SP, Rel. Ministra  ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 07.08.2007, DJ 16.08.2007 p. 309)

Diante destes elementos, vem à tona indagação acerca de qual seria, afinal, o "exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado", nos termos do estatuto tributário nacional.

A este respeito, vale trazer, mais uma vez, lição de Luciano Amaro:

[...] quando o art. 173 se refere (para definir o termo inicial do prazo de decadência) ao exercício seguinte àquele em que o lançamento "poderia ter sido efetuado", ele reporta-se ao exercício em que exista essa possibilidade, por uma razão de obviedade acaciana: se vai determinar prazo para lançar, o lapso temporal há de ser contado do início e não do fim... Assim, se o lançamento pode ser feito no ano de 1999 (porque nesse exercício se aperfeiçoam os pressupostos legais que ensejam o exercício do direito de lançar), o prazo começa a correr em 1º de janeiro de 2000. [03]

Pese embora a análise dos artigos 150, § 4º e 173, I do Código Tributário Nacional devesse levar a esta contagem, encontram-se manifestações relativamente recentes do STJ interpretando que, na ausência de pagamento antecipado do tributo, o prazo decadencial seria, na verdade, de dez anos, com o prazo de cinco anos para lançamento de ofício tendo início a contar da data em que se esgotara o qüinqüênio para homologação do lançamento. [04]

Tal inusitada construção jurisprudencial, ao que parece, acaba por refletir aquilo que Adriano Pinto, professor da UFCE e membro fundador do Instituto Cearense de Estudos Tributários verifica na vida social brasileira como

[...] realidade sinistra, onde a Administração Fazendária e, infelizmente, também juízes e tribunais utilizam o manto da supremacia do interesse público, como algo capaz de abrigar toda e qualquer alegação em favor do Estado, fazendo com que direitos e garantias, considerados pela Constituição Federal como fundamentais, sejam desconhecidos.

Confunde-se, propositadamente, o mero interesse fazendário com o interesse público, coletivo. [05]

E Luciano Amaro, um dos muitos autores a defender o início da contagem do prazo decadencial dentro das regras do inciso I do art. 173 do CTN quando não houve pagamento antecipado também é um dos antagonistas à tese dos dez anos trazida pelo STJ. Entre outros críticos de tal construção, vale citar Hugo de Brito Machado Segundo, que, embora com posição dissonante em relação à adoção do prazo do art. 173, I, tece considerações que conduzem à mesma verificação de impossibilidade da soma dos prazos dos artigos 150, § 4º e 173, I do CTN, no que, sua crítica à tese do tribunal superior encontra consonância com a autorizada doutrina do professor paulista, acima citada.

Vejamos a exposição de Hugo de Brito Machado Segundo neste tocante:

O equívoco no qual incorreram os construtores dessa tese, data venia, decorre de duas razões igualmente insustentáveis. A primeira delas consiste na indevida interpretação do art. 150, § 4º, transformando a ressalva nele contida para os casos de dolo, fraude ou simulação, casos nos quais a doutrina tem entendido aplicável a norma do art. 173, I, do CTN, em regra aplicável a todos os casos. A segunda razão, igualmente insustentável, está na interpretação atribuída ao art. 173, I, do CTN, no qual consta a expressão ‘do exercício seguinte àquele em que o lançamento poderia ter sido efetuado’, mas que tem sido entendida pelo STJ como significando ‘do exercício seguinte àquele em que o lançamento ainda poderia ter sido efetuado’.

É certo que a palavra ‘já’ não está escrita no questionado dispositivo, mas a sua compreensão exige que assim seja entendido, porque se sabe que o prazo decadencial tem início a partir do momento em que o direito a que se refere pode ser exercitado. Inadmissível é a compreensão da norma como se nela estivesse a palavra ‘ainda’, que também ali não está escrita, nem poderia estar, por imperativo lógico, sob pena de tornar infinito o prazo de caducidade do direito de lançar. Se o início do prazo extintivo desse direito ocorresse no exercício seguinte àquele em que o lançamento ainda pudesse ser feito, esse prazo sempre seria renovado, automaticamente. Um verdadeiro looping. [06] [original sem destaques]

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Na mesma obra, Kiyoshi Harada constata que a tese jurisprudencial aqui criticada não resiste sequer a um exame aritmético quando tenta juntar os prazos dos dois fragmentos, ocasião em que teríamos, na verdade, um prazo de onze, e não de dez anos, conforme coloca:

Aliás, o prazo de dez anos, adotado pela jurisprudência incorre até mesmo em erro aritmético, pois, se somarmos o prazo do § 4º do art. 150 do CTN ao prazo do art. 173, I, do mesmo diploma legal, o resultado será onze anos, e não dez anos, porque deverá ser excluído o exercício em que o lançamento poderia ser efetuado.

De fato, o termo inicial é o primeiro dia do exercício seguinte em que o lançamento poderia ter sido efetuado.

[...]

O prazo decenal, portanto, não encontra guarida nem na soma dos prazos de uma e de outra modalidade de lançamento, o que, por si só, já é uma ilegalidade. [07]

Dentro desta visão doutrinária, na hipótese aqui colocada para ilustração (primeira doação isenta, feita em dezembro, e a segunda no mês de janeiro do ano seguinte, com a soma superando o limite isencional), se não houve pagamento antecipado da obrigação, nem prévia e expressa homologação da apuração do imposto pela autoridade fazendária estadual [08], de acordo com o inciso I do art. 173 do CTN, o direito da Fazenda Pública constituir o crédito tributário extinguir-se-á passados 5 (cinco) anos, contados do primeiro dia do exercício seguinte àquele em que o imposto teria que ser recolhido, em razão da segunda doação.

Feitas duas doações, sendo a primeira em dezembro de 2006, isenta por conta de seu valor ser inferior às 2500 UFESPs, e a segunda doação em janeiro de 2007, com sua soma acarretando valor total superior ao isento, a contagem do prazo de decadência tem início a partir de 1º de janeiro de 2008.

O fato imponível, neste caso, não poderia ser outro que não o que ensejou a necessidade de soma dos valores para apuração da base de cálculo do ITCMD, acarretando na superação do limite de isenção e fazendo surgir a obrigação principal, já que não haveria falar-se em atos administrativos de formalização de cobrança quando da primeira concessão, dispensada de recolhimento em razão de seu valor.

E não nos parece razoável o argumento de que o fisco não teria condições de tomar ciência do ato volitivo que ensejou a obrigação de pagar já desde o momento de sua celebração.

Nas manifestações administrativas, citamos, à guisa de exemplo, a Consulta de Contribuinte nº 30, de 08/02/2007, onde a Consultoria Tributária da Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais assevera que o marco inicial para a contagem do prazo extintivo do direito de constituir o crédito tributário é o primeiro dia do exercício subseqüente àquele em que o Fisco toma conhecimento das informações necessárias ao lançamento, em caso envolvendo doação decorrente de excesso de meação cujo fato gerador ocorreu em 1997.

Num caso envolvendo, por exemplo, a doação de bem imóvel, admitir que o prazo decadencial pode correr de forma indefinida, até o momento em que o fisco tome conhecimento do fato jurídico tributário e efetue o lançamento seria, a nosso ver, admitir que os princípios administrativos da eficiência, razoabilidade e proporcionalidade sejam afrontados.

Nesta senda, novamente temos razões para invocar as considerações de Hugo de Brito Machado Segundo, que cita o autor português Alberto Pinheiro Xavier para ponderar que, se o caput do art. 150 do CTN [09] faz alusão à "tomada de conhecimento" da atividade do contribuinte pelos órgãos arrecadadores, devemos ter presente que o fisco, longe de ser um mero ente receptor de informações, tem seu dever de iniciativa de fiscalização na busca da verdade material, razão pela qual é dotado de poderoso arsenal de instrumentos viabilizadores de investigação. Neste sentido, a expressão "tomar conhecimento" não deve ser aceita com o mesmo sentido de "receber conhecimento". [10]

Os mecanismos empregados pela administração tributária para tanto, como os convênios celebrados entre as fazendas públicas federal, estadual e municipal, e o cruzamento de dados decorrente destes ajustes [11], apontam no sentido de qual deve ser o moderno enfoque dos entes tributantes visando a constituição do crédito tributário, não podendo prosperar interpretação casuística das normas relacionadas com a decadência, instituto que tem sua razão de ser na consecução da segurança jurídica. [12]

Vale ressaltar também que, nos termos da Lei Estadual nº 10.705, de 2000, notários e registradores estão obrigados a facultar aos encarregados da fiscalização, em cartório, o exame de livros, autos e papéis que interessem à arrecadação e fiscalização do ITCMD.

E quanto à relação jurídico-tributária e o lapso decadencial decorrente das doações sucessivas, outro aspecto merece ser levantado, que envolve a polêmica atinente à questão do ano civil.

A lei paulista, a exemplo da lei mineira (Lei Estadual nº 14.941, de 2003), entre outras, fala em ano civil sem definí-lo para os fins de aplicação no âmbito deste imposto de transmissão, o que se admite possível, à luz do art. 109 do CTN, embora tenhamos definição expressa dele na legislação em vigor, conforme vimos acima (Lei Federal nº 810, de 1949).

Mas isto não impede que a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo considere em seus procedimentos, de forma oficiosa, o ano civil como período equivalente ao chamado ano fiscal ou ano-calendário (de 1º de janeiro a 31 de dezembro), ainda que não exista manifestação oficial neste tocante sequer em norma complementar.

Perfilhamo-nos à lição de Antonio Herance Filho [13] naquilo que toca a aplicação do ano civil de que trata a Lei nº 810/1949 na tributação do ITCMD sobre doações sucessivas, pois também estamos convencidos de que o legislador, nestes casos, teve por intuito inibir condutas evasivas como o fracionamento de uma doação tributável em duas, no final de um ano fiscal e no início do seguinte, razão pela qual, não pode ter o editor da norma pensado no período correspondente ao ano-calendário, adotado na legislação de outras obrigações, como na do imposto de renda.

E acerca da regra que exclui da contagem do prazo qüinqüenal do citado art. 150, § 4º os casos de dolo, fraude ou simulação, cabe trazer também outra visão existente acerca da contagem do prazo de decadência, diversa da tese dos dez anos atualmente adotada pelo STJ e da tese do início de contagem a partir do ano seguinte, defendida por reputados doutrinadores, entre os quais Luciano Amaro, acima citado, bem como, pelo professor mineiro Sacha Calmon Navarro Coêlho. [14]

Se o contribuinte se abstém de efetuar o pagamento por considerar-se isento ao ter recebido doações do mesmo doador no final de um ano calendário e no início de outro (dentro do mesmo ano civil, em nossa visão), outra corrente doutrinária sustenta incabível a aplicação do inciso I do art. 173 do código para fins de contagem do prazo de decadência.

Além da doutrina de Hugo de Brito Machado Segundo, acima transcrita, quando falamos de sua crítica à tese dos dez anos, nas palavras de Fátima Fernandes Rodrigues de Souza, a interpretação do STJ, dando à falta de pagamento antecipado o mesmo tratamento destinado às ocorrências de dolo, fraude ou simulação, acaba por

[...] esvaziar de conteúdo o referido § 4º [do art. 150], que é incisivo em preceituar que, nos tributos sujeitos à homologação, o prazo decadencial é de cinco anos contado do fato gerador, exceto nos casos de dolo, fraude ou simulação. Não pode ser equiparada a essa hipótese a falta de recolhimento, pois ela pode ter decorrido de entendimento do contribuinte de que o tributo não seria devido em virtude de existência de isenção, por exemplo. [15]

Trata-se de corrente defensora de que o termo inicial deve depender unicamente da modalidade de lançamento ao qual se refere a lei (teoria objetiva ou teoria do regime jurídico de lançamento).

Para seus partidários, se o tributo pertence àqueles submetidos a lançamento por homologação, continuará a esse regime sujeito, e a omissão do contribuinte não teria o condão de consubstanciar dolo, fraude ou simulação, nem poderia a tais figuras equiparar-se. [16]

De todo modo, a controvérsia sobre o exato momento em que o prazo deve ter sua contagem impulsionada para fins de decadência (preclusão, nas palavras de Sacha Calmon) do crédito tributário não prejudica o que queremos concluir, dentro da delimitação dada ao presente trabalho, qual seja, que o marco inicial, principalmente em caso versando sobre transmissão de bem imóvel, não pode ficar ao alvedrio da administração fazendária, a partir de quando, casuisticamente, tomasse ciência do fato imponível da obrigação, como se o dever de lançar, ainda que constituindo dever, pudesse colocá-la num plano de mera passividade em relação à obtenção de informações que lhe permitissem exercer tal direito-dever.

Na conjectura em exame, não seria justo tratar como sonegador contribuinte que se crê isento, dentro de interpretação da legislação à qual o próprio fisco paulista acaba dando causa.

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Sobre o autor
Leandro de Paula Souza

Advogado, especialista em Direito Constitucional pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós-graduando em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária, membro da Consultoria INR, do Grupo SERAC e colunista do Boletim Eletrônico INR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Leandro Paula. ITCMD paulista. Doações sucessivas.: Lançamento por homologação. Prazo decadencial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1742, 8 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11138. Acesso em: 26 abr. 2024.

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