CONSIDERAÇÕES FINAIS
A distribuição exata de competências no sistema federal brasileiro em última análise depende do pronunciamento do Supremo Tribunal Federal sobre quem deve formular, tratar e implementar políticas públicas sobre determinados temas. Até pouco tempo, a interpretação do STF tendia ao centralismo, fortalecendo o Poder Legislativo da União quanto às competências concorrentes.
A gravidade da pandemia, aliada às limitadas respostas do Governo Federal à crise sanitária, levou Estados e Municípios a tomar e coordenar ações para combatê-la em nível local. Os conflitos políticos sobre as medidas de isolamento adotadas geraram conflitos judiciais entre os entes federais.
As decisões proferidas a partir desses conflitos demonstram um Supremo Tribunal Federal ativo que toma medidas contingentes para uma situação bem específica. Apesar de não demonstrar ser uma mudança permanente, as decisões, sobretudo da ADI 6341-DF (BRASIL,2020), trazem vários aprendizados, evidenciando aos atores políticos e à sociedade que a Corte Suprem confere sua atuação baseada não só na lei, mas, sobretudo na interpretação coerente e harmoniosa dos fatos e da Constituição Federal, buscando a sua máxima efetividade.
Assim, o Supremo Tribunal Federal pode ajustar rapidamente o entendimento anterior para resolver o problema de distribuição de poder dentro da federação. A pandemia mostra que, longe de construir um entendimento fixo, apenas com consistência teórica e abstrata, o STF é muito sensível sobre como aplicar nosso regime federal para cada contexto e suas necessidades essenciais. Nesse sentido, embora mantenha uma posição favorável à coordenação central das políticas na esfera federal, ele soube ajustar a situação exposta.
No entanto, deve-se notar que, apesar da decisão do STF na ADI 6341DF (BRASIL, 2020) ser geral, é claro que a autonomia dos governos estaduais e municipais não lhes confere o poder de arbitrariedade, principalmente quando de suas ações. podem afetar os interesses nacionais.
Por conseguinte, o STF fortaleceu a divisão vertical de competências em sua decisão, respeitou a autonomia dos governos estaduais e municipais, protegendo a competência legislativa da União sobre normas gerais no aspecto das competências concorrentes. Deve ser entendido também que, no interesse nacional da União, ou no regional dos Estados, e nos interesses locais dos Municípios, o conceito de federalismo cooperativo é fundamental para resposta ao COVID-19 e outras crises semelhantes que podem afetar a estrutura federal do Brasil.
REFERÊNCIAS
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Notas
1 Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/saude-e-vigilancia-sanitaria/2020/01/omsdeclara-emergencia-de-saude-publica-internacional-para-novo-coronavirus. Acesso em 12 nov. 2021.
Elaborado sob orientação de Graduado em Direito pela Universidade Federal do Piauí, Mestre em Direito pela UFPE, Procurador do Estado do Piauí.︎