No dia 13 de fevereiro próximo passado, o governo da Austrália apresentou ao Parlamento pedido oficial de desculpas aos aborígenes, nativos da Austrália que estavam no país há mais de sessenta mil anos antes da chegada dos colonizadores britânicos, ocorrida em 1788. Como verificado com os índios brasileiros quando do descobrimento da terra nova pelos portugueses, a chegada dos colonizadores britânicos importou sofrimento aos aborígenes.
O primeiro-ministro australiano, Kevin Rudd, formalizou pedido de desculpas aos primeiros habitantes daquele país pela dor, sofrimento e perdas decorrentes dos maus tratos a que foram submetidos durante anos, e à "geração roubada", designação dada às milhares de crianças aborígenes retiradas das famílias para assimilação entre 1910 e 1970.
Estima-se que, à época da chegada do colonizador português ao Brasil, havia 1 a 10 milhões de indivíduos. Após cinco séculos de espoliações e imposições de sofrimento, hoje cerca de 460 mil índios vivem em aldeias, distribuídos entre 225 sociedades indígenas. A FUNAI registra que entre 100 a 190 mil índios vivem fora de aldeias. São conhecidos como índios das cidades ou do asfalto.
O desaparecimento de milhares de índios e de inúmeras comunidades ocorreu em razão da violência imediata que sofreram, e da violência mediata representada na subtração de seus territórios. Neste 19 de abril, considerado o "dia do índio" por força do Decreto-Lei nº 5.540/1943, a emblemática providência adotada pelo Primeiro-Ministro australiano merece reflexão, sobretudo em razão de ter sido aprovada, em setembro de 2007, a Declaração das Nações Unidas Sobre os Direitos dos Povos Indígenas.
O documento constitui conjunto de normas mínimas para a sobrevivência, a dignidade e bem-estar dos povos indígenas. Assegura aos indígenas o desfrute pleno de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e o direito internacional dos direitos humanos, e afirma que todas as doutrinas, políticas e práticas baseadas na superioridade de povos ou pessoas são cientificamente falsas, juridicamente inválidas e moralmente condenáveis.
A Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas prevê diversas medidas para reparação dos prejuízos experimentados pelos índios desde a colonização, como o direito a reparação justa e eqüitativa aos povos despojados de seus meios de desenvolvimento e subsistência, e o direito dos indígenas à indenização pelas terras, territórios ou recursos que tenham sido confiscados, tomados ou ocupados sem o consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas atingidos.
A Declaração das Nações Unidas em comento garante aos povos indígenas a conservação e proteção do meio ambiente e da capacidade produtiva de suas terras, territórios e recursos, bem como do direito a procedimentos eqüitativos e justos para o acerto de controvérsias com o Estado ou outras partes, além de reparação efetiva para toda lesão a seus direitos individuais e coletivos. Dita, também, que os índios têm direito a não sofrer assimilação forçada ou destruição de sua cultura.
A Convenção 169 da OIT/1989 e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos são documentos que, junto com os demais instrumentos formadores do direito internacional dos direitos humanos, devem orientar todas as práticas do Governo, nortear os Tribunais na interpretação da Constituição e da legislação indigenista em vigor (leis feitas por não índios para regular as relações com os índios), e lastrear as relações entre a sociedade civil e a sociedade indígena.
Embora relevante e paradigmática a providência adotada pelo governo australiano para com os aborígenes, mais importante que a apresentação de pedido formal de desculpas aos índios brasileiros é o encontro de meios para assegurar eficácia e efetividade aos direitos consagrados aos índios na Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas/ONU-2007, na Convenção 169 da OIT/1989 e na Constituição Federal em vigor. Apesar dos esforços e de alguns avanços, muito tem que ser feito para tanto.
Na atualidade, a inclusão jurídica dos índios, vale dizer, o reconhecimento dos direitos dos índios, é fato. O desafio que se coloca relaciona-se com a real e efetiva aplicação dos direitos consagrados aos índios. Devem ser garantidos à FUNAI meios necessários para que possa atuar de forma a alcançar soluções às reivindicações indígenas, sobretudo no que toca à identificação e demarcação de terras.
O governo deve garantir os direitos dos índios sobre as terras que ocupam, encontrando formas eqüitativas para a realização de obras necessárias ao desenvolvimento, com respeito às culturas, costumes e práticas tradicionais próprias, como previsto na Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, na Convenção 169/OIT, e na Constituição. Como preconizado pela Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, o Estado deve adotar práticas hábeis a evitar a assimilação forçada e a destruição da cultura dos índios.
Independentemente do justo e devido pedido formal de desculpas aos povos indígenas, como feito pelo governo australiano em relação aos aborígines, o Governo deve encontrar meios para tornar efetivas disposições contidas na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, que preconizam o dever dos Estados de estabelecerem medidas adequadas para evitar a destruição da cultura dos índios, e reparar as injustiças históricas impostas aos índios há quinhentos anos.