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Reflexos previdenciários da redução da jornada 6x1

19/11/2024 às 18:24
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A arrecadação previdenciária está atrelada ao salário mensal, e não diretamente à jornada de trabalho.

A discussão sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da redução da jornada de trabalho no regime 6x1 — de uma carga horária semanal de 44 horas para 36 horas — tem ganhado destaque nas pautas do Congresso Nacional e no debate público brasileiro. Contudo, esse tema demanda uma análise aprofundada sobre os impactos na Previdência Social, seja pela possível redução nas contribuições previdenciárias, seja pelas repercussões nos gastos relacionados a acidentes e doenças ocupacionais. Este artigo analisa os principais pontos dessa proposta no contexto do sistema previdenciário.

Desde a reforma previdenciária que substituiu a aposentadoria por tempo de serviço pela aposentadoria por tempo de contribuição (EC 40/98), o que importa para o cálculo previdenciário é o valor e a regularidade das contribuições, e não a quantidade de horas trabalhadas. Assim, a arrecadação previdenciária está atrelada ao salário mensal, e não diretamente à jornada de trabalho.

1. Impacto sobre as Contribuições Previdenciárias

Um dos primeiros pontos de análise é se a redução da jornada acarretaria uma diminuição salarial. Trata-se de uma questão relevante, pois qualquer direito ou garantia concedido a um grupo (neste caso, os trabalhadores) precisa ser custeado por outro grupo (os empregadores) ou por toda a sociedade (governo). Em outras palavras, "não existe almoço grátis"; alguém precisará arcar com os custos dessa mudança.

Primeira hipótese: Redução da jornada com redução salarial – Impactos para o trabalhador

Nessa hipótese, a redução da jornada resultaria em uma queda proporcional no salário do trabalhador. Para exemplificar, suponha que a carga horária seja reduzida de 44 para 36 horas semanais, o que corresponde a uma diminuição de 18,18%. Caso José, um balconista contratado sob o regime celetista, receba atualmente um salário-mínimo de R$ 1.412,00 pela jornada de 44 horas, com a redução proporcional, ele passaria a ganhar R$ 1.155,29.

Atualmente, José contribui com 7,5% para a Previdência Social (R$ 105,90), recebendo um salário líquido de R$ 1.306,10. Com a redução da jornada e do salário, sua contribuição cairia para R$ 86,64, resultando em um salário líquido de R$ 1.068,65. No entanto, o trabalhador ainda precisaria complementar a contribuição previdenciária, visto que, desde a Reforma Previdenciária de 2019, a legislação exige que as contribuições sejam baseadas, no mínimo, no valor do salário-mínimo para garantir o acesso a benefícios como aposentadoria, auxílio-doença e pensão por morte.

José teria que recolher 7,5% sobre a diferença entre o novo salário (R$ 1.155,29) e o salário-mínimo (R$ 1.412,00), ou seja, 7,5% sobre R$ 256,71, o que equivale a R$ 19,25. Assim, seu salário líquido final seria de R$ 1.049,40 (R$ 1.155,29 - R$ 86,64 - R$ 19,25). A tabela a seguir ilustra essa situação:

Jornada

Salário Bruto

INSS

Salário Líquido

44 horas semanais

R$ 1.412,00

R$ 105,90

R$ 1.306,10

36 horas semanais

R$ 1.155,29

R$ 105,90

R$ 1.049,40

Para trabalhadores como José, essa mudança poderia representar um impacto financeiro significativo, pois muitos não teriam condições de arcar com a contribuição complementar, comprometendo sua condição de segurado da Previdência Social e o acesso a benefícios.

Segunda hipótese: Redução da jornada sem redução salarial – Impactos para o empregador

Caso a redução da jornada não implique redução salarial, os custos para os empregadores aumentariam significativamente. Empresas teriam que contratar mais funcionários para suprir a carga horária reduzida. Por exemplo, se a empresa contratante de José, a Loja Tudo de Bom, mantiver José com o mesmo salário, mas adotar a jornada 4x3, precisará contratar outro funcionário (Maria) com salário equivalente.

Nesse cenário, a contribuição previdenciária patronal (20% sobre a folha de pagamento) dobraria. Com um empregado, o custo era de R$ 282,40; com dois, seria de R$ 564,80. Além disso, a empresa arcaria com outros encargos, como o Seguro de Acidente de Trabalho (SAT), que varia entre 1% e 3%, e a contribuição adicional para aposentadoria especial, entre 6% e 12%.

Empresas geralmente repassam custos adicionais ao preço final de seus produtos ou serviços, o que pode impactar os consumidores.

2. Impacto sobre os Acidentes e as Doenças Ocupacionais

A redução da jornada pode ter efeitos positivos na saúde dos trabalhadores, reduzindo índices de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. Menores níveis de cansaço e estresse tendem a contribuir para a diminuição desses problemas. Para as empresas, isso significa menos custos com afastamentos e estabilidade pós-acidente, além de potencial redução na alíquota do SAT, que é calculada com base no histórico de acidentes da empresa.

Para o INSS, a redução de acidentes resultaria em economia, pois diminuiria o número de benefícios pagos por incapacidade, como auxílio-doença e aposentadoria por invalidez. No longo prazo, uma força de trabalho mais saudável pode gerar uma população economicamente mais ativa e produtiva, reduzindo a necessidade de benefícios assistenciais.

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Entretanto, a eficácia dessa medida depende de uma política salarial que permita ao trabalhador sustentar sua família sem recorrer a uma segunda ocupação, o que anularia os benefícios esperados da redução da carga horária.

3. Considerações Finais

A redução da jornada de trabalho no regime 6x1 é uma proposta complexa que exige a consideração de múltiplos fatores. É necessário analisar se haverá redução proporcional de salário ou se os custos serão transferidos para empregadores e consumidores.

Ao mesmo tempo, a diminuição da carga horária pode trazer benefícios, como a redução de acidentes e doenças ocupacionais, gerando economia para empresas e para o sistema previdenciário. Contudo, esses ganhos só serão efetivos se acompanhados de políticas que garantam uma qualidade de vida adequada ao trabalhador, evitando que ele precise buscar uma segunda jornada de trabalho.

Para que a redução da jornada contribua de forma efetiva para a qualidade de vida dos trabalhadores e para a sustentabilidade do sistema previdenciário, o debate deve considerar tanto os aspectos econômicos quanto sociais, buscando equilíbrio entre as necessidades da classe trabalhadora e a capacidade de financiamento do Estado.

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Sobre o autor
Jefferson Luiz Maleski

Advogado previdenciarista, palestrante pela Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB Seccional Goiás e professor universitário. Pós-graduado em Direito e Prática Previdenciária e mestrando em Educação Profissional e Tecnológica. Juiz do Tribunal de Ética da OAB Goiás no triênio 2022-2024. Perito judicial. Membro da banca Celso Cândido de Souza Advogados, em Anápolis/GO.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MALESKI, Jefferson Luiz. Reflexos previdenciários da redução da jornada 6x1. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7811, 19 nov. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/111727. Acesso em: 20 nov. 2024.

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