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Tentando entender a tentativa: os alegados crimes de 15.12.2022

23/11/2024 às 09:00
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Os suspeitos não chegaram a ingressar em atos executórios e abortaram a operação sem realizar nenhum atentado. Significa que apenas houve cogitação e atos preparatórios, o que é penalmente indiferente.

As últimas notícias dão conta de que um grupo de militares teria planejado matar o Presidente Lula, o Vice–Presidente Geraldo Alckmin e o Ministro do STF, Alexandre de Moraes. Tal grupo teria perpetrado atos preparatórios, chegando a sair às ruas de Brasília em data de 15.12.2022, mas teria abortado a possível operação por motivos segundo consta até então desconhecidos. Não houve atentado contra ninguém de forma efetiva. 1

Uma análise será realizada de maneira perfunctória com base no que tem sido noticiado, razão pela qual, se há outras informações, se houve algum efetivo ataque a alguém ou mesmo tentativa, então nossas conclusões não serão válidas e dependerão de outras análises. Porém, não pode ser de outra maneira, já que tudo se opera sempre em segredo e só há acesso seletivo a informações. De qualquer forma, parece improvável que se houvesse algum efetivo atentado já não teria sido divulgado há tempos.

Considerando então o quadro noticiado, temos que os possíveis tipos penais aplicáveis seriam os seguintes:

Com relação ao intento de matar as duas figuras políticas e a judicial envolvidas seria possível, ao menos inicialmente, formular a hipótese de tentativa de homicídio qualificado (artigo 121, § 2º. c/c 14, II, CP). Não é viável indicar qual inciso do § 2º. do artigo 121, CP poderia ser aplicado à espécie porque não houve, ao que consta, atos de execução e nem há maiores detalhamentos. Seria factível já entrever ao menos, em tese, “motivo torpe” (inciso I), considerando que a motivação seria ligada a um golpe de Estado. Não seria praticável, com relação às mortes, eventual tipificação especial, conforme ocorria com o artigo 29 c/c 26 da Lei 7.170/83 (Lei de Segurança Nacional), já que esses dispositivos encontram-se revogados expressamente pela Lei 14.197/21 (artigo 4º.) que criou os “Crimes Contra o Estado Democrático de Direito” e no bojo da qual não se encontra previsão similar. Dessa maneira, a morte de autoridades elencadas anteriormente pela LSN torna-se um homicídio comum, conforme previsão do Código Penal, ainda que com motivações de índole política.

Além disso, poder-se-ia cogitar de aplicação dos artigos 359 – L e 359-M, ambos do Código Penal, considerando tentativas violentas de abolição do Estado Democrático de Direito, bem como deposição de governo legitimamente constituído.

Contudo, há um grande problema, não para a devida investigação do caso e busca de eventuais infrações penais (afinal, são imputações graves e preocupantes), mas para o alarde desses tipos penais acima mencionados.

O problema é que existe algo chamado na doutrina de “Iter Criminis”, ou seja, o caminho do crime. Ele inicia na cogitação, passa pelos atos preparatórios, pelos atos executórios para chegar à consumação. Bem, a cogitação é a mera representação mental, o desejo de cometer o crime. Isso, obviamente, é um indiferente penal. Só pode ser desvalorado sob o ponto de vista moral ou mesmo religioso (pecado). Também não há possibilidade de punir os meros atos preparatórios, nem mesmo a título de tentativa. Para que a tentativa seja punível é imprescindível que ao menos tenha sido “iniciada a execução” (inteligência de texto expresso do artigo 14, II, CP).

Como resta evidenciado em toda a narrativa, os suspeitos não chegaram a ingressar em “atos executórios” e abortaram a operação sem realizar nenhum atentado. Significa que apenas houve cogitação e atos preparatórios, o que é penalmente indiferente.

Além disso, é fato que não houve intervenção de terceiros (v.g. Polícia), mas os envolvidos teriam simplesmente desistido da execução de seus planos, seja por que motivo for, já que não foi por motivo alheio às suas vontades. Isso, no mínimo, (afora a questão do “Iter Criminis”), significa a presença da figura da “Desistência Voluntária”, conforme previsão do artigo 15, CP. O agente que desiste voluntariamente de prosseguir na execução, só responde pelos atos já praticados. Sendo os atos já praticados indiferentes penais no que tange aos crimes de homicídio e contra o Estado Democrático, significa dizer e concluir que não respondem penalmente por absolutamente nada. Ainda que os delitos previstos nos artigos 359 – L e 359-M, CP sejam “crimes–obstáculo”, nos quais a tentativa é equiparada à consumação, nada se altera quanto à exigência penal de que o agente tenha ao menos iniciado a execução, ao menos tentado praticar o ilícito. Atos preparatórios não são equiparados, mas tão somente a tentativa.

O único ilícito que admite a punição de meros atos preparatórios na legislação brasileira é o crime de terrorismo (inteligência do artigo 5º., da Lei 13.260/16). No entanto, a prática de “terrorismo político” não conta com previsão legal na lei brasileira (inteligência do artigo 2º., da Lei 13.260/16). Ou seja, aqui o fato seria atípico.

Ao que consta até o momento, não é possível atribuir aos envolvidos a formação de uma Organização Criminosa, já que o grupo parece não contar com nenhuma característica essencial dessas facções, afora o envolvimento de 4 ou mais pessoas, que é insuficiente para a configuração de uma organização dessa espécie. Mesmo uma estrutura básica, com liderança não é suficiente, isso qualquer “quadrilha” ou “bando” criminoso tem. Haveria de se comprovar uma estrutura hierárquica ao estilo empresarial, atuação internacional ou nacional, influência nos poderes estatais, influência política, capacidade de intimidação de autoridades e pessoas em geral, capacidade de corrupção de funcionários públicos etc.. A deficiência do grupo é comprovada até mesmo pelo (felizmente) miserável fracasso de suas empreitadas (inteligência do artigo 2º. c/c artigo 1º., § 1º., da Lei 12.850/13).

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O que pode se configurar, comprovando-se as finalidades criminosas, o liame subjetivo entre os envolvidos e o emprego de armamentos, é tão somente o crime de “Associação Criminosa”, nos termos do artigo 288, Parágrafo Único, CP.

Nesse caso, considerando a possibilidade do aumento de pena pelo emprego de armamentos, seria até possível, em tese, a Prisão Preventiva, de acordo com o artigo 312 c/c 313, I, CPP, já que a pena máxima subiria para 4 anos e seis meses. Na forma simples, porém, não caberia essa espécie de prisão, já que a pena máxima “in abstracto” é de somente 3 anos. Um problema, neste ponto, é que não se sabe ao certo se realmente havia armamentos envolvidos, se houve apreensões ou se há somente boatos e narrativas. A preventiva ainda dependeria da devida fundamentação acerca dos requisitos e fundamentos previstos no artigo 312, CPP, o que só pode ser objeto de avaliação com acesso aos autos integrais e às decisões e seus argumentos. Não há possibilidade de análise efetiva, portanto, dado o segredo que permeia todas essas investigações.

Seria possível a decretação, para fins de investigação, comprovando-se a necessidade, da Prisão Temporária, eis que o crime de “Associação Criminosa” (artigo 288, CP) está no elenco que admite essa espécie de contrição (mesmo em sua forma simples), embora ainda com o antigo “nomen juris” de “quadrilha ou bando”, conforme artigo 1º., I e III, “l”, da Lei 7.960/89.

Contudo, não se sabe ao certo se a prisão decretada foi a preventiva ou temporária, se estão sendo imputados crimes que não se configuram, conforme acima mencionado ou o único aplicável legalmente à espécie. Fato é que, num Estado Democrático de Direito, que estaria abalado por uma conduta como a dos suspeitos do caso concreto sob análise, o ideal seria primar por uma publicidade dos procedimentos, seja para fins endoprocessuais (ampla defesa), seja extraprocessuais (fiscalização da população). Da forma como as coisas são conduzidas, incluindo o fato de que uma potencial vítima estaria à cabeça da investigação, torna-se difícil obter credibilidade e legitimidade jurídicas. Mas, será que alguém está realmente preocupado com isso?


Nota

1 MARTINS. Letícia. O que deu errado no plano de golpe que mataria Lula, Alkmin e Moraes? Veja outras perguntas sem respostas. Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/politica/o-que-deu-errado-no-plano-de-golpe-que-mataria-lula-alckmin-e-moraes-veja-outras-perguntas-sem-respostas/ , acesso em 21.11.2022.

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Sobre o autor
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Tentando entender a tentativa: os alegados crimes de 15.12.2022. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7815, 23 nov. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/111872. Acesso em: 25 nov. 2024.

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