A responsabilidade civil do fornecedor frente ao mercado digital
Começa-se o presente tópico com conceitos doutrinários fundamentais na responsabilidade civil consumerista, diferente da responsabilidade civil pura. Primeiramente, o CDC consagra a responsabilidade objetiva e solidária entre os causadores de danos patrimoniais ou personalíssimos, individuais, difusos ou coletivos aos consumidores. Entende-se por responsabilidade solidária que todos os envolvidos na cadeia de consumo que contribuíram para os danos ao consumidor, devem repará-lo integralmente, pelo princípio da reparação integral dos danos do art. 6°, VI do CDC. Além disso, a responsabilidade civil no Direito do Consumidor é objetiva, ou seja, “não tem o consumidor o ônus de comprovar a culpa dos réus nas hipóteses de vícios ou defeitos dos produtos ou serviços”, como bem leciona Flávio Tartuce11.
Difere a responsabilidade civil no Código Civil vigente, porquanto nesses ramos, a regra é a responsabilidade subjetiva, pois “a boa-fé é presumida e má-fé se prova”, constituindo a responsabilidade objetiva como uma exceção, nos termos seguintes do CC/2002:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem (BRASIL, 2002).
Desse modo, no Direito Civil contemporâneo pelo próprio CC/2002, há a responsabilidade objetiva, como enuncia o parágrafo único do dispositivo legal acima citado, quando, em regra, a lei especificar. Já no Direito do Consumidor, a responsabilidade objetiva por fato ou vício no produto ou serviço é objetiva, sem culpa, incumbindo o ônus da prova para o fornecedor, devido à vulnerabilidade, pressuposto, e hipossuficiência do consumidor, seja ele hipossuficiente fático, técnico ou econômico.
Os tipos de responsabilidade são: vício no produto ou no serviço e defeito ou fato do produto ou do serviço. O primeiro, vício no produto, encontra-se no art. 18 do CDC, enunciando o seguinte:
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço (BRASIL, 1990).
Já o fato do produto é diferente, pois ele causa danos externos ao consumidor, não ficando adstrito ao produto ou ao serviço, como bem enuncia o art. 12 do CDC:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - sua apresentação;
II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi colocado em circulação (BRASIL, 1990).
O fato do produto ou o seu defeito, deve-se diferenciar e atentar do vício, é de responsabilidade principal do fornecedor ou fabricante, mas subsidiária do comerciante deste produto.
O vício do serviço, por outro lado, encontra-se no art. 20 do CDC:
Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;
II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;
III - o abatimento proporcional do preço (BRASIL, 1990).
O fato do serviço se encontra no artigo O fato do serviço se encontra no artigo 14 do CDC:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I - o modo de seu fornecimento;
II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III - a época em que foi fornecido.
§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.
§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:
I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;
II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (BRASIL, 1990).
Indo para o mundo digital, ocorre muitas vezes vícios em produtos e serviços comprados on-line, sem o devido suporte técnico dos fornecedores. Todavia, deve haver a responsabilização destes, visto que na internet e no mundo globalizado, os consumidores se encontram cada vez mais vulneráveis, quiçá hiper vulneráveis, e hipossuficientes, devendo o CDC responsabilizar de forma objetiva, solidária e com inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6°, VIII da Lei consumerista, os fornecedores que causarem danos patrimoniais, em caso de vícios ocultos ou não, e os próprios direitos personalíssimos dos consumidores, em caso de fato ou defeito no produto (causadores de danos externos aos adquirentes), pois na internet a veracidade de informações é bastante questionável, comprando os consumidores, muitas vezes, produtos ou serviços de procedência duvidosa, por erro, ignorância ou falta de conhecimento – demonstrando, ante o exposto, a hipossuficiência do consumidor médio e sua hiper vulnerabilidade frente aos produtos ou serviços de procedência duvidosa, por erro, ignorância ou falta de conhecimento – demonstrando, ante o exposto, a hipossuficiência do consumidor médio e sua hiper vulnerabilidade.
Conclusão
Conclui-se, diante do exposto, que a incidência do Código de Defesa do Consumidor é uma ordem constitucional do art. 5°, XXXII da CF/1988 – norma de eficácia limitada e programática. Deve ela ser respeitada, tendo sua eficácia plena na realidade, principalmente com a era tecnológica e o advento da universalização da internet e das compras on-line.
Desse modo, o CDC deve prosseguir abarcando o mercado consumidor digital, visto que este gera injustiças extremas aos consumidores, principalmente os citados no art. 39, IV do CDC, chamados pela doutrina de hiper vulneráveis:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
IV - Prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços (Brasil, 1990)
Também, deve responsabilizar objetivamente os fornecedores que agirem na ilicitude, sem prestar devidas assistência ao consumidor, e quando ocorrer fato do produto ou vício neste, reparar integralmente os danos causados, tanto os patrimoniais quanto os personalíssimos, tangente estes à vida, saúde e segurança dos consumidores, enunciados abaixo:
Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito (Brasil, 1990).
O mercado digital, por ser bastante recente, é ainda uma terra sem lei, devendo o Estado Democrático de Direito regular pela Lei 8.078/1990 esse mercado consumidor on-line, tendo em vista que a regulação dele trará maior segurança jurídica para os consumidores, no que tange aos seus direitos fundamentais, não ficando apenas à cargo da jurisprudência pátria decidir sobre os problemas que tangem aos danos causados pelos mercados digitais perante os consumidores, individualmente e coletivamente.
Referências Bibliográficas
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