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Do poder investigatório do Ministério Público.

Contradições do RHC 81.326-DF

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28/04/2008 às 00:00
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O trabalho busca combater a atual visão do Supremo Tribunal Federal e demonstrar que o Ministério Público possui atribuição para investigar, na esfera criminal, fatos tipificados como delituosos.

"Ainda pior que a convicção do não é a incerteza do talvez é a desilusão de um quase. É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi...

O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si. Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance; para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência, porém, preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer..."

Autor Desconhecido


RESUMO

O presente trabalho visa combater a atual visão do Supremo Tribunal Federal e demonstrar que o Ministério Público é dotado de atribuição constitucional e infraconstitucional para investigar, na esfera criminal, fatos tipificados como delituosos. Neste sentido, analisa-se vasta literatura jurídica (livros, artigos, periódicos, jurisprudências e legislações), que comprova a legitimidade do Parquet para realizar diligências investigatórias no âmbito penal. A defesa desta idéia é de alta relevância, pois, atualmente, há no meio jurídico grande polêmica acerca deste tema. Diariamente, Juizes, Advogados, Procuradores e Promotores de Justiça têm travado discussões em relação a constitucionalidade da atuação ministerial nesta seara criminal. O que se almeja neste trabalho é tentar incutir na consciência jurídica nacional a idéia de que o Ministério Público é um órgão constitucionalmente dotado de poder para investigar criminalmente infrações penais e não apenas e exclusivamente a polícia judiciária. Para isso, destacar-se-á a importância da atuação ministerial na conjuntura sócio-jurídica existente no Brasil, além da crítica que será desenvolvida ao contemporâneo posicionamento do Supremo Tribunal Federal.

Palavras-Chave:1. Processo Penal 2. Legitimidade do Ministério Público 3. Investigação Criminal


ABSTRACT

This work aims at criticizing the Supreme Court’s point of view and proving that the Prosecution Service can, according to the Constitution and to ordinary laws, investigate crimes. It is based on a great number of Law books, articles, decisions and laws, which corroborate that the Prosecution Service is permitted to investigate criminal facts. The subject turns out to be extremely important nowadays, since it is been thoroughly discussed in Brazil. Every day, judges, lawyers and prosecutors discuss the constitutionality of the Prosecution Service criminal investigations. Finally, this work aims at highlighting how important the Prosecution Service’s work is to help us achieve what the Constitution calls "social justice", making people aware of the fact that the Prosecution Service, as well as the police, is constitutionally allowed to investigate crimes.

Key Word:

1. Process Penal.2. Prosecution Service’s Legitimation 3. Investigation Criminal


SUMÁRIO:INTRODUÇÃO. CAPÍTULO I – DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1.1.Origem e Aspectos Gerais. 1.2 A atuação do Ministério Público. CAPÍTULO II – DO PODER MINISTERIAL PARA INVESTIGAR INFRAÇÕES PENAIS. 2.1 Da Conjuntura Jurídico-Social. 2.2. Da inserção do Ministério Público na atual conjuntura jurídico-social. 2.3. Do respaldo legal para a investigação criminal pelo Ministério Público. CAPÍTULO III – DO POSICIONAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RHC 81.326-DF): PONTOS CONTROVERTIDOS. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

Atualmente, existe grande celeuma acerca da existência, ou não, de legitimidade no Ministério Público para realizar, diretamente, investigações criminais na fase pré-processual.

Os operadores do direito brasileiro divergem, em muito, nas opiniões sobre o tema em cotejo, instalando-se verdadeira guerra de argumentos a favor e contra a investigação em referência.

Apoiando-se no que preceitua a Constituição da República Federativa do Brasil, bem como em normas infraconstitucionais existentes no direito brasileiro, o presente trabalho tem como objetivo minimizar a dúvida sob cogitação, no sentido de comprovar a possibilidade de o Parquet investigar na seara criminal, além de combater de frente com o recente pronunciamento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que se posicionou contra a atuação ministerial na fase investigatória pré-processual.

Entende-se por investigação criminal o procedimento através do qual uma autoridade pública, normalmente os integrantes da polícia, diligencia no tocante a fatos tipificados como criminosos, averiguando a autoria e a materialidade do delito, a fim de proporcionar ao Estado, por meio do Ministério Público ou ao ofendido, nas ações privadas, a possibilidade de ingressar com a ação penal pública, através da denúncia, ou com a queixa-crime.

A Carta Magna conceitua o Ministério Público como uma Instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbida da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, além de conferir-lhe privatividade na ação penal pública.

Assim, entendendo a investigação criminal como procedimento preparatório para a instauração da ação penal pública e o Órgão Ministerial como uma Instituição do Estado, responsável pela ordem jurídica, pelo regime democrático e pelos interesses sociais e individuais indisponíveis, além de agente titular exclusivo da ação penal pública, não há como não compreender que a ele cabe investigar criminalmente, desde que estejam em jogo alguns desses bens juridicamente tutelados.

A atual conjuntura jurídico-social clama por um Ministério Público mais atuante junto aos verdadeiros interesses da sociedade, e é nesse sentido que o presente trabalho se desenvolverá, procurando provar que a investigação criminal realizada diretamente pelo Parquet só servirá para beneficiar a sociedade.

No primeiro capítulo, será feita uma análise histórica da evolução do Ministério Público, visando demonstrar que seu desenvolvimento no tempo serviu para consolidar a força que ele possui na atualidade, além de uma breve explanação sobre a atuação desse Órgão.

Já no segundo capítulo, após contextualização temporal do momento em que se vive, bem como da inserção do Órgão Ministerial dentro desta conjuntura, serão trazidos à baila todos os argumentos que embasam a idéia do presente trabalho, no sentido de comprovar que o Mistério Público pode investigar criminalmente.

Finalmente, no último capítulo, será feita uma crítica à atual posição do Supremo Tribunal Federal.

A metodologia adotada baseia-se em pesquisas de textos legais, doutrina, jurisprudência e artigos de maneira que, após uma abordagem teórica no decorrer dos capítulos, concluiremos que a atuação efetiva do Ministério Público, na área investigatória, é, entre outras coisas, corolário de sua privatividade constitucional na promoção da ação penal pública.

Serão utilizados os preceitos normativos da Constituição Federal de 1988, das Leis nº 75/93 e 8.625/93, bem como do Código de Processo Penal, além de inúmeros argumentos extraídos da vasta doutrina sobre o tema.

A escolha do tema foi motivada pela polêmica que se instalou no meio jurídico a partir de decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal no R.H.C. nº 81.326-DF, no sentido de afastar a possibilidade de investigação criminal direta pelos órgãos do Ministério Público, fazendo tábula rasa da função persecutória institucional a ele inerente, conferida pela Constituição da República de 1988.

Considerando meramente exemplificativo o rol de atribuições inerentes ao Ministério Público constante no art. 129 da Constituição da República, o tema nos convida a uma reflexão acerca da importância do reconhecimento de que os atos de investigação criminal não são exclusivos da polícia judiciária, e sendo assim, não podemos negar a vigência, eficácia e validade das normas infraconstitucionais que legitimam uma atuação direta do Ministério Público, desde que compatíveis com sua finalidade constitucional.

Nosso trabalho, enfim, convida a uma ponderação objetiva em torno dos principais elementos que nos dão sustentação na defesa do poder conferido ao Ministério Público - legítimo representante de parcela da soberania estatal – de proceder investigação também na seara criminal.

Sem a pretensão de esgotar o debate em torno do assunto, em face de nossas naturais limitações, a par de uma pesquisa seletiva e estabelecendo prioridades, pretendemos contribuir com o presente trabalho para o debate acadêmico, que servirá de base para a obtenção de melhores resultados no dia-a-dia daqueles responsáveis pela práxis da investigação criminal.


CAPÍTULO I – DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Como explanado por Hugo Nigro Mazzili [01] e Marcos Kac [02], não há consenso na doutrina quanto à origem do Mistério Público (M.P.). Segundo eles, uma corrente alega ter sido o seu nascimento no antigo Egito, aproximadamente há 4.000 a.C., caracterizado no funcionário real do Egito, Magiai, que estava incumbido, entre outras coisas, de denunciar as práticas criminosas aos Magistrados legalmente constituídos para tal desiderato, além de castigar os rebeldes, reprimir os violentos e proteger os cidadãos pacíficos.

De acordo com os autores supra, outra corrente acredita que o M.P. teve sua origem nos Éforos da Espanha, que, embora Juízes, equilibravam os poderes real e senatorial, exercendo o ius accusationiis, ou, ainda, nos Thesmotetis ou Tesmãtetas gregos, forma embrionária de acusador público.

Segundo Mazzilli e Kac, há, também, quem lembre [03] dos Advocatus Fisci e dos Procuratores Caeseris de Roma, cuja função era vigiar a administração de bens do Imperador, como possibilidade para o surgimento do M.P., além da corrente que fala do surgimento do Parquet na Idade Média, nos Saions germânicos, nos Bailios e Senescais, defensores dos senhores feudais em juízo, ou, ainda, nos Missi Dominici ou Gastaldi do direito lombardo ou, também, no Gemeiner Auklager (acusador comum) da Alemanha, responsável pela acusação quando o particular permanecia passivo.

Os autores em referência lembram também que em 1289, em Portugal, sob o reinado de Afonso III, já existia o Procurador da Coroa e, em 1387, o Rei Don Juan I criou El Ministerio Fiscal, Órgão dotado de certa semelhança com o M.P. atual.

Ainda em conformidade com o exposto por Mazzilli e Kac, outros doutrinadores, como Marcio Incarato, Manzini e Pertile, entendem ter o M.P. sua origem na Itália medieval, caracterizado no avvogadori di communi, da Veneza medieval; no avvocato della corte, do reino de Nápoles; e nos conservatori delle leggi, da Florença dos Gonfalonieri do início do século XIII.

Apesar dessas inúmeras correntes de pensamento enumeradas, os autores sob cogitação afirmam que a majoritária inclina-se pela procedência francesa. A expressão Ministério Público, como hoje se conhece, nasceu na França do século XVIII, onde os Procuradores eram defensores da coroa, do Rei e de toda a sociedade.

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Em 1302, a França criou o M.P., referindo-se aos Procuradores do Rei, que, inicialmente, zelavam apenas pelos interesses privados do soberano e, com o passar do tempo, passaram a exercer funções de interesse próprio do Estado.

Em 1790, através de decreto, seus agentes passaram a ter vitaliciedade, ou seja, seriam nomeados pelo Rei e só poderiam ser demitidos por comprovada corrupção.

A Revolução Francesa estruturou melhor o Órgão Ministerial enquanto Instituição, pois conferiu garantias a seus integrantes; já os textos napoleônicos instituíram o M.P. que a França conhece na atualidade.

Tendo em vista essas várias teorias, conclui-se que o M.P. não nasceu repentinamente, devido a algum ato legislativo, mas que se formou lenta e progressivamente, em resposta às exigências históricas da sociedade.

No Brasil, o M.P. percorreu longa caminhada jurídico-social até adquirir a força que a atual Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988 (C.F./88), conferiu-lhe.

O desenvolvimento do Parquet brasileiro, até após a independência, esteve ligado ao velho direito português.

Em 1609, o Procurador da Coroa e da Fazenda era o Promotor de Justiça.

No Brasil-Colônia e no Brasil-Império, o Procurador-Geral ainda centralizava o ofício, mas não passava de um agente do Poder Executivo, sem haver propriamente uma Instituição, nem garantia ou independência dos Promotores Públicos.

Na vigência da Constituição de 1824, o Procurador da Coroa e Soberania Nacional passou a ser competente para acusação no juízo de crimes comuns e o Código de Processo Criminal do Império, de 1832, continha uma seção reservada aos Promotores, com os primeiros requisitos de nomeação e principais atribuições.

Em 1841, os Promotores passaram a ser nomeados por tempo indefinido, pelo Imperador, no município da Corte, e pelos Presidentes, nas províncias. Eles serviriam enquanto conviesse a sua conservação ao serviço público, sendo, caso contrário, indistintamente demitidos.

A primeira Constituição da República, de 1891, não fez alusão ao M.P. enquanto Instituição, só se referindo à escolha do Procurador-Geral e a sua iniciativa na revisão criminal pro reo.

O Parquet do Brasil se desenvolveu no período republicano. O Código de Processo Penal (C.P.P.) de 1941 garantiu-lhe o poder de requisição de Inquérito Policial e diligências. Tornou-se regra sua titularidade na promoção da ação penal pública, foi-lhe cometida a tarefa de promover e fiscalizar a execução da lei e, no direito civil, o M.P. conquistou importante papel, tanto como Órgão agente, quanto interveniente.

Em 1981, a primeira Lei Orgânica Nacional do M.P. definiu um estatuto básico e uniforme para o M.P. nacional, com suas principais atribuições, garantias e vedações. Já em 1985, a Lei da Ação Civil Pública conferiu ao Órgão Ministerial a iniciativa na promoção de ações para a proteção de interesses difusos e coletivos. A C.F./88, por sua vez, conferiu ao M.P. seu maior crescimento. Nesse sentido, Alexandre de Moraes entende que

(...) a Constituição Federal de 1988 ampliou sobremaneira as funções do Ministério Público, transformando em um verdadeiro defensor da sociedade, tanto no campo penal com a titularidade exclusiva da ação penal pública (cf. comentário sobre art. 5º, LIX) quanto no campo cível como fiscal dos demais Poderes Públicos e defensor da legalidade e moralidade administrativa, inclusive com a titularidade do inquérito civil e da ação civil pública. [04]

Leis ulteriores à C.F./88 desenvolveram a atuação do M.P. ainda mais, tornando-o presente nos procedimentos que envolvem a pessoa portadora de deficiência, os investidores do mercado de valores mobiliários, as crianças e os adolescentes, o consumidor e outros interesses difusos e coletivos, além da proteção ao patrimônio público, à ordem econômica e à livre concorrência.

A Lei Maior, em seu art. 127, conceitua o M.P. como Instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe da defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, ou seja, trata do interesse público social.

A Carta Magna situa o Órgão Ministerial em capítulo especial, fora da estrutura dos demais poderes da República, consagrando sua total autonomia e independência e ampliando-lhe as funções, sempre em defesa dos direitos, garantias e prerrogativas da sociedade.

Para o constitucionalista Alexandre de Moraes,

(...) o legislador constituinte criou, dentro do respeito à teoria dos ‘freios e contrapesos’ (cheks and balances), um órgão autônomo e independente deslocado da estrutura de qualquer dos Poderes do Estado, um verdadeiro fiscal da perpetuidade da federação, da Separação de Poderes, da legalidade e moralidade pública, do regime democrático e dos direitos e garantias individuais: o Ministério Público. [05]

O M.P. é um Órgão do Estado, e não do Governo, que zela por interesses indisponíveis ou de larga abrangência social. Sua presença será essencial à prestação jurisdicional sempre que estiverem em jogo interesses sociais e individuais indisponíveis e quando, ainda que não haja indisponibilidade do interesse, a lei considere conveniente sua atuação em defesa do bem geral.

No que tange à defesa dos interesses indisponíveis, em geral, mas não necessariamente, o zelo pela indisponibilidade do interesse está presente na atuação do M.P. Nesse sentido, Hugo Nigro Mazzilli argumenta que o M.P.:

(...) a) ou zela para que não haja disposição de interesse que a lei considera indisponível; b) ou, nos casos de indisponibilidade relativa, zela para que a disposição do interesse seja conforme às exigências da lei; c) ou zela pela prevalência do bem comum, nos casos em que não haja indisponibilidade do interesse, nem absoluta nem relativa, mas esteja presente o interesse da coletividade como um todo (...) [06] o correto seria dizer que todo interesse indisponível deve ser fiscalizado pelo Ministério Público, o que não significa que a instituição só oficie em defesa de interesses indisponíveis. Em outras palavras, se num processo judicial estiver em jogo interesse indisponível, deverá haver a intervenção ministerial – quer se trate de interesse individual ou social indisponível; por isso se diz que indisponibilidade é nota marcante da atuação do Ministério Público. (...) Em suma, desde que haja alguma característica de indisponibilidade parcial ou absoluta de um interesse, ou desde que a defesa de qualquer interesse, disponível ou não, convenha à coletividade como um todo, aí será exigível a iniciativa ou a intervenção do Ministério Público junto ao Poder Judiciário. [07]

Constitucionalmente, o M.P. abrange o Ministério Público da União (M.P.U.), que compreende o Ministério Público Federal (M.P.F.), o Ministério Público Militar (M.P.M.), o Ministério Público da Trabalho (M.P.T.) e o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (M.P.D.F./T.), e os Ministérios Públicos dos Estados (art. 127, §3º, C.F./88).

O art. 73, §2º, I, da C.F./88 prevê a existência de um M.P. junto ao Tribunal de Contas da União (T.C.U.), sendo que em seu art. 130, a Carta Magna determina que aos membros desse M.P. devem ser aplicados os direitos, vedações e forma de investidura previstas aos demais membros do M.P.

Apesar da polêmica existente acerca da configuração jurídico-institucional, o Supremo Tribunal Federal (S.T.F.) já se pronunciou no sentido de que o M.P. junto ao T.C.U. é Instituição que não integra o M.P.U., cujos ramos são taxativamente inscritos no rol do art. 128 da C.F./88, entendendo ser possível a vinculação administrativa desse M.P. ao próprio T.C.U.

Em relação aos Tribunais de Contas estaduais, cada Estado-membro deve disciplinar em sua Constituição Estadual qual o M.P. que atuará perante o Tribunal de Contas do Estado.

Já no que concerne à atuação do Parquet na seara eleitoral, pode-se dizer que não existe um M.P. eleitoral propriamente dito, mas funções eleitorais afetas a ele. Ao M.P. eleitoral cabe atuar perante a Justiça Eleitoral e o Procurador-Geral Eleitoral é o Procurador-Geral da República.

Compete ao Procurador-Geral Eleitoral exercer as funções de M.P. perante o Tribunal Superior Eleitoral. Os Procuradores Regionais Eleitorais e seus substitutos funcionam perante os Tribunais Regionais Eleitorais. Já o Promotor Eleitoral tem assento perante os Juízes e Juntas Eleitorais, sendo que esta atribuição é afeta aos membros do M.P. local. Assim, os Promotores de Justiça dos Estados exercem função federal.

A Lei nº 8.625/93 dispõe sobre as normas gerais para a organização do M.P. dos Estados; a Lei Complementar nº 75/93 (L.C. 75/93), por sua vez, trata da organização, das atribuições e do estatuto do M.P.U.

A unidade, a indivisibilidade, a independência funcional e o princípio do promotor natural são princípios institucionais do M.P. previstos na C.F./88.

Por Princípio da Unidade, entende-se que os membros do M.P. integram um só órgão sob a direção única de um só Procurador-Geral.

Já de acordo com o Princípio da Indivisibilidade, o M.P. é uno porque seus membros não se vinculam aos processos nos quais atuam, podendo ser substituídos uns pelos outros, de acordo com as normas legais.

O Princípio da Independência ou Autonomia Funcional, por sua vez, preceitua que o M.P. é independente no exercício de suas funções, não ficando sujeito às ordens de quem quer que seja, mas somente devendo prestar contas de seus atos à C.F./88, às leis e a sua consciência.

De acordo com o Princípio do Promotor Natural, é inadmissível que o Procurador-Geral faça designações arbitrárias de Promotores de Justiça para uma Promotoria ou para as funções de outro Promotor, que seria afastado compulsoriamente de suas atribuições e prerrogativas legais, até porque isso seria ferir a garantia da inamovibilidade, prevista no texto constitucional, inamovibilidade essa ampla, protegendo o cargo e a função, pois seria um contra-senso subtrair as respectivas funções aos próprios cargos.

A C.F./88 enumera algumas funções ministeriais em seu art. 129. Todavia, cabe destacar ser um rol meramente enumerativo, pois pode o M.P. exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade constitucional, sendo-lhe vedada, expressamente, a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas [08].

Tanto a Instituição do M.P., como seus membros, são dotados de garantia constitucionais conferidas pelo legislador constituinte objetivando o pleno e independente exercício de suas funções.

Assim, os membros do M.P. gozam de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos (art. 128, §5º, I, C.F./88), devendo ingressar na carreira apenas mediante concurso público de provas e títulos.

Já a Instituição tem estruturação em carreira e é dotada de autonomia funcional, administrativa e financeira (art. 127, §2º), havendo limitação à liberdade do chefe do Executivo para nomeação e destituição do Procurador-Geral.

Também há vedações aos membros do M.P., pois, conforme a C.F./88:

Art. 128. (omissis)

(...)

§5º Leis Complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:

(...)

II – as seguintes vedações:

a)receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais;

b)exercer a advocacia;

C)participar de sociedade comercial, na forma da lei;

d)exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério;

e)exercer atividade político-partidária, salvo exceções previstas na lei.

1.2. A atuação do Ministério Público

Atualmente, é assaz diversificado o ofício do M.P.

Na esfera penal, o M.P. ora é autor, ora é interveniente. Atuando como autor, é considerado uma Instituição de caráter público que representa o Estado-Administração, expondo ao Estado-Juiz a pretensão punitiva, pois, conforme preceitua a C.F./88, cabe ao M.P., com exclusividade, propor a ação penal pública.

É interveniente quando atua junto à Ação Penal Privada, intervindo em todos os atos do processo, na qualidade de fiscal da lei, tenha ou não aditado a queixa.

Ainda na seara criminal, cabe também ao M.P. exercer o controle externo da atividade policial, requisitar diligências investigatórias e determinar a instauração de Inquérito Policial, praticando todos os atos necessários ao desempenho dessas funções que a lei lhe atribui.

O M.P. tem plena liberdade de convicção e de atuação, não estando o Promotor obrigado a acusar, desde que não se verifique hipótese que torne exigível a iniciativa. Além de que, ele não só pode, como deve, pedir a absolvição ou recorrer em favor do acusado, quando se convença de sua inocência, podendo, ainda, o M.P., impetrar habeas corpus em benefício do acusado, se entender que ele sofre constrangimento ilegal.

No direito civil, a posição do M.P. assume as mais variadas formas. Pode ele ser autor, representante da parte, substituto processual, interveniente em razão da natureza da lide, desvinculado, a princípio, dos interesses de quaisquer das partes ou, ainda, interveniente em razão da qualidade da parte.

Assim como na ação penal pública, também na ação civil pública o M.P., verificada a ocorrência de hipótese que justifique a iniciativa, deve propor a ação, porém vale ressaltar que a legitimidade do Parquet para agir na área cível nunca é exclusiva.

Todas as vezes em que numa ação civil pública se discutam interesses afetos à Instituição, seja porque as tenha proposto, ou porque, nas ações propostas por terceiros, atua como interveniente, oficiará o Órgão Ministerial, além de que esse Órgão assumirá a promoção da ação, sempre que nela, proposta por qualquer co-legitimado, sobrevier desistência ou abandono infundados.

Para que o M.P. conteste ou recorra se faz necessária a presença de interesse na reforma do ato atacado.

O Parquet exercita, também, a administração pública de interesses privados, quando atua, por exemplo, nas habilitações matrimonias, na fiscalização de fundações e, também, quando atende ao público, cuidando do efetivo respeito aos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na C.F./88. Nesses atendimentos, o M.P. orienta os necessitados, faz conciliações, homologa transações extrajudiciais, atende questões de família, de menores, de acidentados do trabalho, de pessoas portadoras de deficiência e dos necessitados em geral.

Por tudo até aqui esplanado, e antes de tecer mais considerações acerca da atuação ministerial, não há como não concordar as seguintes opiniões: "o Ministério Público está consagrado, com liberdade, autonomia e independência funcional, à defesa dos interesses indisponíveis do indivíduo e da sociedade, à da ordem jurídica e do regime democrático." [09]; e

(...) o Ministério Público é a instituição a serviço, permanente, da sociedade com o escopo de exigir, em juízo ou fora dele, a reparação de toda e qualquer lesão a direitos constitucionalmente protegidos a fim de resguardar a ordem jurídica vigente. Tendo sua atuação pautada pelos princípios da legalidade e impessoalidade seu objetivo é sempre a fiel fiscalização da aplicação da lei justa, a cada caso concreto. [10]

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Sobre a autora
Paula Roberta Pereira Freire

Advogada do Instituto de Assistência Social e Cidadania (IASC) do Município de Recife (PE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREIRE, Paula Roberta Pereira. Do poder investigatório do Ministério Público.: Contradições do RHC 81.326-DF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1762, 28 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11207. Acesso em: 25 abr. 2024.

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