3. Infraestrutura.
O art. 75-D da CLT estipula que "a aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito."
O §2º do art. 458. da CLT já estabelecia expressamente a "exclusão dos equipamentos ... para a prestação do serviço" do conceito de salário, constituindo portanto uma obrigação patronal acessória do contrato de trabalho, inerente à exploração e risco do negócio (art. 2º id.). Neste sentido:
ABANDONO DE EMPREGO. TELETRABALHO. AUSÊNCIA DE FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTOS TECNOLÓGICOS ADEQUADOS. AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO. SÚMULA 32 DO TST. ARTIGOS 2º E 75-D DA CLT. ... No caso, a reclamante deixou de prestar serviços por meio de teletrabalho à reclamada pela ausência de fornecimento de equipamentos tecnológicos adequados à realização do trabalho. A previsão contratual atribuindo exclusivamente ao trabalhador ônus para aquisição de equipamento e custeio de sua atividade por meio de teletrabalho é manifestamente ilegal, por contrariar expressamente a parte final do art. 75-D e o art. 2º da CLT. A lei não transfere o ônus da atividade econômica ao teletrabalhador, limitando-se, apenas, a delegar para a livre negociação entre as partes a forma como as despesas realizadas pelo empregado serão reembolsadas pela empregadora. Essa interpretação é a que melhor atende aos métodos de interpretação teleológico e sistemático, mormente a necessidade de compatibilização entre os arts. 2º e 75-D da CLT. Justa causa por abandono de emprego julgada insubsistente.
(TRT9ª, 3ªT., 0000744-62.2022.5.09.0029, Rel. Des. Eduardo Milleo Bacarat)
... 3. TRABALHO À DISTÂNCIA BASEADO NA UTILIZAÇÃO DE MEIOS TELEMÁTICOS. ERGONOMIA. DEVER DE ORIENTAÇÃO E FISCALIZAÇÃO DO EMPREGADOR - O labor prestado em domicílio, a exemplo do teletrabalho, não exime o empregador da fiscalização das condições laborais, especialmente quanto à ergonomia (art. 750-E da Lei Consolidada - CLT, pois a redução dos riscos inerentes ao trabalho constitui garantia constitucional do empregado e dever do empregador (inciso XXII do art. 7º da Carta Suprema e nas normas constantes da Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho, incorporada ao ordenamento jurídico nacional e, portanto, integrante do bloco de constitucionalidade, pois diz respeito ao direito fundamental à saúde e à segurança do trabalhador, integrando o dever geral de proteção do empregador, pois ao criar, organizar e dirigir a empresa, o empresário ou empregador gera não apenas riscos econômicos do negócio, mas também para a segurança das pessoas que laboram em benefício da organização. Recursos parcialmente providos.
(TRT24ª, 2ªT., 0024280-79.2016.5.24.0002. Rel.ª Des.ª Francisca das Chagas Lima Filho.)
Deste modo, para se preservar de potenciais indenizações pela depreciação de equipamentos de propriedade do teletrabalhador, deverá o empregador fornecer e descrever minuciosamente o hardware e software que serão utilizados, mediante contra-recibo de entrega, cobrindo ainda de algum modo as despesas de internet pelo tempo necessário dispendido.
Alguns instrumentos coletivos já têm previsto uma ajuda de custo para remunerar a utilização do equipamento do próprio empregado no home-office:
AJUDA DE CUSTO - PERÍODO DE TELETRABALHO - Restou incontroverso que o reclamante trabalhou em casa, de modo que faz jus ao pagamento da ajuda de custo prevista na norma coletiva para os empregados em regime de teletrabalho.
(TRT9ª, 6ªT., Sérgio Murilo Rodrigues Lemos)
TELETRABRALHO. ALTERAÇÃO UNILATERAL DO REGIME. AJUDA DE CUSTO - HOME-OFFICE. Para término ou suspensão unilateral do regime instituído de teletrabalho, o texto consolidado exige a concomitância de duas exigências: prazo de transição mínimo de quinze dias e correspondente registro em aditivo contratual (art. 75-C, § 2º). Não observadas, pela ré, as especificidades previstas para alteração do regime de teletrabalho para o presencial por determinação unilateral do empregador, permanece o direito obreiro à ajuda de custo prevista no acordo coletivo. Recurso da reclamada conhecido e não provido no particular.
(TRT9ª, 5ªT., 0000002-42.2022.5.09.0965. Relª Fesª Odete Grasselli)
O empregador fica tão somente dispensado de indenizar o retorno do empregado ao trabalho presencial, quando o teletrabalho se der fora da localidade prevista no contrato, mas ainda assim se poderá dispor no contrato individual de forma diversa (§3º do art. 75-C), não havendo razão para duvidar de que também se possa pactuá-lo mediante negociação coletiva.
4. Dispensa de ponto nas categorias hipersuficientes.
Embora se possa conceber tecnicamente o controle eletrônico da jornada linear em home office, a dispensa de marcação de ponto constitui uma tendência natural da modalidade quando o empregado é hipersuficiente.
Tanto o teletrabalhador, quanto o empregado que realiza serviço externo, ou aquele que exerce cargo de gestão, podem se enquadrar no conceito de hipersuficiência do art. 444. da CLT. Em sendo o caso, gozam de um mais alto grau de autonomia administrativa, não conferido aos demais trabalhadores, entendendo-se que, para bem executarem as suas tarefas cotidianas, devem poder gerenciar a própria jornada, pelo menos de forma concomitante, organizando as rotinas a serem empreendidas, ainda que se possa auditá-las a posteriori.
Esses profissionais também detém um liame mais tênue de subordinação vertical devido às incumbências técnico-científicas de sua profissão. É o caso dos advogados, médicos e engenheiros.3
5. Controle de jornada e horas-extras.
O art.6º da Lei n.º 14.442 inseriu o inciso III no art. 62. da CLT, com a seguinte redação:
Art. 62. - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo: ...
III - os empregados em regime de teletrabalho que prestam serviço por produção ou tarefa.
O caput se refere às jornadas lineares previstas nos arts. 57. a 59 e §§ da CLT (oito horas diárias prorrogáveis por mais duas remuneradas extraordinariamente, ressalvada a hipótese de compensação); e art. 59-A e B id. (doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso).
Consequentemente, o teletrabalhador que receber por produção ou tarefa se encontra legalmente dispensado do registro de entrada, do intervalo intrajornada do art. 71. e §§ (de uma hora ou quinze minutos), e da saída.
Sem embargo, a pactuação por produção ou tarefa ainda exige o respeito dos limites legais e constitucionais para a proteção de saúde do trabalhador:
HORAS EXTRAS. NÃO OBRIGAÇÃO DE TER CARTÃO DE PONTO. OBRIGAÇÃO DE CONTROLAR OS LIMITES DA JORNADA. O fato de o empregador não estar obrigado a manter controle de ponto não o isenta de fixar a jornada do trabalhador e zelar pela observância dos limites legais. A impugnação genérica da jornada importa em ausência de contestação específica da jornada alegada na petição inicial.
(TRT24ª, 2ªT., 0024042-48.2023.5.24.0056, Rel. Des. Marco Antonio de Freitas.)
A existência de um aplicativo online registrador de horários de trabalho não se confunde com o controle de jornada linear ou unidade de jornada:
TELETRABALHO - TUTOR ELETRÔNICO - ENQUADRAMENTO NO ART. 62. DA CLT - NÃO CONFIGURAÇÃO. ... No teletrabalho é possível o controle de jornada, dispondo a empregadora de um sistema informatizado que deve necessariamente ser acessado pelo trabalhador para a realização de suas atividades laborais, sem o que o trabalho não poderia ser executado. Sobressaindo da prova oral dos autos que as tarefas exercidas pelo reclamante, de tutor eletrônico, em regime de teletrabalho, eram incompatíveis com a fixação e controle do horário de trabalho, ante a dinâmica do serviço prestado, de maneira que a estipulação de horários a serem estritamente observados pelo demandante se demonstrava, na prática, inviável. Nesta linha, sobressaindo que os tutores eletrônicos tinham plena liberdade de horários, podendo acessar o sistema a qualquer hora do dia, bem como podendo optar por trabalhar um pouco mais em determinado dia e compensar tais excessos em outra ocasião, exsurge comprovada a impossibilidade de se estabelecer um horário de trabalho fixo para o empregado em teletrabalho, sendo indevido o pagamento de horas extras, inclusive por suposta inobservância dos intervalos intrajornada e daquele estabelecido no art. 384. da CLT. Sentença mantida.
(TRT9ª, 7ªT., 0000513-73.2019.5.09.0018. Relª Desª Rosemarie Diedrichs Pimpão)
O teletrabalhador contratado por jornada, por sua vez, está legalmente obrigado ao controle de ponto, sem prejuízo de pactuação diversa por escrito.
Quando exigidas, as marcações também acabam retratando o intervalo interjornada, que deve ser minimamente de 11h (onze horas) conforme o art. 66; e o intersemanal, de pelo menos 35h (trinta e cinco horas) consecutivas, o que corresponde ao somatório do último interjornada da semana acrescido das 24h de repouso semanal remunerado, preferencialmente gozado aos domingos (arts. 66. c/c. 67. da CLT).
As marcações, sejam elas manuais ou eletrônicas e desde que fidedignas, com variações em minutos, geram a presunção de quitação de interesse do empregador no cruzamento com os holerites. Também podem, inobstante, caracterizar o direito ao recebimento de horas-extras pelo empregado, quando atestarem supressões intervalares ou jornadas extraordinárias impagas ou não compensadas superiores aos limites diário, semanal ou mensal.
A jurisprudência vêm asseverando que o teletrabalho com dispensa de ponto não implica por si só na exclusão do regime de horas-extras:
TELETRABALHO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE DE JORNADA. HORAS EXTRAS DEVIDAS. O fato de se trabalhar em regime de teletrabalho, por si só, não exclui o empregado do capítulo da CLT que trata da duração do trabalho, pois para afastar tal direito deve restar provada a impossibilidade do controle de jornada e sua fiscalização, conforme inteligência que se extrai do art. 62. da CLT. Provado que o empregado estava sujeito a jornada de trabalho estabelecida pela e controlada pela empresa, impõe-se o reconhecimento do direito ao recebimento das horas extras por ele prestadas.
(TRT18ª, 3ªT., ROT n.º 0010260-67.2024.5.18.0003, Rel. Des. Euvecio Moura dos Santos)
RECURSO ORDINÁRIO PATRONAL. TRABALHO EXTERNO. TELETRABALHO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE DA JORNADA. NÃO INCIDÊNCIA DA REGRA DISPOSTA NO ARTIGO 62, INCISOS I E III, DA CLT. O simples fato do trabalhador exercer suas atividades externamente ou na modalidade teletrabalho, por si só, não induz ao enquadramento das hipóteses previstas na regra do artigo 62, I e III, da CLT. Comprovada a irregularidade na formalização exigida pela norma em questão, bem como a possibilidade do empregador em controlar a jornada praticada pela empregada, correta a sentença que condenou os recorrentes ao pagamento de horas extras. Recurso improvido.
(TRT 14ª, 1ªT., 0001924-90.2021.5.14.0003, Rel. Des. Shikou Sadahiro.)
HORAS EXTRAS. TELETRABALHO. O teletrabalho deve ser alcançado pelo regime de horas extras quando possível o controle patronal da jornada de trabalho. Recurso da reclamada a que se nega provimento, nesse ponto.
(TRT2ª, 11ªT., 1000181-63.2024.5.02.0712; Rel. Des. Flávio Villano Macedo.)
RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMADO ... Cumpre destacar que a adoção do teletrabalho passou a ser permitida nos termos da MP nº 927, de 22/03/2020, (artigo 3º, inciso I). Nesse tom, incumbia à ré demonstrar, após a entrada em vigor da MP nº 1.108, de 25 de março de 2022, que a reclamante prestava serviços por produção ou tarefa, ônus do qual não se desincumbiu, de sorte que, excluída a autora do regime do teletrabalho, a partir de então, emergem devidas horas extras, face à jornada de trabalho reconhecida na Origem, em observância ao artigo 912 da CLT. De outra parte, certo é que o artigo 75-C, da CLT, foi inserido somente pela MP nº 1.108, de 25 de março de 2022, de sorte que a exigência nele prevista de que o teletrabalho ou trabalho remoto conste expressamente no contrato individual de trabalho somente passou a vigorar a partir de então, não se aplicando, pois, ao período reconhecido na Origem. Outrossim, inexiste qualquer elemento de prova nos autos acerca do controle da jornada quando do teletrabalho, em abono à tese da defesa, não fazendo jus, portanto, a autora às horas extras no período de 15/03/2020 a 25/03/2022. Nego provimento aos recursos... Mantida a jornada diária de seis horas, de rigor a observância do divisor 180. Outrossim, não houve condenação no pagamento de reflexos das horas extras em DSRs e destes nas demais verbas, não havendo falar em afronta à OJ 394, do C. TST. E, em relação aos reflexos do sobrelabor em DSRs, o artigo 7º, alíneas "a" e "b", da Lei nº 605/1949, autoriza a integração das horas extras nos DSRs, ainda que o empregado seja mensalista, isso porque a interpretação adequada a ser feita é a de que o salário mensal remunera os DSRs das horas normais trabalhadas, já previstas no contrato de trabalho e que balizam a fórmula de cálculo a ser utilizada. Logo, eventual sobrelabor não se encontra incluído nesse cálculo e, portanto, não pode ser considerado como já pago. Nesse sentido, aliás, é o entendimento jurisprudencial cristalizado na Súmula nº 172, do C. TST. Nego provimento.
(TRT2ª, 2ªT., 1000686-37.2023.5.02.0050; 13-11-2024; Relª Desª Marta Casadei Momezzo.)
Obviamente que, na dispensa de ponto, se ocorrer do trabalhador virtual ter sido obrigado a jornadas muito extenuantes que impliquem em supressões intervalares ou extrapolamentos habituais das limitações de jornada -- o que geralmente se dá por déficits de contratação de empregados para o volume de tarefas ---, a pretensão de horas-extras dependerá de outras espécies probatórias como a testemunhal, o que se revela mais dificultoso devido ao contexto normalmente solitário do home office.
Algumas empresas e órgãos públicos instituem monitoramento da jornada do teletrabalhador pela câmara de vídeo do computador, ou por aplicativo de geolocalização, mas parcela considerável da jurisprudência as tem compreendido como afrontosa do direito de intimidade e mesmo incoerente à flexibilidade do labor em domicílio. A seguinte ementa elucida o assunto no âmbito do C.TST (destaco):
... RECURSO DE REVISTA - DANOS MORAIS - NORMA COLETIVA QUE AUTORIZA O MONITORAMENTO DAS ATIVIDADES DO EMPREGADO EM HOME OFFICE COM DETECÇÃO DO USO DE CELULAR E DA PRESENÇA DE TERCEIROS NO RECINTO - VALIDADE DA NORMA COLETIVA - CONTRARIEDADE À TESE VINCULANTE FIXADA PELO STF NO TEMA 1.046 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL - TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA - VIOLAÇÃO DO ART. 7º, XXVI, DA CF - PROVIMENTO. ... o Regional, ao afastar a aplicação da norma coletiva, decidiu a controvérsia em contrariedade à tese vinculante fixada pelo STF no Tema 1.046 de sua Tabela de Repercussão Geral. Ademais, a simples detecção de uso de objetos ou do trânsito de pessoas no recinto de trabalho obreiro pelo programa utilizado pela Reclamada com autorização em norma coletiva, "sem a gravação e/ou divulgação de imagens", por si só, não tem o condão de atingir o direito à intimidade da Empregada, mas garante a concentração no trabalho durante o período a que o empregado deve dedicar-se a ele.
(TST, 4ªT., RR-AIRR - 1001558-23.2022.5.02.0071, Rel. Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho.)
A auditagem das tarefas realizadas em home-office pode ser feita a partir de relatórios periódicos ou lançamento concomitante de registro por aplicativo. No caso da advocacia, por exemplo, costuma-se utilizar softwares com acesso online mediante uso de senha que replicam as peças produzidas nos processos, contratos, pareceres e outros documentos jurídicos elaborados.
Os advogados, públicos ou privados, podem ser enquadrados no trabalho externo do inciso I do art. 62 da CLT para a dispensa de ponto, porque a atuação nos fóruns, tribunais e serventias extrajudiciais lhes é ínsita à profissão, sendo irrelevante o fato de uma remuneração mensal ou por tarefa, cargo de gestão, trabalho presencial ou em home office.4
Algumas outras profissões cujo escopo não exige a presença física também comportam o trabalho virtual em domicílio e a dispensa de marcação de ponto. Na área de saúde p.ex., os médicos radiologistas, cuja atribuição consiste em analisar sumariamente as chapas de exames tiradas por técnicos (apontando eventuais diagnósticos que mereçam atenção do médico particular do paciente), subscrevendo (por assinatura digital) a responsabilidade técnica dos laudos.5