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Meios extraordinários de investigação criminal.

Infiltrações policiais e entregas vigiadas (controladas)

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13/05/2008 às 00:00
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5. Investigação criminal como peça-chave junto à persecução penal

Investigar um fato delituoso corresponde à busca da reconstrução de uma verdade histórica, visando à obtenção de dados, informações e provas acerca da materialidade e da autoria.

A prática de todo delito de ação pública impõe, como regra ao Estado, de forma necessária, obrigatória e indispensável, a promoção, impulsão e esgotamento de um processo que, como instrumento da administração de justiça, tem por finalidade aplicar ao caso concreto a lei penal substantiva, bem como impor ao responsável uma sanção que o mesmo Estado tem o direito de executar.

Porém, antes do exercício da ação penal, haverá o órgão oficial do Estado que alcançar, na fase de investigação, o descobrimento do delito e de seus respectivos responsáveis, através da busca de provas e outros dados de interesse ao esclarecimento do fato criminoso.

Feitas estas observações introdutórias, cumpre ressaltar que o ponto de partida para a compreensão da magnitude e importância da investigação no processo penal moderno, deverá originar-se da constatação inicial de que a delinqüência contemporânea caracteriza-se como uma criminalidade não convencional, cujo perfil assume inúmeras formas de manifestação, exigindo do aplicador do direito a árdua e desafiadora missão de rever conceitos tradicionais, adequando os mesmos ao tempo e ao espaço, através do filtro da eficiência penal [23].

Isto o que se busca hoje, por intermédio do processo penal, sob a perspectiva acusatória: eficácia e efetividade na tarefa de concretização do ius puniendi. Uma vigorosa e concreta resposta do Estado à proliferação dos fenômenos delitivos considerados de maior gravidade, adequando-se a mesma ao necessário respeito aos direitos fundamentais dos investigados ou acusados. A essa árdua tarefa persecutória, podemos conceituar de "eficiência penal".

Resulta parcialmente interessante destacar que o fato de que um sistema de administração de justiça penal funcione em um Estado de Direito, não significa que deva ser "brando", nem muito menos que favoreça a impunidade. Pelo contrário, tem que ser eficiente para lograr o castigo do delito, em todos os casos em que assim estabeleça a lei. Porém, especialmente relacionado com delitos muito violentos, a criminalidade organizada, o ilícito econômico e a corrupção governamental e administrativa [24].

Pois bem, a partir dessas premissas, Cafferata Nores assinala que lograr a simultânea vigência entre a eficácia e as garantias fundamentais é o desafio maior com ao qual deve enfrentar o sistema de administração da justiça em uma democracia. E nessa tarefa, cumprirá um rol decisivo a investigação, porque através dela se deverá procurar a obtenção das provas indispensáveis para lograr a condenação de uma pessoa pela comissão de um delito, e impor a sanção correspondente [25].

Justifica-se então, a assertiva de que a investigação, contemporaneamente, deve ser considerada a coluna vertebral do processo penal.

De uma ordenada e garantista investigação criminal, dependerá o êxito da persecução penal. Obedecendo-se aos postulados e princípios processuais e constitucionais, evita-se a perda do labor investigativo por parte do aparato policial, servindo, pois, tal apuração de dados e provas, como pilar de sustentação para a atuação do órgão acusador.

Chega-se, pois, à ilação de que a eficácia penal e a simultânea garantia dos direitos dos investigados são os objetivos perseguidos pela investigação criminal, em um Estado de Direito.

Conforme entendimento doutrinário consolidado, a investigação preliminar é uma peça fundamental para o processo penal. No Brasil, provavelmente por culpa das deficiências do sistema adotado (o famigerado inquérito policial), tem sido relegada a um segundo plano. Inobstante os problemas que possa ter, a fase pré-processual (inquérito, sumário, diligências prévias, investigação, etc.) é absolutamente imprescindível, pois um processo penal sem a investigação preliminar é um processo irracional, uma figura inconcebível segundo a razão e os postulados da instrumentalidade garantista [26]. Não se deve julgar de imediato, principalmente em um modelo como o nosso, que não contempla uma "fase intermediária" contraditória. Em primeiro lugar, deve-se preparar, investigar e reunir elementos que justifiquem o processo ou o não-processo. É um grave equívoco que primeiro se acuse, para depois investigar e ao final julgar. O processo penal encerra um conjunto de "penas processuais" que fazem com que o ponto nevrálgico seja saber se deve ou não acusar [27].


6. Os "novos" meios ou técnicas de investigação criminal

Os meios tradicionais de averiguação do delito utilizados pela polícia (inspeções oculares, escutas telefônicas, interrogatórios, etc.), mostram-se absolutamente ineficazes na luta contra a expansão do fenômeno delitivo denominado "delinqüência organizada". Tal constatação é obtida em razão de alguns fatores, dentre os quais, destaca-se a complexidade das organizações criminosas, que se utilizam de altíssimo grau de profissionalismo, já que são assessoradas por especialistas em matérias técnicas como a informática, a economia e o direito. Também, em razão da dificuldade na produção da prova testemunhal que comprove a realização de atos criminosos pela organização delitiva, vez que a cultura da supressão da prova [28] impera juntamente com a afirmação de um código de silêncio extremamente rígido.

Da mesma forma, esses clãs organizados empregam em suas empreitadas, alta tecnologia, como por exemplo, de meios de transmissão de comunicações cada vez mais sofisticados, os quais têm por finalidade determinar a não detecção dos contatos mantidos entre os criminosos. Ademais, o uso de dialetos nas comunicações internas entre esses delinqüentes, aliados ao uso de mensagens via internet na forma criptografada, impossibilitam o labor policial tendente a desarticulação da organização.

Estando nesse passo a situação, e diante do fracasso das técnicas usuais de combate à criminalidade globalizada, faz-se necessário estudar a viabilidade e possibilidade de legalização e utilização de "novos" [29] métodos de esclarecimento do delito, a exemplo das entregas vigiadas ou controladas e dos agentes infiltrados.

Somente seguindo essa linha de raciocínio, a ação da justiça criminal poderá exercer-se sobre algo mais do que as medidas menos significativas e emergenciais, utilizadas de forma simbólica na busca de contenção à atuação da delinqüência organizada.

Justifica-se, ainda, a busca a outros meios extraordinários de investigação criminal, diante da constatação de que hodiernamente, visualiza-se um processo penal que se encontra de costas aos avanços científicos do último século e que, com seu atraso, perde a oportunidade, frente às vantagens que os mesmos poderiam proporcionar para os sujeitos ativos do processo penal [30].

O grande dilema consiste no fato de que essas técnicas supracitadas, se não normatizadas e executadas de forma adequada, obedencendo-se aos postulados processuais e constitucionais, acabam por provocar perigo e eventual vulneração a direitos e garantias dos investigados.

A seguir, abordaremos, de forma detalhada, dois meios extraordinários tidos como eficazes para os fins de controle e prevenção ao crescimento patológico da delinqüência organizada.


7. As entregas vigiadas e controladas

Conceitua-se, na doutrina estrangeira, a entrega vigiada ou controlada, como técnica especial de investigação que permite que uma remessa de drogas, armas, insumos químicos ou qualquer outra espécie de origem ou tráfico ilegal, e que se envia ocultamente, possa chegar a seu lugar de destino sem ser interceptada pelas autoridades competentes, a fim de se individualizar aos remetentes, os destinatários, assim como os demais envolvidos em dita atividade ilícita [31].

Segundo Suita Pérez, a entrega vigiada ou controlada, pode ser definida como a técnica consistente em permitir que determinadas remessas ilícitas ou suspeitas de drogas tóxicas, substâncias psicotrópicas ou outras substâncias proibidas, assim como bens ou ganâncias procedentes de atividades delitivas, circulem pelo território de um país, ou saiam ou entrem nele, sem interferência obstativa da autoridade e sob sua vigilância, com o fim de descobrir ou identificar as pessoas envolvidas na prática de algum delito relativo a drogas, assim também, para prestar auxílio às autoridades estrangeiras [32].

No âmbito nacional, Araújo Silva define a ação controlada por policiais, como sendo a estratégia de investigação que possibilita aos agentes policiais retardarem suas intervenções em relação a infrações em curso, praticadas por organizações criminosas, para acompanhar os atos de seus membros até o momento mais apropriado para a obtenção da prova e efetuar suas prisões [33].

Desta forma, concede-se à polícia o direito de aguardar a oportunidade mais eficiente para atuar, seja prender, surpreender, ou agir, de qualquer forma, de modo que no momento oportuno, segundo a interpretação dos agentes que participam da operação, a situação seja mais favorável para a obtenção de provas [34].

Em suma, segundo nosso entendimento, a entrega controlada ou vigiada consiste basicamente, em uma estratégia policial empregada em investigações, que permite a passagem de certa quantidade de drogas por um determinado território, apesar do conhecimento dos órgãos de repressão estatal, permitindo a continuação "normal" da viagem, porém, desde que se proceda a um controle secreto (acompanhamento), durante todo o percurso, na expectativa posterior de apreensão da carga ilícita, bem como dos seus remetentes e destinatários.

É comum a distinção conceitual entre a entrega ou ação vigiada e a controlada. Essa última consistiria na ação de retardar a interdição policial do que se supõe tratar-se de ação praticada por organizações criminosas ou a elas vinculadas, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz, do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações. Já a entrega vigiada, seria um meio de investigação a ser utilizado, exclusivamente, com relação aos fatos envolvendo o tráfico ilícito de drogas. Na realidade, tal distinção não apresenta qualquer efeito prático, tratando-se de mera distinção doutrinária, consistindo, pois essas duas modalidades de flagrante retardado, meios de investigação utilizados pelos corpos policiais para procederem a detenção de todos os delinqüentes envolvidos no crime, no momento mais adequado sob a ótica da operação de inteligência policial.

Porém, feitas essas considerações introdutórias, impõem-se esclarecer qual seria a finalidade efetiva de tal meio de investigação.

Com a sua utilização, permite-se que não sejam tão somente identificados os "mulas" [35], possibilitando-se, a identificação e posterior detenção também dos eventuais compradores da droga, que normalmente, são os traficantes da mesma.

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É fato corriqueiro e cotidiano a prisão de cidadãos que são recrutados por traficantes para transportarem certa carga de drogas, de um local a outro, em troca de determinada quantia de dinheiro e até mesmo, em troca de certa quantidade de substância entorpecente. Adolescentes em especial, vêm sendo utilizados como "mulas" para efetuarem essa tarefa arriscada de atravessar alguns Estados da Federação até atingirem o ponto de entrega da droga.

Registre-se, no tocante às entregas controladas, que se trata de medida de política criminal, objetivando atingir o lado mais "forte" da criminalidade, tanto que, nessa hipótese, não há que se falar em prática de crime de prevaricação pelos agentes policiais que executam o acompanhamento da carga ilícita.

A aceitação e legalidade desse método investigatório podem ser constatadas quando se observa sua previsão em inúmeras convenções e recomendações, no âmbito internacional, a exemplo da Convenção de Viena de 1988, Convenção de Palermo (2000), Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (2003), Recomendações do GAFI (2003), etc.

Interessante observar que, na práxis, as ações ou entregas controladas e vigiadas ocorrem sem qualquer controle judicial, no território brasileiro, bem como já se tornou uma medida usual e cotidiana adotada pela polícia, no intuito de identificar agentes ligados ao tráfico ilícito de drogas.

Essa constatação, com certeza, nos impele a buscar uma melhor estruturação desse método de investigação, evitando-se a clandestinidade e a eventual prática de ações que venham a violar direitos e garantias das pessoas colocadas em posição de investigadas.

Por outro lado, surgem questionamentos a respeito da ilegalidade da execução de uma entrega controlada, por representar nítida hipótese de flagrante provocado ou esperado.

Salvo melhor juízo, tal dúvida deve ser esclarecida a partir de uma análise conceitual.

Assim, é incontestável que a hipótese de flagrante que se amolda a essa técnica de investigação denomina-se flagrante prorrogado ou diferido, consistindo, pois, na situação da ação policial, ou seja, a prisão em flagrante, ser diferida, isto é, adiada, para que a medida final se concretize no momento mais eficaz, do ponto de vista da formação da prova e fornecimento de informações. Tal modalidade de flagrante é legalmente prevista no sistema penal brasileiro (art. 2º, II, da Lei n. 9.034/95 e art. 53, II, da Lei n. 11.343/06).

Só a título de esclarecimento, não se deve confundir o flagrante prorrogado com o flagrante esperado. Neste último, não há intervenção de terceiros na prática do crime, mas informação de sua existência e é considerado plenamente válido. Cite-se, como exemplo, a hipótese de alguém, que por qualquer motivo tenha conhecimento da prática futura de um crime, transmitir tal informação às autoridades policiais, que, então, se deslocariam para o local da infração, postando-se de prontidão para evitar a sua consumação ou o seu exaurimento [36]. Nesse sentido, o acórdão relatado pela Ministra Laurita Vaz do STJ, no HC 40.436, de 02.05.2006.

Por fim, inconcebível confundir o flagrante prorrogado da ação controlada com o flagrante provocado, esse último, totalmente repudiado pela doutrina e pela jurisprudência, inclusive, contando com entendimento pacificado no STF, por meio da súmula 145 [37]. No flagrante provocado ou preparado, um terceiro, denominado agente provocador, atua com o escopo de incitar, de provocar a prática da ação criminosa. Criaria, assim, no ânimo consciente do potencial infrator, a vontade de delinqüir, porém, estaria impossibilitada a consumação do delito pela ação policial, como na hipótese do policial que simula a compra de droga junto a um traficante.

Feitas estas observações genéricas sobre este meio extraordinário de investigação criminal, cumpre-nos tecer algumas considerações críticas a respeito da regulação desse tema junto ao ordenamento jurídico-penal brasileiro.

A Lei n. 9.034/95, em seu art. 2º, II, prescreve que, em qualquer fase de persecução criminal será permitido, sem prejuízo de outras técnicas já previstas em lei, o seguinte procedimento de investigação e formação de provas: a ação controlada, que consiste em retardar a interdição policial do que se supõe ação praticada por organizações criminosas ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações.

Referido dispositivo legal peca pela omissão, vez que exige, como único requisito, que a ação seja praticada por organizações criminosas ou a elas relacionada. Destarte, além de não descrever o sujeito ativo da entrega controlada, ou seja, quem pode requerer a medida, acaba por não exigir autorização judicial para que se execute a ação.

O sobredito preceptivo legal não menciona, também, a isenção de responsabilidade do policial que retarda o flagrante, deixando margens a infindáveis discussões doutrinárias.

Já a Lei n. 11.343/06, a nova lei de drogas, em seu art. 53, II, descreve que em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta lei, é permitido, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, o seguinte procedimento investigatório: a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.

Ainda, em seu § único, resta estabelecido que a autorização será concedida, desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.

Portanto, percebe-se uma razoável evolução legislativa, se comparadas as Leis 9.034/95 e 11.343/06, vez que essa última exige, como requisitos, a atuação sobre os portadores de drogas (mulas), seus precursores químicos ou outros produtos utilizados na sua produção, a atuação no território brasileiro, a autorização judicial para a execução da operação, o conhecimento do itinerário possível e por fim, a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.

O grande problema que se apresenta refere-se ao fato de que alguns desses requisitos não podem ser encarados como lógicos ou mesmo, como necessários ao bom andamento da ação controlada.

Cite-se, por exemplo, a exigência de atuação da autoridade policial, somente no âmbito do território brasileiro. Tal exigência fulmina a eficácia desse meio de investigação, vez que é sabido que muitos dos carregamentos de drogas têm origem em países de nosso entorno, como a Bolívia e a Colômbia. Nada impediria que houvesse cooperação entre dois países vizinhos, no sentido de monitoramento do itinerário do carregamento de entorpecentes ou outros produtos ilícitos.

Outra observação de destaque diz respeito aos requisitos exigidos pelo § único, do art. 53, da Lei n. 11.343/06, no sentido de que o órgão policial solicitante da autorização para execução da ação controlada deverá demonstrar, no pedido o itinerário provável, bem como a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores. Ora, se esses são justamente os objetivos principais desse meio extraordinário de investigação, torna-se absurda a exigência de tais requisitos. Se a autoridade policial possuísse essas informações, não necessitaria obrigatoriamente, de utilizar este método de investigação.

Deverá o termo "não atuação policial", utilizado pelo legislador brasileiro no inciso II, do art. 53 da nova lei de drogas, ser entendido como sinônimo de ação ou entrega vigiada.

Torna-se cristalina a constatação de que ambas as leis que tratam da entrega controlada ou vigiada, no sistema penal brasileiro, carecem de reformas, vez que insuficientes para que a autoridade policial, bem como o Ministério Público, possam trabalhar, efetivamente, com vistas à obtenção da eficiência dessa espécie de diligência investigatória.

Em nossa opinião, alguns requisitos seriam essenciais ao êxito e legalidade das ações ou entregas controladas.

Em primeiro lugar, deverá a lei exigir autorização, pela autoridade judiciária competente, a qual conterá, de forma compulsória, uma detalhada fundamentação das razões da concessão do direito à execução da medida investigatória. Poderá requerer a autorização, tanto a autoridade policial, quanto o Ministério Público.

Da mesma forma, em segundo lugar, como conseqüência da autorização judicial, necessário o controle sobre a execução da operação, devendo o executor (leia-se, a autoridade policial), dar conta ao Ministério Público, através de informes diários, a respeito do andamento das investigações. Evitam-se, assim, eventuais abusos na execução da diligência investigativa.

Antecedente a autorização judicial, a nosso ver, imprescindível a realização em conjunto, pelo Ministério Público e pela autoridade policial, de planejamento operacional estratégico, momento em que se analisará a viabilidade e necessidade da utilização desse meio de investigação. Nesse aspecto, entra em jogo a obrigatória análise à luz do princípio da proporcionalidade, vez que é cediço a possibilidade de violação de direitos e garantias fundamentais dos investigados.

Por fim, deverá ser a entrega ou ação vigiada utilizada como ultima ratio, ou seja, sua utilização estaria condicionada ao prévio esgotamento de outras formas tradicionais de investigação. O que se observa, na prática, é que esse meio de investigação encontra-se muitas vezes, sendo empregado como solução prima ratio, sem que se busque a utilização de outras alternativas investigatórias que não exponham a risco as garantias e direitos dos investigados.

Determinado seguimento doutrinário, cite-se como exemplo, Marcelo Mendroni, defende a necessidade de que a ação controlada seja desencadeada, sempre que possível, com a paralela infiltração de um agente policial [38].

Estamos de acordo com a opinião acima externada, vez que a infiltração de agentes policiais que possam acompanhar de perto toda a operação, por certo evitaria o risco de perda das provas ou mesmo do carregamento de drogas objeto da investigação.

Delineados os requisitos que, a nosso entender, devem permear a entrega vigiada ou controlada, resta analisar se tal meio de investigação admite alternativas em sua execução.

Poderíamos descrever a possibilidade de três situações distintas. Na primeira, denominada interdição, a entrega da carga, mercadoria ou drogas ilegais é interrompida com a apreensão dessas. Nessa hipótese, a autoridade policial que faz o acompanhamento da droga ou outro produto ilícito, por razões operacionais, resolve "abortar" a operação, encerrando a vigilância e procedendo-se à detenção do portador do carregamento, ou interceptando o prosseguimento da mercadoria, como no exemplo do acompanhamento de envio de drogas via correio.

Uma segunda situação seria descrita como substituição. Nesse caso, a carga, mercadoria ou droga ilegal é substituída antes de ser entregue no destino final, colocando-se no seu lugar, produto similar, evitando-se o risco de perda ou extravio. Fala-se então em "entrega limpa". A nosso ver, tal substituição é perigosa e, por não haver possibilidade de controle nessa operação, o risco de prática de ilegalidades torna-se eminente.

Por fim, uma terceira possibilidade seria o acompanhamento. Ocorrerá quando não houver interrupção do carregamento da substância ilícita, continuando o itinerário sob vigilância e acompanhamento da autoridade policial, com vistas a posterior identificação e prisão dos destinatários da mercadoria.

Existem, ainda, algumas modalidades de entregas vigiadas ou controladas. Fala-se em entrega, a nível doméstico, quando ocorrer no âmbito do território nacional. Já a entrega a nível internacional, logicamente, envolverá cooperação entre dois ou mais países, vez que a carga de substâncias ilícitas passará por mais de um território.

A entrega de produto real caracteriza-se pelo fato de que o acompanhamento se faz sobre a efetiva carga de substancias ilícitas. Por outro lado, na entrega de produto substituído, ocorre a substituição completa ou parcial da droga apreendida, visando a garantir o êxito da operação.

Na entrega controlada com acompanhamento, a operação é realizada na presença de investigação feita através do uso de agentes infiltrados ou policiais à paisana. Já na hipótese da entrega sem acompanhamento, a operação é realizada sem a presença física da polícia, quando a droga ou carga, ou é transportada através do correio, ou é escondida em meio a bagagens, em ônibus, trens ou aviões.

Por fim, encerrando-se essa abordagem sobre o tema das entregas vigiadas ou controladas, importante mencionar a necessidade de que alguns princípios sejam obedecidos, quando da realização da operação.

De início, o primeiro princípio refere-se à legalidade. A entrega controlada deverá obedecer aos requisitos exigidos em lei, não se admitindo qualquer entendimento extensivo ou analógico que venha a vulnerar direitos e garantias dos investigados.

Também deverá ocorrer a obediência ao princípio da eficiência e segurança, no intuito de se evitar a perda do objeto da investigação. Toda a operação de acompanhamento deverá ser realizada dentro de um marco de segurança e evitando-se riscos desnecessários.

O princípio da orientação uniforme diz respeito ao fato de que a autoridade policial que iniciar a operação de vigilância deverá providenciar para que outras autoridades que possam, eventualmente, tomar contato com o carregamento da substancia ilícita, tenham conhecimento do plano estratégico, evitando-se a atuação dessas, o que provocaria a perda do labor investigativo.

O princípio da flexibilidade, ou seja, a possibilidade de troca de estratégias de acompanhamento, deve ser levado em conta, vez que o objetivo maior da investigação, além de consistir na identificação de outras pessoas envolvidas no delito, refere-se ao fato de se evitar a perda do carregamento de drogas ou outros produtos ilícitos.

O último princípio seria o da proporcionalidade, partindo-se do pressuposto de que todo meio de investigação que possa contrastar direitos e garantias dos investigados deverá pautar-se pelo critério da ultima ratio. Obrigatoriamente, a proporcionalidade consistirá na análise da adequação e necessidade da utilização desse meio extraordinário de investigação.

Em apertada síntese, poderíamos afirmar que a técnica de investigação criminal, denominada entrega vigiada ou controlada, apresenta-se como eficaz no combate a determinadas formas mais graves de criminalidade, bastando-se para tal, que seja tratada com mais seriedade pela legislação brasileira, vez que do contrário, continuaremos a presenciar na prática, a execução de tal modalidade investigativa ao arrepio dos direitos e garantias dos investigados.

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Sobre o autor
Flávio Cardoso Pereira

promotor de Justiça em Goiás, pós-graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Flávio Cardoso. Meios extraordinários de investigação criminal.: Infiltrações policiais e entregas vigiadas (controladas). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1777, 13 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11258. Acesso em: 16 abr. 2024.

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