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ANPP: recusa inidônea pelo órgão ministerial e o crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor

26/01/2025 às 07:49

Resumo:


  • A Lei nº 13.964/2019 introduziu o acordo de não persecução penal (ANPP) como uma ferramenta na justiça consensual, atenuando o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública incondicionada.

  • O ANPP é uma exceção ao princípio da obrigatoriedade da ação penal, com requisitos definidos pela lei para sua aplicação, visando evitar o início da ação penal.

  • A recusa injustificada do Ministério Público em oferecer o ANPP pode ser objeto de controle judicial, garantindo a eficácia do sistema de direitos e garantias do acusado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O acordo de não persecução penal visa despenalizar crimes de menor gravidade com requisitos específicos. O MP pode negar o acordo?

A Lei nº 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, alterou o Código de Processo Penal e introduziu mais uma ferramenta na chamada justiça “consensual” ou “negociada”, a exemplo dos benefícios da transação penal e da suspensão condicional do processo previstos nos arts. 76 e 89 da Lei nº 9.099/1995.

Segundo Guilherme de Souza Nucci, a medida despenalizadora descrita como acordo de não persecução penal – ANPP “atenua, ainda mais, o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública incondicionada”, por se tratar de “reflexo da nova política criminal” (Pacote anticrime comentado: Lei nº 13.964/2019. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 60).

Trata-se de uma exceção ao princípio da obrigatoriedade da ação penal. Para tanto, a lei definiu os seguintes requisitos para a entabulação do ANPP, que visa evitar o início da ação penal, tendo, por isso e a priori, natureza pré-processual, visto ser direcionado ao investigado:

Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:

I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;

II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;

III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);

IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou

V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.

§ 1º. Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto.

§ 2º. O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses:

I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;

II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;

III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e

IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.

Além do mais, o oferecimento do ANPP é um poder dever do Parquet, devendo a benesse ser oferecida quando todos os requisitos legais forem satisfeitos, sob pena de infração ao princípio do devido processo legal - art. 5º, LIV, da CF/1988.

Ocorre que, em caso de negativa do órgão ministerial, a recusa não pode ocorrer por meio de fundamentação inidônea, circunstância que dará azo à intervenção judicial, afinal, como forma de garantir a eficácia do sistema de direitos e garantias do acusado, o juiz deve zelar pelo controle da legalidade da recusa utilizada pelo Parquet, especialmente quando infundada.

Sobre isso, extrai-se do texto abaixo:

[...] é absolutamente possível ao magistrado realizar o controle judicial de legalidade acerca dos motivos da recusa de oferta do ANPP ao imputado.

Isto porque, em primeiro lugar, em qualquer Estado que se pretenda verdadeiramente democrático, os poderes das autoridades são essencialmente limitados e questionáveis, não havendo poderes absolutos, de forma que ao lado do importante dogma da separação dos poderes e funções, é imperiosa a necessidade de controle externo (externa corporis) dos poderes e das instituições do Estado.

Em segundo lugar, verifica-se a partir de interpretação sistemática da legislação de regência que é absolutamente possível ao magistrado, no controle da legalidade processual e em estrita observância de sua missão constitucional, decidir acerca da (in)viabilidade da recusa formulada pelo órgão ministerial em oferecer o ANPP.

No ponto, é indispensável atentar-se para o fato incontroverso de que o próprio legislador outorgou ao magistrado poderes de controle da legalidade acerca do acordo de não persecução penal, na medida em que lhe autorizou a "verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade" (artigo 28-A, §4º do CPP), bem como lhe autorizou a devolver os autos ao r. membro do MP para que "seja reformulada a proposta de acordo", caso considere "inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal" (artigo 28-A, § 5º do CPP).

De fato, pensar de modo contrário seria insanidade, pois se o legislador outorgou ao magistrado o poder de julgar insuficientes as condições estabelecidas na minuta de acordo, podendo obstar a sua perfectibilização (deixando de homologar) e determinando (e determinar aqui tem sentido de ordem) ao Ministério Público que faça uma reformulação, com muito mais razão é que pode — amparado nos mais comezinhos princípios constitucionais — analisar a recusa de proposta ao acordo e decidir acerca de sua idoneidade. Afinal, vale relembrar aqui a expressão latina a maiori, ad minus.

Assim, da mesma forma que pode o magistrado verificar a legalidade do acordo (artigo 28-A, §4º do CPP), bem como pode decidir se as condições entabuladas pelas partes (MP e Imputado) são suficientes para reprovação e prevenção do crime, determinando, inclusive, que sejam reformuladas as cláusulas (artigo 28-A, §5º do CPP), certamente pode o menos que, no caso, é analisar se os motivos elencados pelo Ministério Público para se recusar a ofertar o acordo são suficientes (exercício do controle da legalidade).

[...]

Com base nessas premissas, penso que a recusa infundada ou desarrazoada do Ministério Público em ofertar o acordo de não persecução penal ao Imputado — opção deliberada pela via disputada ao invés da via consensual — ensejaria a ausência da condição de exercício da ação penal interesse de agir, que vincula-se, no caso, ao esgotamento do interesse primário do Estado no uso da justiça consensual.

Dessarte, carecendo condição para o exercício da ação penal estaria o magistrado autorizado a: (i) rejeitar a denúncia com base no artigo 395, inciso II, do CPP [o que, penso, não seria o caminho mais adequado, diante da inexistência de coisa julgada material da decisão]; ou (ii) conceder habeas corpus ex officio com base no artigo 654, §2º, do CPP para trancar a ação penal, diante da opção deliberada do Ministério Público pela via disputada em detrimento da consensual, ancorando-se em recusa infundada ou desarrazoada de oferta do ANPP ao Imputado [o que, penso, seria o caminho ideal a consecução da missão constitucional do magistrado]

(Agacci, Matheus. O necessário controle de legalidade da recusa de oferta pelo Ministério Público. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2022-out-07/mathaus-agacci-controle-legalidade-recusa-oferta-mp/>, acesso em 24/1/2025).

A discricionariedade mitigada do Parquet autoriza o não oferecimento do ANPP, mas essa opção deve se dar “dentro de uma legítima opção da própria Instituição”. Por isso, a nova regra do art. 28-A do Código de Processo Penal “permite ao Parquet a opção, devidamente fundamentada, entre denunciar ou realizar o acordo de não persecução penal, a partir da estratégia de política criminal adotada pela Instituição” (STF. HC n. 195.725. Relator: Min. Alexandre de Moraes).

O princípio constitucional da proporcionalidade, inclusive, é fator limitador para estabelecer a diferença entre a discricionaridade e a arbitrariedade:

A discricionariedade deve ser empregada em cada caso concreto e mesmo assim, caso o juízo de conveniência e oportunidade afronte algum princípio constitucional, a recusa pode ser objeto de controle jurisdicional, nos termos do artigo 5º, XXXV, da CF (princípio da indeclinabilidade da prestação jurisdicional).

Não existe, portanto, liberdade absoluta para estabelecer critérios abstratos e apriorísticos para a recusa em negociar com quem se encontre sob o alcance da norma despenalizadora do ANPP.

[...] o exercício de uma prerrogativa processual por parte do Parquet deve ser autorizado pela lei e pelos princípios constitucionais que a informam. Sem isso, o suposto direito da acusação se transforma em ato arbitrário, deslocando o centro gravitacional da persecução penal para fora do âmbito de juridicidade.

No caso do ANPP, a discricionariedade está condicionada ao princípio da proporcionalidade. Não pode o Ministério Público adotar critérios próprios e subjetivos para excluir do Acordo determinadas infrações penais, enquanto oferta essa possibilidade para crimes de maior intensidade de lesão ao bem jurídico.

[...]

Fora isso, a avaliação “discricionária” começa a assumir ares de arbitrariedade. Por essa razão, é decisiva a incidência do princípio da proporcionalidade a fim de balizar os critérios adotados pelo titular da persecução penal, atuando como bússola interpretativa. Tem-se admitido, por exemplo, o ANPP para com violência real, como o homicídio culposo na condução de veículo automotor, enquanto se nega o mesmo direito a infrações cometidas por palavras ou opiniões.

[...]

O ANPP tem finalidade despenalizadora e visa a evitar a excessiva judicialização para crimes que, ao final, não serão punidos com pena privativa de liberdade. Negar-se ao investigado o cumprimento de penas restritivas de direito mediante um Acordo, para obrigá-lo a suportar todo o longo desenrolar do processo, para receber as mesmas penas oferecidas no acordo, é fazer mal uso da relação processual, desvirtuando sua finalidade para transformá-la em pena autônoma.

[...]

A postura revanchista de negar o Acordo a quem preenche os requisitos objetivos previstos em lei, enquanto se estende a negociação a outros crimes de lesão efetiva, viola o princípio da proporcionalidade e é causa de nulidade absoluta. “Nesse caso, a formalidade violada não está estabelecida simplesmente em lei, havendo ofensa direta ao Texto Constitucional, mais precisamente aos princípios constitucionais do devido processo legal”.

[...]

Recusar de antemão o oferecimento do Acordo em relação a investigados que preencham os requisitos legais, não se equipara a discricionariedade, mas descumprimento da lei, provocando nulidade absoluta, a qual pode ser declarada ex officio pelo Poder Judiciário. Mesmo sob a influência do funcionalismo teleológico de Roxin, o Direito deve manter seu compromisso com a dogmática e a ciência jurídica, evitando tratamento desproporcional a infrações de diferentes níveis de lesão, motivado por premissas ideológicas ou promocionais, de conformação midiática.

(Capez, Fernando. ANPP: proporcionalidade como princípio limitador da discricionaridade do MP. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2024-jul-22/anpp-proporcionalidade-como-principio-limitador-da-discricionaridade-do-mp/>, acesso em 24/1/2025).

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre o assunto:

RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. ART. 28-A, CAPUT e § 14, DO CPP. DISCRICIONARIEDADE REGRADA. DEVER-PODER DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RECUSA EM OFERECER O ACORDO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. EXCESSO DE ACUSAÇÃO. CABIMENTO DA MINORANTE PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI Nº 11.343/2006. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. NULIDADE. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. REMESSA DOS AUTOS AO ÓRGÃO SUPERIOR DO PARQUET. INDEFERIMENTO DO MAGISTRADO. ILEGALIDADE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

[...]

2. A aplicação das ferramentas de barganha penal observa uma discricionariedade regrada ou juridicamente vinculada do Ministério Público em propor ao investigado ou denunciado uma alternativa consensual de solução do conflito. Não se pode confundir, porém, discricionariedade regrada com arbitrariedade, pois é sob o prisma do poder-dever (ou melhor, do dever-poder), e não da mera faculdade, que ela deve ser analisada.

3. Se a oferta de institutos despenalizadores é um dever-poder do Ministério Público e se tais institutos atuam como instrumentos político- criminais de otimização do sistema de justiça e, simultaneamente, de contenção do poder punitivo estatal, com diminuição das cerimônias degradantes do processo e da pena, não cabe ao Parquet escolher, com base em um juízo de mera conveniência e oportunidade, se vai ou não submeter o averiguado a uma ação penal.

4. A margem discricionária de atuação do Ministério Público quanto ao oferecimento de acordo diz respeito apenas à análise do preenchimento dos requisitos legais, sobretudo daqueles que envolvem conceitos jurídicos indeterminados. É o que ocorre, principalmente, com a exigência contida no art. 28-A, caput, do CPP, de que o acordo só poderá ser oferecido se for necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.

5. Vale dizer, não é dado ao Ministério Público, se presentes os requisitos legais, recusar-se a oferecer um acordo ao averiguado por critérios de conveniência e oportunidade. Na verdade, o que o Ministério Público pode fazer ? de forma excepcional e concretamente fundamentada ? é avaliar se o acordo é necessário e suficiente à prevenção e reprovação do crime, o que é, em si mesmo, um requisito legal.

6. O Ministério Público tem o dever legal (art. 43, III, da Lei Orgânica do Ministério Público - Lei nº 8.625/1993) e constitucional (art. 129, VIII, da CF) de fundamentar suas manifestações e, embora não haja direito subjetivo à entabulação de um acordo, há direito subjetivo a uma manifestação idoneamente fundamentada do Ministério Público. E cabe ao Judiciário, em sua indeclinável, indelegável e inafastável função de “dizer o direito” (juris dictio), decidir se os fundamentos empregados pelo Parquet se enquadram ou não nas balizas do ordenamento jurídico.

7. A negativa de oferecimento de mecanismo de justiça negocial por não ser necessário e suficiente à reprovação e à prevenção do crime deve sempre se fundar em elementos concretos do caso fático, os quais indiquem exacerbada gravidade concreta da conduta em tese praticada.

[...]

20. Recurso especial provido para anular o recebimento da denúncia e determinar a remessa dos autos ao órgão superior do Ministério Público do Estado de São Paulo, a fim de que reavalie, motivadamente, a recusa em oferecer o acordo de não persecução ao recorrente

(STJ. REsp n. 2038947, julgado em 17/9/2024. Relator: Min. Rogério Schietti Cruz).

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Trazendo essa situação para a prática, vemos com frequência alguns Promotores de Justiça se recusando a oferecer o ANPP aos investigados que praticaram o crime previsto no art. 302. da Lei nº 9.803/19971, que somente é punível a título de culpa.

É importante registrar que não se discute a atribuição do Parquet de oferecer (ou não) o a benesse do ANPP. Tal atribuição é prevista em lei.

Aqui, a discussão é acerca da recusa do Parquet em não oferecer o ANPP, cujo fundamento é ilegítimo.

No caso do delito de homicídio culposo na direção de veículo automotor, é inegável que a conduta do investigado causou a morte da vítima, mas o legislador, ao vetar o ANPP para os crimes cometidos com violência ou grave ameaça, atendeu a uma política criminal de não beneficiar injustos com maior reprovação em razão do desvalor da ação.

Se o crime foi culposo, está claro que o investigado não queria, não desejava e não tinha a intenção de causar o óbito da vítima, ou seja, a violência não decorreu da intenção ou ação do condutor do veículo, mas do resultado da conduta.

Uma respeitável doutrina também encampa a possibilidade da celebração do negócio jurídico no crime de homicídio culposo, eis que “[…] para que impeça a celebração do acordo de não persecução penal, a violência ou grave ameaça deve ser circunstância elementar da conduta dolosa. Assim, crimes culposos que porventura tenham produzido resultado violento ou morte permitem, ao menos em tese, acordo de não persecução penal.” (Gomes Filho, Antônio Magalhães; Toron, Alberto Zacharias; Badaró, Gustavo Henrique. Código de Processo Penal Comentado [livro eletrônico]. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020).

Nesse mesmo prisma, Rogério Sanches Cunha destaca que a violência capaz de impedir o benefício deste instituto é aquela inerente à conduta, não ao resultado. Assim, por exemplo, ao homicídio culposo é aplicável o acordo de não persecução penal (Pacote Anticrime: Lei nº 13.964/2019: Comentários às alterações no CP, CPP e LEP. Salvador: Editora Juspodivm, 2020, p. 135).

Para corroborar, o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG) e o Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), a fim de contribuir com a atividade-fim dos membros do Ministério Público na interpretação da Lei Anticrime (Lei nº.13.964/2019), emitiram o seguinte Enunciado 232:

É cabível o acordo de não persecução penal nos crimes culposos com resultado violento, uma vez que nos delitos desta natureza a conduta consiste na violação de um dever de cuidado objetivo por negligência, imperícia ou imprudência, cujo resultado é involuntário, não desejado e nem aceito pela agente, apesar de previsível.

Aliás, de acordo com o Ministério Público do Estado de Goiás,

“é cabível o ANPP nos crimes culposos com resultado violento, uma vez que nos delitos desta natureza a conduta consiste na violação de um dever de cuidado objetivo por negligência, imperícia ou imprudência, cujo resultado é involuntário, não desejado e nem aceito pela agente, apesar de previsível (v. enunciado 32 – GNCCRIM)”

(Manual de atuação e orientação funcional – acordo de não persecução penal - ANPP. Disponível em <https://www.mpma.mp.br/arquivos/CAOPCRIM/ANPP/18_08_30_417_Manual_Acordo_de_N%C3%A3o_Persecu%C3%A7%C3%A3o_Penal.pdf>. Acesso em 24/1/2025).

O Ministério Público do Estado do Paraná segue a mesma orientação3, assim como o Ministério Público do Estado de São Paulo, este por meio do Enunciado 74 do CAOCrim4.

Afinal, “a violência impeditiva do ANPP deve estar na conduta (não impedindo o acordo se presente apenas no resultado)”, segundo o Ministério Público do Estado da Paraíba5.

Em se tratando de crime culposo com resultado morte, não basta dizer apenas que o crime foi cometido com violência para negar o ANPP. A viabilidade do negócio deve levar em consideração as circunstâncias do caso concreto para se aferir o atendimento do critério de necessidade e suficiência para reprovação e prevenção do crime, além do grau de reprovabilidade das condutas dolosas e culposas.

Então, se a não formalização oportuna do ANPP desacompanhada de motivação idônea constitui nulidade absoluta6, o mesmo deve acontecer com a negativa da propositura do ANPP baseada em motivo ilegítimo.

Ora, o Parquet não pode negar a benesse sob o manto da sua discricionaridade, quando, na verdade, o motivo inidôneo alegado se traduz em falta de justa causa para a denúncia e falta de interesse processual, situações que causam evidente constrangimento ilegal.


Notas

1 Lei nº 9.503/1997: Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

2 Disponível em <https://www.mpgo.mp.br/portal/arquivos/2020/01/22/09_46_37_348_GNCCRIM_AN%C3%81LISE_LEI_ANTICRIME_JANEIRO_2020.pdf>. Acesso em 24/1/2025.

3 Disponível em <https://site.mppr.mp.br/sites/hotsites/arquivos_restritos/files/migrados/File/ANPP_e_Homicidio_Culposo_-_enunciados_-_recomendacoes_-_doutrina_e_jurisprudencia.pdf>. Acesso em 24/1/2025.

4 Enunciado 74 do CAOCrim/MPSP: É cabível o acordo de não persecução penal nos crimes culposos com resultado violento, pois, nesses delitos, a violência não está na conduta, mas no resultado não querido ou não aceito pelo agente, incumbindo ao órgão de execução analisar as particularidades do caso concreto.

5 Disponível em <https://www.mppb.mp.br/images/DOCS/GUIA-PRTICO---Perguntas-e-respostas-em-sede-de-ANPP.pdf>. Acesso em 24/1/2025.

6 AgRg no HC n. 762.049/STJ, julgado em 7/3/2023. Relatora: Min. Laurita Vaz.

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Sobre o autor
Fabiano Leniesky

OAB/SC 54888. Formado na Unoesc. Advogado Criminalista. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal. Pós-graduado em Advocacia Criminal. Pós-graduado em Ciências Criminais. Pós-graduado em Direito Probatório do Processo Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LENIESKY, Fabiano. ANPP: recusa inidônea pelo órgão ministerial e o crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7879, 26 jan. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/112593. Acesso em: 30 jan. 2025.

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