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A crise de legitimidade na democracia e os instrumentos de participação popular

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2. A LEGITIMIDADE E A CRISE ATUAL

2.1. O Sistema eleitoral e as eleições no Brasil

Com o advento da Constituição de 1988, o Brasil trouxe a garantia de eleições periódicas através do voto popular. A eleição do representante pode ser considerada a forma de legitimação mais aceita em nosso país. O sistema eleitoral pode ser conceituado da seguinte forma:

No caso do Direito Eleitoral, a democracia é o todo. As partes são os votos, manifestações representativas da vontade dos eleitores. Ou seja, o sistema no Direito Eleitoral é a interação entre votos, a forma como são computados, para permitir o funcionamento da democracia. Assim, busca-se determinar o modo pelo qual devem ser contabilizados os votos para que os eleitos representem a vontade popular, e, nessa condição, elaborem legitimamente as políticas públicas. Em outras palavras, é o conjunto de critérios que permite transformar o voto em poder. Sistema eleitoral, portanto, corresponde aos critérios utilizados para apontar os vencedores em um processo eleitoral, tendo em vista a legitimidade do voto. No Brasil, adotam-se o sistema majoritário e o sistema proporcional, a depender do cargo para o qual se realizam as eleições. (MACHADO, 2018, n.p.)

O sistema eleitoral define as regras para a escolha dos representantes do povo, já que o Brasil adotou uma democracia representativa, como abordado anteriormente.

Em regra, o Brasil adota dois sistemas eleitorais distintos, a saber: majoritário e proporcional. O sistema majoritário é dividido em absoluto e simples, em ambos os casos o eleito é o com maior quantidade de votos. (MACHADO, 2018, n.p.) O sistema majoritário simples é aplicado para os cargos de prefeito e vice-prefeito, em cidades com até 200.000 eleitores, e para o senado. Por outro lado, o majoritário absoluto é aplicado para os cargos do executivo federal e estadual, bem como para os cargos do executivo municipal, nos entes que possuam mais de 200.000 eleitores. A distinção entre esses sistemas está na necessidade de uma maioria absoluta de votos, no sistema absoluto, para o representante ser eleito e uma maioria simples, quando se trata de cidades com menos de 200 mil eleitores. Por isso, nas campanhas presidenciais nos deparamos diversas vezes com um segundo turno, já que o candidato não obteve a maioria absoluta no primeiro turno da eleição.

No Poder Legislativo, em regra, utiliza-se o sistema proporcional:

Sistema proporcional é criação relativamente recente, pois somente no século XX ganhou aceitação, embora desde a Convenção, em 1793, haja sido defendido. Busca este sistema retraçar no órgão coletivo a diversidade de correntes populares, em proporção às forças de cada uma destas. Pressupõe partidos, pois sem estes não há meio de se mensurarem essas correntes. A proporcionalidade gera sempre a multiplicação de partidos que têm interesse a sublinhar os pontos de divergência, e não os pontos comuns, em relação aos outros. (FERREIRA FILHO, 2012, n.p.)

Observa-se que este sistema busca uma participação maior das minorias, garantindo que estas possam eleger representantes para legislar, fiscalizar e debater suas posições. A distribuição de vagas levará em conta o quociente eleitoral e o partidário, conforme leciona Gilmar Mendes:

O sistema proporcional permite, por sua vez, uma distribuição de vagas de acordo com o número de votos obtidos pelos candidatos e/ou partidos. Isso significa que os votos dados ao parlamentar ou ao partido serão computados para os fins de definição do quociente eleitoral e do quociente partidário. Em geral, o sistema proporcional opera-se com listas fechadas apresentadas pelos partidos, fazendo-se a distribuição de vagas consoante a votação obtida pelo partido e pela posição atribuída ao candidato na lista partidária. Semelhante sistema parece contemplar de forma mais ampla a igualdade do voto quanto ao resultado, pois valora, tanto quanto possível, as opções formuladas pelos eleitores. (MENDES, 2019, n.p.)

O Brasil adotou o sistema proporcional para a eleição dos deputados federais, estaduais e para os vereadores, através da votação nominal e de lista aberta.

A Constituição trouxe dispositivos prevendo as eleições a cada 4 anos para os três níveis da federação. A Eleição para cargos federais e estaduais ocorrem no mesmo ano. Ao passo que os cargos municipais ocorrem em ano separado. O interstício entre as eleições estaduais e nacionais para as municipais respeita um intervalo de dois anos. Em ambos os casos, observa-se o período de quatro anos para novas eleições.

Assim disciplina a Constituição a respeito das eleições para presidenciais:

Art. 77. A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República realizar-se-á, simultaneamente, no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato presidencial vigente.

§ 1º A eleição do Presidente da República importará a do Vice-Presidente com ele registrado.

§ 2º Será considerado eleito Presidente o candidato que, registrado po r partido político, obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.

Art. 82. O mandato do Presidente da República é de quatro anos e terá início em primeiro de janeiro do ano seguinte ao da sua eleição.

Para as eleições dos governadores de estados, disciplina a CF:

“A eleição do Governador e do Vice-Governador de Estado, para mandato de quatro anos, realizar-se-á no primeiro domingo de outubro, em primeiro turno, e no último domingo de outubro, em segundo turno, se houver, do ano anterior ao do término do mandato de seus antecessores, e a posse ocorrerá em primeiro de janeiro do ano subsequente, observado, quanto ao mais, o disposto no art. 77” (BRASIL, 1988, Art. 58).

Da mesma forma, disciplina as eleições em âmbito municipal:

“eleição do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores, para mandato de quatro anos, mediante pleito direto e simultâneo realizado em todo o País” (BRASIL, 1988, Art.29)

Para o legislativo ocorrem duas eleições com dois sistemas distintos, como já observados. O Brasil adota um modelo bicameral, dessa forma, o legislativo é dividido em duas casas distintas. A Câmara dos Deputados compõem-se dos representantes do povo, ao passo, que o Senado compõe-se de representantes dos Estados. Disciplina a Constituição sobre as eleições para o legislativo:

Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal.

§ 1º O número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados.

§ 2º Cada Território elegerá quatro Deputados.

Art. 46. O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário.

§ 1º Cada Estado e o Distrito Federal elegerão três Senadores, com mandato de oito anos.

§ 2º A representação de cada Estado e do Distrito Federal será renovada de quatro em quatro anos, alternadamente, por um e dois terços.

As eleições para o Senado apresentam uma pequena peculiaridade:

A representação de cada Estado-Membro e do Distrito Federal no Senado é renovada de quatro em quatro anos, alternadamente, por 1/3 (isto é, 1/3 de 3 = 1 Senador; enfim, troca-se 1 Senador) ou 2/3 (isto é, 2/3 de 3 = 2 Senadores; enfim, trocam-se 2 Senadores), a saber, todos os Senadores ficam oito anos no cargo. (LENZA, 2012, n.p.)

Assim ocorrem as eleições no Brasil pós Constituição de 1988. Entretanto, pode-se constatar que não ocorrem eleições para o Poder Judiciário, diferentemente de outros países. Outros atores políticos importantes no equilíbrio constitucional entre os poderes não são eleitos pelo povo. Dessa forma, há de se entender como ocorre a legitimação desses atores.

2.2. Legitimação dos agentes públicos

A legitimação, como visto anteriormente, dos agentes políticos do Poder Executivo e Legislativo se dá de forma direta, através de eleições periódicas nos três âmbitos da federação. A escolha de representantes pelo povo é a forma mais autêntica de se legitimar o ator para atuar em nome dos que representa.

No Poder Legislativo, a legitimação de todos os atores se dá desta forma. Dada a relevância deste poder no equilíbrio de um estado, outra forma de legitimação não seria aceita. Os parlamentares exercem a função primordial de fiscalizar os outros poderes, além da função legiferante.

Ao passo, no Poder Executivo os cargos de chefe de governo e chefe de estado, no caso do presidente da república, são legitimados através das eleições, entretanto, algumas funções importantes no governo são escolhidas pelo eleito. Os Ministros de estado e os secretários, nos âmbitos estaduais e municipais, são designados pelo eleito:

Quanto aos Ministros, estes são auxiliares do Presidente da República na tarefa de administração federal, sendo por ele nomeados e demissíveis ad nutum, isto é, sem maiores justificativas. Eles devem possuir idade mínima de 21 anos e podem ser brasileiros natos ou naturalizados, salvo o Ministro da Defesa, de quem se exige nacionalidade nata (PADILHA, 2020, n.p.)

A escolha “ad nutum” é também adotada nos âmbitos estadual e municipal, porém não incide a regra de idade mínima de 21 anos, sendo adotada a idade mínima de 18 anos. Os Ministros de Estado atuarão nas pastas estratégicas do governo, implementando políticas econômicas, de saúde, educação, dentre outras:

Nesse diapasão, considerando que os Ministérios de Estado não somente expedem instruções para a execução das leis e regulamentos e praticam os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas, mas também exercem a orientação das entidades e órgãos da Administração Pública federal e referendam os decretos assinados pelo Presidente da República, apresentando-lhe relatório anual de sua gestão ministerial, controvérsia há quanto à indispensabilidade do referendo ministerial para a validade dos decretos presidenciais. (MORAES, 2018, n.p.)

Percebe-se a importância destes atores políticos na tomada de decisões e no futuro do ente federativo. As políticas adotadas neste ministério serão primordiais para todo o povo, vide atuações desastrosas ao longo de nossa jovem democracia. Pode-se considerar a indicação destes atores legítimas, já que o chefe do governo é escolhido pelo povo após a apresentação de uma plataforma de propostas políticas. Gerando, consequentemente, a nomeação de ministros ou secretários alinhados às suas propostas.

Entretanto, deveria se considerar a possibilidade de um controle mais efetivo da população não satisfeita com as políticas adotadas em determinadas áreas. Cita-se a crise do COVID-19, em que a atuação de todos os Ministros foi desastrosa, causando impactos que poderão ser sentidos nas próximas gerações.

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A escolha de presidentes de empresas estatais também caberá ao chefe de governo eleito pelo povo. No entanto, as agências reguladoras, devido sua importância, possuem regras um pouco diferente.

As agências reguladoras de serviços públicos são forjadas pela autonomia técnica, eis que as decisões das agências reguladoras têm motivação predominantemente técnica, não havendo falar em recursos administrativos impróprios, autonomia financeira, na medida em que as agências reguladoras têm receitas que lhes são destinadas, por exemplo, as taxas de fiscalização da Administração Pública, e autonomia administrativa, tendo em vista que os conselheiros das agências reguladoras têm investidura por tempo certo, somente havendo a possibilidade de demissão em caso de falta grave apurada em procedimento administrativo disciplinar (MORAES, 2018, n.p.)

Observa-se que os conselheiros das agências reguladoras serão escolhidos pelo chefe de governo, entretanto não serão demissíveis “ad nutum”. Sua demissão dependerá de prévia autorização pelo poder legislativo em casos pré-determinados, assim como sua nomeação também passará por sabatina. O cidadão mais uma vez detém apenas o poder indireto de escolha sobre esses atores políticos.

Fato parecido ocorre nos Tribunais de Contas, órgãos fiscalizadores de suporte ao poder legislativo. Seus integrantes são escolhidos pelo chefe de governo e pelo poder legislativo, por exemplo, o Tribunal de Contas da União terá em sua composição 1/3 dos membros escolhido pelo Presidente da República e 2/3 escolhidos pelo Congresso Nacional.

Hoje, percebe-se que a indicação dos membros não é feita de forma técnica, privilegiando políticos alinhados ao Congresso Nacional. A Constituição previu a reserva de vagas para os auditores e membros do Ministério Público de Contas na escolha do Presidente da República. Todavia, tal mecanismo não se mostra eficiente para garantir a lisura do TCU. No âmbito estadual percebe-se o mesmo problema.

Na atualidade, o Poder judiciário tem adotado uma posição ativa, isto é, tem participado cada vez mais das tomadas de decisões e se imiscuindo em debates outrora inimagináveis ao judiciário. Fato é que, cada vez mais, ocorre a judicialização de demandas antes debatidas apenas no campo das ideias e da política.

A partir da judicialização, observa-se um novo fenômeno na política brasileira: o ativismo judicial. Barroso, explica tal fenômeno:

Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes (BARROSO, 2009, p. 6)

A participação mais ampla e intensa do judiciário tem causado certo desconforto aos outros poderes, como veremos a seguir, e a população. Muitos tem se questionado como seria possível que atores políticos não eleitos pelo povo pudessem tomar decisões que, além de ir de encontro às tomadas pelos poderes eleitos, mudariam de forma concreta a vida das pessoas:

Membros dos Poderes Executivo e Legislativo são normalmente eleitos pelo povo para exercer temporariamente um mandato popular, ao final do qual, ainda que às vezes apenas formalmente, são julgados e, conforme o resultado, reconduzidos ou afastados de seus cargos. A escolha pelo povo lhes dá a legitimidade que os membros do Poder Judiciário não possuem, e a avaliação popular lhes impõe um sistema de controle popular que não existe para os integrantes do Poder Judiciário. A falta de acompanhamento, pela sociedade, do comportamento do juiz, por exemplo, pode dificultar a compreensão de sua atuação e a receptividade de suas decisões. Como admitir, por exemplo, que o Poder Judiciário julgue inconstitucional lei votada pelo Poder Legislativo, quando os membros desse poder foram legitimamente eleitos e agem como representantes do povo, enquanto integrantes do Poder Judiciário são desconhecidos da sociedade? (BARBOSA, 2006, p. 6)

Observa-se que esta é uma pergunta recorrente, levando em consideração as reflexões e questionamentos feitos pela população. Afinal, como pode se justificar a legitimidade do poder judiciário, ao passo que não são eleitos. Para Barroso, existem duas correntes: uma normativa e uma filosófica.

A corrente normativa se apega ao caráter funcional designado pela própria Constituição, que seria a vontade popular celebrada através de representantes eleitos:

O fundamento normativo decorre, singelamente, do fato de que a Constituição brasileira atribui expressamente esse poder ao Judiciário e, especialmente, ao Supremo Tribunal Federal. A maior parte dos Estados democráticos reserva uma parcela de poder político para ser exercida por agentes públicos que não são recrutados pela via eleitoral, e cuja atuação é de natureza predominantemente técnica e imparcial. De acordo com o conhecimento tradicional, magistrados não têm vontade política própria. Ao aplicarem a Constituição e as leis, estão concretizando decisões que foram tomadas pelo constituinte ou pelo legislador, isto é, pelos representantes do povo (BARROSO, 2009, p. 11)

A corrente filosófica tenta proteger as minorias de decisões que poderiam ser agressivas a elas. Ou seja, a Constituição busca que agentes independentes possam assegurar o direito de todos:

a Constituição deve desempenhar dois grandes papéis. Um deles é o de estabelecer as regras do jogo democrático, assegurando a participação política ampla, o governo da maioria e a alternância no poder. Mas a democracia não se resume ao princípio majoritário. Se houver oito católicos e dois muçulmanos em uma sala, não poderá o primeiro grupo deliberar jogar o segundo pela janela, pelo simples fato de estar em maior número. Aí está o segundo grande papel de uma Constituição: proteger valores e direitos fundamentais, mesmo que contra a vontade circunstancial de quem tem mais votos. E o intérprete final da Constituição é o Supremo Tribunal Federal. (BARROSO, 2009, p. 11)

Fato é que as decisões judiciais têm causado desconforto a população. Principalmente as tomadas por tribunais superiores, como, por exemplo, o STF. Os membros do STF são escolhidos pelo presidente da república e aprovado por maioria absoluta do Senado, nos termos da Constituição.

Alguns países com democracias mais estáveis utilizam-se da eleição para os cargos de juiz. No Brasil, não se cogita esta ideia no momento. Deve-se cobrar uma maior participação da população, mesmo que não seja através da eleição direta, que possa ocorrer por meio de mecanismos de fiscalização, controle e destituição dos magistrados que não correspondam as boas práticas ou atuem de forma prejudicial ao povo. Hoje, os ministros do STF apenas podem ser destituídos por processo de “impeachment” no Senado Federal, fato este que nunca aconteceu.

Outro importante ator na democracia brasileira é o Ministério Público (MP). A CF, em seu artigo 127, define que “O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.” (BRASIL, 1988)

O MP atua, sobretudo, na proteção da ordem jurídica e na defesa do regime democrático. Destarte, pressupõe que os representantes maiores de tal órgão deveriam ser escolhidos ou, ao menos, terem sua atuação controlada e avaliada pelo povo. No entanto, a escolha do Procurador-Geral da República (PGR) é realizada de forma indireta pelo Presidente da República com prévia aprovação do Senado.

As escolhas são previstas na CF e obedecem a critérios objetivos e subjetivos, no entanto, pouco restritivos. A escolha do PGR é alvo de diversas polêmicas desde a redemocratização do Brasil, sendo escolhidos, em regra, membros do MP que atuarão na defesa do governo.

Ao contrário dos chefes do MP no âmbito estadual, o PGR não deve ser escolhido em uma lista tríplice elaborada por membros do próprio MP. Por alguns governos, respeitou-se uma lista sugestiva dos próprios membros do MP, mas a última escolha, por exemplo, recaiu sobre um membro que não figurava na lista.

A lista em si não é garantia de atuação independente, já que este estará vinculado aos seus pares, trazendo à tona um dos maiores problemas do Brasil: o corporativismo.

Há de se pensar, em uma maneira mais efetiva de participação popular na escolha dos membros superiores do MP.

2.3. Separação dos poderes

Como já demonstrado nos capítulos anteriores, a CF de 1988 primou pela separação dos poderes e a independência e atuação harmônica. Implicitamente, a CF trouxe o princípio republicano, assim podendo ser definido:

O princípio republicano, possivelmente, um dos mais enigmáticos da Constituição, diferente da monarquia, não concentra poder na pessoa de um só, como pode, às vezes, parecer no presidencialismo. Primeiro, porque as funções do Estado são separadas em legislativa, executiva e judiciária; segundo, porque o Presidente da República exerce mandato e conforme dispõe a Carta Política brasileira, de 4 em 4 anos há eleições; ele é escolhido, mediante sufrágio caracterizando-se, então, a forma republicana pela periodicidade e pela eletividade.(DO PRADO, 2015, p. 5)

O artigo 2º já traz a previsão da existência dos poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – e a independência destes. Para Silva, não se deve confundir as funções de poder com a separação de poder, como explica abaixo:

Cumpre, em primeiro lugar, não confundir distinção de funções do poder com divisão ou separação de poderes, embora entre ambas haja uma conexão necessária. A distinção de funções Constitui especialização de tarefas governamentais à vista de sua nah1reza, sem considerar os órgãos que as exercem; quer dizer que existe sempre distinção de funções, quer haja órgãos especializados para cumprir cada urna delas, quer estejam concentradas num órgão apenas. A divisão de poderes consiste em confiar cada uma das funções govemamentais (legislativa_ executiva e jurisdicional) a órgãos diferentes, que tomam os nomes das respectivas funções, menos o Judiciário (órgão ou poder Legislativo, órgão ou poder Executivo e órgão ou poder Judiciário). Se as funções forem exercidas por um órgão apenas, tem-se concentração. de poderes. (SILVA, 2016, pág.111)

Assim, percebe-se que, antes de tudo, o legislador optou por manter as funções primordiais do funcionamento estatal dividas em diferentes esferas para garantir a democracia contra qualquer concentração de poder.

A independência visa garantir que os poderes possam agir sem que haja qualquer intromissão indevida e que não haja necessidade de autorização de um poder para atuar, e, ainda, que os agentes terão suas funções garantidas mesmo que desagrade qualquer outro poder. (SILVA, 2016, p. 112)

Por outro lado, a harmonia consiste no tratamento cortês e funcionamento de forma a respeitar as prerrogativas inerentes ao poder. (SILVA, 2016, p. 112)

Para Masson, a separação de poderes significa dizer que se estabelecerão funções típicas próprias ao poder e, também, funções secundárias para a atuação e controle dentre os poderes:

Assim, cada Poder terá funções típicas, que lhe sâo próprias, e atribuições secundárias (que são as típicas dos demais Poderes), sendo independente perante os demais. Essa repartição de tarefas é arquitetada de modo equilibrado, impedindo que um Poder avance sobre as atribuições dos demais e extrapole os limites postos pela Constituiçâo sem que haja contenção. Há, pois, um controle recíproco entre os diferentes Poderes, baseado no sistema de freios e contrapesos. (MASSON, 2020, p. 165),

Dessa forma, observa-se que a CF busca a atuação legítima e balanceada entre os poderes. Entretanto, o que se constata atualmente é uma falta de legitimidade, sob a perspectiva da população, e uma verdadeira crise entre os poderes.

2.4. A crise entre os poderes

Após as abordagens anteriores, pode-se considerar que a república foi idealizada para funcionar de forma harmônica e com independência entre os poderes, como previu a Constituição. Ademais, os atores políticos devem ter a confiança e a legitimação do povo que representa, seja através do voto, da nomeação, do concurso público ou por votação indireta.

Todavia, o que se percebe hoje é uma crise sem precedentes. Os poderes extrapolam suas funções e tentam se impor sobre os outros. Os representantes do povo agem, cada vez mais, para beneficiar pequena parcela da população, como conglomerados econômicos. Por muitas vezes, agem em benefício próprio.

O povo não tem se sentido representado e não encontra mecanismos que legitimem de fato os seus representantes. A CF trouxe alguns instrumentos de participação popular, mas que são pouco utilizados e, quando o são, por muita vezes são desrespeitados, como o plebiscito do desarmamento.

Nesse ínterim, tem-se, ainda, uma crise institucional que causa temor por uma ruptura democrática, como tem sido cogitado por uma parcela significativa da população.

Atualmente, o Poder Judiciário tem extrapolado de todas as formas e utiliza-se de princípios para justificar sua intromissão e desrespeito aos limites constitucionais. A Suprema Corte, órgão de cúpula do Judiciário, extrapolou ao ponto de investigar, acusar, sentenciar e executar a punição na mesma pessoa, situação apenas vista em ditaduras.

O poder legislativo tem fiscalizado de forma parcial, protegendo interesses não republicanos. Na função legiferante, tem-se observado uma verdadeira contradição aos interesses do povo. São eleitos com determinadas propostas e quando no exercício do mandato, atuam contra a população e a proteção do estado brasileiro.

O poder executivo atua, por muitas vezes, para garantir a política de troca que perdura há anos em nosso país. Nos três âmbitos federativos, têm-se a nomeação de figuras políticas pouco técnicas apenas para garantir a reeleição e a manutenção de privilégios.

Dessa forma, percebe-se que a população necessita participar ativamente na política nacional, deve-se assegurar o verdadeiro implemento dos instrumentos previstos pelo legislador originário e a instituição de novos instrumentos ainda mais eficazes, como será explanado a seguir.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Guilherme Wilson Sanches. A crise de legitimidade na democracia e os instrumentos de participação popular. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7887, 3 fev. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/112738. Acesso em: 14 fev. 2025.

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