Artigo Destaque dos editores

Penas alternativas como regra.

Prisão é exceção

18/05/2008 às 00:00

Resumo:


  • A Lei 9.099/1995 representou uma política de despenalização ao prever penas alternativas para infrações de menor potencial ofensivo, diferenciando-se da descriminalização, que remove o caráter criminoso de um fato.

  • Propostas recentes, como a do Promotor de Justiça Geder Rocha Gomes, sugerem eliminar a pena de prisão para infrações menos graves, adotando penas alternativas desde a cominação da pena, em contraste com o sistema penal atual que ainda foca na prisão como resposta primária.

  • A necessidade de humanização e racionalidade no sistema penal brasileiro é urgente, e propostas que visam restringir o uso da prisão e favorecer medidas alternativas ganham força diante do reconhecimento da falência e do caráter medieval do sistema carcerário do país.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Em 1995, por força da Lei 9.099 (lei dos juizados especiais), o legislador brasileiro fez uma opção político-criminal decisiva em favor da despenalização, que significa suavizar, restringir ou eliminar a pena de prisão. Não se pode confundir despenalização com descriminalização, visto que esta última significa proscrever (aniquilar) o caráter de crime do fato. A lei dos juizados criminais não retirou do ordenamento jurídico-penal brasileiro nenhum delito. Tudo ficou intacto (tal como estava): o que ela fez foi prever penas alternativas para as infrações de menor potencial ofensivo e isso configura, claramente, despenalização (não descriminalização).

Uma grande questão pendente no cenário punitivo nacional diz respeito à elaboração de um amplo programa de descriminalização. Há muitas infrações que hoje ainda ostentam a categoria de delito ou contravenção, mas que deveriam ser eliminadas do Direito penal. Enquanto não chega esse momento de enxugar a quantidade exorbitante de infrações penais que temos no Brasil, muitas outras alternativas devem ser pensadas.

Quem fez isso (agora), com a profundidade necessária, foi o emérito Promotor de Justiça Geder Rocha Gomes, que é um dos nossos maiores especialistas em matéria de execução penal e Presidente do Instituto Brasileiro respectivo. Geder acaba de defender a tese de que devemos dar um passo a mais na nossa política criminal de despenalização, eliminando-se a pena de prisão, desde o momento da cominação, naquelas infrações que não contam com relevância suficiente para suportar essa drástica conseqüência penal.

A pena de prisão, mesmo após o advento da Lei 9.099/1995, permaneceu como eixo do sistema penal brasileiro, ou seja, a referência obrigatória do poder punitivo estatal.

A proposta apresentada no seu trabalho é outra: consiste na eliminação apriorística da pena de prisão naquelas infrações médias ou menores. E isso deveria ser feito já desde o momento da cominação da pena. Cuida-se, como se vê, de proposta político-criminal invertida em relação à que foi adotada em 1995. Parte-se (na nova proposta) de uma cominação direta de pena alternativa, tal como ocorreu, v.g., com o art. 28 da nova lei de drogas (penas alternativas para os usuários de drogas).

A idolatria do sistema penal brasileiro em relação à pena de prisão vem sendo questionada diariamente, em razão da falência da pena privativa de liberdade. A prisão continua sendo concebida como a principal resposta do Direito penal para aqueles que infringem as normas penais. Impõe-se a inteira remodelação desse provecto sistema punitivo, para privilegiar as penas e medidas alternativas, que deveriam já aparecer diretamente no tipo penal, deixando-se a prisão como medida extremada (medida de ultima ratio).

Os princípios da dignidade humana, da humanização da pena e da proporcionalidade fundamentam a mudança pretendida, que um dia, com certeza, será mais radical (ou seja: um dia ainda vamos levantar com todo vigor a bandeira da descriminalização de centenas de infrações penais, retirando-as inteiramente do sistema penal). Só assim, aliás, é que se poderá conferir racionalidade a esse sistema.

Se humanização e razão (racionalidade) eram as duas grandes bandeiras do Iluminismo (segunda metade do século XVIII), não há dúvida que esse movimento filosófico (inspirado em Beccaria, Voltaire etc.) continua mais atual que nunca. Nesse âmbito prisional, a humanidade apresentou poucos progressos e muitos retrocessos. Quem conhece minimamente o sistema carcerário brasileiro sabe o quão medieval é nossa realidade penitenciária, que foge completamente dos padrões civilizatórios já alcançados em outros países.

O Brasil, hoje, figura como um dos países mais violentos e corruptos do mundo. As prisões brasileiras não desmentem essa assertiva, ao contrário, a confirmam de modo retumbante. Daí o acerto de todas as propostas que procuram evitar ou suavizar ou restringir a pena de prisão.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Penas alternativas como regra.: Prisão é exceção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1782, 18 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11277. Acesso em: 22 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos