A evolução jurídica do direito ao nome do natimorto: um direito dos pais à memória e ao luto digno.

10/02/2025 às 16:27

Resumo:


  • O direito ao nome, tradicionalmente vinculado à aquisição da personalidade jurídica, tem evoluído no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente em relação aos natimortos.

  • O Provimento nº 151/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reconhece o direito dos pais de atribuir nome ao natimorto, sem conferir personalidade jurídica, representando um avanço na tutela dos direitos dos pais.

  • A regulamentação uniformiza a prática registral, garantindo maior dignidade no processo de luto familiar e respeito à memória, sem conferir personalidade jurídica ao natimorto.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo:

O direito ao nome, tradicionalmente vinculado à aquisição da personalidade jurídica, tem evoluído no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente em relação aos natimortos. O Provimento nº 151/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reconhece o direito dos pais de atribuir nome ao natimorto, conforme previsto no Livro "C-Auxiliar" de registros. A medida representa um avanço na tutela dos direitos dos pais, assegurando o respeito à memória e ao luto, sem conferir personalidade jurídica ao natimorto. A regulamentação uniformiza a prática registral e garante maior dignidade no processo de luto familiar.

Abstract:

The right to a name, traditionally linked to the acquisition of legal personality, has evolved in Brazilian law, particularly concerning stillbirths. Provimento nº 151/2023 from the National Justice Council (CNJ) affirms the right of parents to assign a name to their stillborn child, as per the "C-Auxiliary" register. This provision advances the protection of parental rights, ensuring respect for memory and mourning without conferring legal personality to the stillborn child. The regulation standardizes registration practices and guarantees greater dignity in the mourning process.


Introdução:

O direito ao nome está tradicionalmente vinculado à personalidade jurídica, cuja aquisição, segundo o artigo 2º do Código Civil brasileiro, ocorre com o nascimento com vida. No entanto, a própria norma ressalva a proteção de certos direitos ao nascituro desde a concepção, o que demonstra que a legislação reconhece, ainda que de forma limitada, a relevância jurídica da existência intrauterina.

Nesse contexto, surge o debate sobre a possibilidade de atribuição de um nome ao natimorto, não como um direito próprio, mas como um direito dos pais, que encontram no nome um elemento essencial para preservar a memória e vivenciar o luto de maneira digna. O nome, enquanto atributo da identidade e registro civil, não pode ser reduzido a um requisito meramente formal vinculado à aquisição da personalidade jurídica, mas deve ser analisado à luz dos princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção à família.

Diante disso, a presente pesquisa busca analisar a evolução do ordenamento jurídico brasileiro no que tange à possibilidade de registro nominal do natimorto, em especial o recente Provimento nº 151/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que alterou o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça (CNN/CN/CNJ-Extra), instituído pelo Provimento nº 149/2023, para dispor sobre o registro do natimorto. A nova regulamentação representa um avanço na tutela do direito dos pais ao nomear o filho natimorto, refletindo a importância do respeito ao luto e à memória familiar no contexto jurídico contemporâneo.


O Vínculo Afetivo e a Construção de Identidade dos Pais em Relação ao Nascituro:

Desde o momento da confirmação da gestação, inicia-se entre os genitores um vínculo afetivo profundo com o nascituro. A partir da constatação da gravidez e, posteriormente, da definição do sexo, a vida dos pais passa a ser estruturada em torno da expectativa da chegada do filho, sendo habitual que este seja denominado com o nome previamente escolhido. O nome atribuído, mesmo antes do nascimento, ultrapassa a mera função identificadora, sendo expressão de afeto, esperança e pertencimento.

Os pais projetam sonhos e constroem um universo de planos, solidificando uma identidade para o nascituro desde o período gestacional. Esse processo é essencial para o fortalecimento dos laços familiares e para a preparação emocional da chegada do filho. O nome, nesse contexto, passa a representar a materialização desse vínculo afetivo, constituindo um elemento fundamental na relação entre pais e filho.

No entanto, por longo período, muitos pais tiveram seu direito de atribuir nome a seus filhos natimortos violado, em razão da ausência de previsão legal expressa. O ordenamento jurídico civil, tradicionalmente, vinculava o direito ao nome à aquisição da personalidade jurídica, que, conforme o artigo 2º do Código Civil, ocorre com o nascimento com vida. Assim, a ausência de vida extrauterina resultava na perda do direito de registrar o nome escolhido pelos pais, reduzindo o registro do natimorto a um simples assentamento técnico, desprovido da identidade familiar.

A lacuna normativa gerava sofrimento adicional às famílias, pois, além da dor pela perda, os pais enfrentavam a frustração de não poder formalizar, por meio do registro civil, o nome que representava o amor e a conexão com o filho perdido.

O reconhecimento deste direito, consolidado pelo Provimento nº 151/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), representa um avanço na humanização do luto e no respeito à memória do natimorto, assegurando aos pais a dignidade de nomear e registrar o filho, ainda que este não tenha tido a oportunidade de nascer com vida.


O Registro de Natimortos e a Atuação dos Cartórios:

Nos termos do artigo 236 da Constituição Federal, os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. Para regulamentar essa atividade e garantir uniformidade na prestação do serviço registral, foi instituída a Lei nº 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), de abrangência nacional, disciplinando os atos praticados pelos cartórios.

Dentre as disposições dessa legislação, o artigo 33, inciso V, determina a obrigatoriedade de cada cartório manter o Livro "C-Auxiliar", destinado ao registro de natimortos. Essa previsão foi incluída pela Lei nº 6.216/1975 e visa assegurar que o óbito fetal seja devidamente registrado, ainda que sem conferir personalidade jurídica ao natimorto.

Embora a norma estabeleça a existência desse livro específico, sua regulamentação tem sido objeto de discussões e aperfeiçoamentos normativos, especialmente quanto à possibilidade de atribuição de nome ao natimorto. O artigo 53, § 1º, da Lei de Registros Públicos dispõe que, no caso de criança nascida morta, o registro será efetuado no Livro "C-Auxiliar" com os elementos que couberem, sem especificar taxativamente quais informações devem constar no assento registral. Essa lacuna normativa gerava insegurança, pois a inclusão do nome dependia do entendimento discricionário do registrador.

A uniformização dessa prática veio com o Provimento nº 151/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que reforçou a importância do registro como um instrumento de respeito à dignidade dos pais e ao luto familiar. Esse avanço normativo ocorreu no contexto da instituição do Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ pelo Provimento nº 149, de 24 de agosto de 2023, consolidando em um único ato normativo todas as regras aplicáveis ao foro extrajudicial no país.

Antes dessa unificação, a Lei nº 6.015/1973 previa que o registro seria lavrado com os elementos que couberem. Ademais, cada estado possuía seu próprio Código de Normas, resultando em interpretações divergentes sobre a possibilidade de atribuição de nome ao natimorto.

Como exemplo, o Código de Normas do Estado do Espírito Santo, em seu artigo 143, estabelecia que, no caso de criança nascida morta, o registro deveria ser realizado exclusivamente no Livro C-Auxiliar, com "os elementos que couberem"2.

Essa formulação genérica conferia ampla discricionariedade ao registrador, permitindo que ele mencionasse ou não o nome atribuído pelos pais. A ausência de uniformidade gerava insegurança jurídica e ampliava o sofrimento das famílias, que muitas vezes viam-se impedidas de formalizar o nome escolhido para seus filhos.Com o Provimento nº 151/2023, essa lacuna foi suprida, garantindo-se um tratamento mais humanizado e respeitoso aos genitores. O referido provimento modificou o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial (CNN/CN/CNJ-Extra), instituindo o Capítulo I-A, que trata especificamente do registro de natimortos.

O artigo 479-A, introduzido pelo Provimento nº 151/2023, estabelece expressamente que:

Art. 479-A. É direito dos pais atribuir, se quiserem, nome ao natimorto, devendo o registro ser realizado no Livro "C-Auxiliar", com índice elaborado a partir dos nomes dos pais.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Essa disposição normatiza o procedimento em âmbito nacional, assegurando que os pais tenham a prerrogativa de nomear seus filhos natimortos sem depender do entendimento subjetivo de cada registrador. Além de proporcionar maior previsibilidade e segurança jurídica, essa medida representa um avanço significativo na humanização do luto parental, conferindo dignidade ao registro de natimortos e uniformizando a prática registral em todo o território nacional.


Conclusão:

A evolução normativa acerca do registro de natimortos reflete um avanço significativo no reconhecimento dos direitos dos pais e na humanização do luto. Antes da edição do Provimento nº 151/2023 do CNJ, a ausência de regulamentação expressa e a dispersão normativa nos estados resultavam em insegurança jurídica, deixando a critério dos registradores a possibilidade de atribuir ou não um nome ao natimorto.

A uniformização trazida pelo Provimento nº 151/2023, ao incluir expressamente o direito dos pais de nomear o natimorto no Livro "C-Auxiliar", garante maior previsibilidade, respeito e dignidade às famílias enlutadas. A medida não confere personalidade jurídica ao natimorto, mas reconhece a importância do nome como elemento simbólico essencial para os pais, que constroem vínculos afetivos com o filho desde a concepção.

Portanto, a recente normatização representa um marco no ordenamento jurídico brasileiro, assegurando não apenas um direito formal, mas também um ato de respeito e empatia para com aqueles que enfrentam a perda gestacional ou perinatal. Dessa forma, reafirma-se o compromisso do sistema jurídico com a dignidade da pessoa humana, garantindo que o luto parental seja tratado com a devida sensibilidade e respeito.


Referências Bibliográficas:

  1. BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos. Diário Oficial da União, Brasília, 31 dez. 1973.

  2. BRASIL. Provimento nº 149, de 24 de agosto de 2023. Institui o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial. Diário Oficial da União, Brasília, 24 ago. 2023.

  3. BRASIL. Provimento nº 151, de 26 de setembro de 2023. Altera o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial. Diário Oficial da União, Brasília, 26 set. 2023.

  4. PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Corregedoria Geral de Justiça. Código de Normas da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Espírito Santo – Foro Extrajudicial. Vitória, 2020.


  1. ...

  2. Art. 143. No caso de ter a criança nascido morta, o registro será efetuado somente no Livro C – Auxiliar, com os elementos que couberem.

Sobre a autora
Fernanda Cezar Martins

Residente Jurídico do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Especialista em Direito Notarial e Registral pela Faculdade Legale.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos