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A pena de aposentadoria compulsória: inconstitucionalidade

21/02/2025 às 08:02

Resumo:


  • Análise da aposentadoria compulsória como penalidade disciplinar no Poder Judiciário.

  • Discussão sobre a inconstitucionalidade da aposentadoria compulsória em casos de faltas graves.

  • Reflexão sobre a necessidade de reformas no sistema de controle e punição de membros do Poder Judiciário.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A aposentadoria compulsória como penalidade disciplinar aplicada a magistrados viola os princípios da isonomia e moralidade administrativa. Por que o Congresso ainda não eliminou essa incongruência?

Resumo: A presente reflexão tem por finalidade analisar a aposentadoria compulsória aplicada como penalidade disciplinar, não aquela oriunda do atingimento de certa idade pelo servidor público estatutário, unicamente aos membros do Poder Judiciário nacional.

Palavras-chave: Direito Constitucional. Aposentadoria compulsória. Inconstitucionalidade.


Em decorrência da publicação de um artigo denominado “Judiciário e a farra com o dinheiro público” em 8 de janeiro de 2025, um representante do UOL entrou em contato com o subscritor para dialogar acerca dos aspectos jurídicos circundantes do tema em destaque.

No decorrer da conversação, após alguns questionamentos, veio a lembrança do autor a época de iniciação de seus estudos para ingressar no corpo administrativo dos tribunais federais do país (2002).

Nesses aprendizados, estava em proeminência a Lei Federal n. 8.112/90, a qual dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Boas lembranças.

Dentre seus artigos, consta um em especial, o qual chamou a atenção do autor por sua afinidade com o tema em debate, o qual coloca-se em evidência:

Art. 134. Será cassada a aposentadoria ou a disponibilidade do inativo que houver praticado, na atividade, falta punível com a demissão.

Ora, se um servidor público federal, seja ele um Analista Judiciário, Auditor-Fiscal, Delegado de Policial Federal, Advogado da União, Procurador Federal, e outros quejandos, tendo cometido na atividade falta punível com a pena de demissão, terá sua inatividade remunerada cassada, por qual razão estariam os magistrados dispensados de tal encargo?

Nesse particular, salta aos olhos a violação direta ao artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, a qual prescreve serem todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...

Malgrado, seriam uns mais iguais que outros?

Como se não bastasse para um idealista ter de lidar com essa discrepância de forma tácita, o Supremo Tribunal Federal, em julgado deveras recente, proferido no começo da pandemia (talvez por isso tenha passado despercebido), assentou a constitucionalidade do dispositivo do Estatuto dos Servidores Públicos Civis Federais. Eis a ementa do julgado na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 418-DF:

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ARTS. 127, IV, E 134 DA LEI 8.112/1990. PENALIDADE DISCIPLINAR DE CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA OU DISPONIBILIDADE. EMENDAS CONSTITUCIONAIS 3/1993, 20/1998 E 41/2003. PENALIDADE QUE SE COMPATIBILIZA COM O CARÁTER CONTRIBUTIVO E SOLIDÁRIO DO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES. PODER DISCIPLINAR DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. 1. As Emendas Constitucionais 3/1993, 20/1998 e 41/2003 estabeleceram o caráter contributivo e o princípio da solidariedade para o financiamento do regime próprio de previdência dos servidores públicos. Sistemática que demanda atuação colaborativa entre o respectivo ente público, os servidores ativos, os servidores inativos e os pensionistas. 2. A contribuição previdenciária paga pelo servidor público não é um direito representativo de uma relação sinalagmática entre a contribuição e eventual benefício previdenciário futuro. 3. A aplicação da penalidade de cassação de aposentadoria ou disponibilidade é compatível com o caráter contributivo e solidário do regime próprio de previdência dos servidores públicos. Precedentes. 4. A perda do cargo público foi prevista no texto constitucional como uma sanção que integra o poder disciplinar da Administração. É medida extrema aplicável ao servidor que apresentar conduta contrária aos princípios básicos e deveres funcionais que fundamentam a atuação da Administração Pública. 5. A impossibilidade de aplicação de sanção administrativa a servidor aposentado, a quem a penalidade de cassação de aposentadoria se mostra como única sanção à disposição da Administração, resultaria em tratamento diverso entre servidores ativos e inativos, para o sancionamento dos mesmos ilícitos, em prejuízo do princípio isonômico e da moralidade administrativa, e representaria indevida restrição ao poder disciplinar da Administração em relação a servidores aposentados que cometeram faltas graves enquanto em atividade, favorecendo a impunidade. 6. Arguição conhecida e julgada improcedente.

Ora, aqui remanesce a ironia imposta pelo poder constituído: a manutenção da aposentadoria de um agente público que tivesse praticado na atividade pena sancionável com a demissão configuraria, segundo a Suprema Corte, favorecimento da impunidade, em violação aos princípios constitucionais da isonomia e da moralidade administrativa.

Contudo, por que continuam sendo impostas “penas” de aposentadoria compulsória a juízes das diversas instâncias do país, principalmente pela Conselho Nacional de Justiça?

Lembremos que o CNJ foi criado pela Emenda Constitucional n. 45. de 2004, denominada Reforma do Judiciário.

No entanto, apesar deste órgão público ter sido fundamental para trazer luz aos engavetamentos de penalidades a serem impostas aos membros do Poder Judicial, ainda falta muito para atender ao princípio da eficiência, já que as mesmas medidas teriam sido adotadas de forma muito mais rápida pelas Corregedorias dos tribunais nacionais, que usualmente consideram os abusos judiciais meros aborrecimentos (ver processo n. 0001253-91.2023.2.00.0826), sob pena de apenas termos trocados as mãos que seguram as canetas na hora de sancionar esses agentes públicos específicos.

Sem embargo, voltando ao tema, o próprio STF considera a manutenção da jubilação do servidor que tenha praticado faltas graves afrontosa aos princípios constitucionais da Administração Pública, quiçá, acrescentamos, à República e ao Estado Democrático de Direito.

Nesse particular, temos para nós existir um alto grau de incongruência nas doutrinas dos juízes que compõe o Tribunal Constitucional.

Conforme Barroso (2020), pelo princípio da suprema da constituição,

O poder constituinte cria ou refunda o Estado, por meio de uma Constituição. Com a promulgação da Constituição, a soberania popular se converte em supremacia constitucional. Do ponto de vista jurídico, este é o principal traço distintivo da Constituição: sua posição hierárquica superior às demais normas do sistema. A Constituição é dotada de supremacia e prevalece sobre o processo político majoritário – isto é, sobre a vontade do poder constituído e sobre as leis em geral – porque fruto de uma manifestação especial da vontade popular, em uma conjuntura própria, em um momento constitucional (v. supra). A supremacia da Constituição é um dos pilares do modelo constitucional contemporâneo, que se tornou dominante em relação ao modelo de supremacia do Parlamento, residualmente praticado em alguns Estados democráticos, como o Reino Unido e a Nova Zelândia. Note-se que o princípio não tem um conteúdo material próprio: ele apenas impõe a primazia da norma constitucional, qualquer que seja ela. Como consequência do princípio da supremacia constitucional, nenhuma lei ou ato normativo – a rigor, nenhum ato jurídico – poderá subsistir validamente se for incompatível com a Constituição. (g. n.)

Aqui, temos para que o disposto no artigo 42, inciso V, da LOMAN (Lei Orgânica da Magistratura Nacional), a qual elenca como penalidade disciplinar a aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço, não foi recepcionada pela Constituição da República, exatamente por violar os princípios da isonomia e da moralidade administrativa, conforme expressamente consignado na ADPF nº 418.

De outro vértice, de acordo com as lições de Moraes (2020),

A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém, como ressalvado por Fábio Konder Comparato, que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal. (g. n.)

Nesse ponto, subsiste a seguinte indagação: por que os juízes não seguem suas próprias doutrinas? Talvez seja a hora do Congresso Nacional emendar a constituição no artigo 95, parágrafo único, e inserir a vedação de magistrados escreverem artigos, publicarem em revistas, periódicos ou livros próprios, para evitar essas contradições, ou seriam hipocrisias?

Oportunamente, convém asseverar que o Ministério Público não logrou o mesmo destino da aposentadoria especial dos magistrados, e a resposta é muito singela: os artigos 61, § 1º, inciso II, alínea “d”, e 128, § 5º, ambos da Lei Maior conferem ao Presidente da República, com o Procurador-Geral da República (aplica-se a simetria no âmbito estadual: Governador de Estado e Procurador-Geral de Justiça), a iniciativa da lei que disponha sobre a organização do Ministério Público, o mesmo não acontecendo com o Poder Judiciário (inclusive, esse é um dos pontos que podem ser utilizados por aqueles que defendem ser o parquet vinculado ao Poder Executivo).

No tocando ao Poder Julgador, o artigo 93 da Lei Magna confere a lei complementar, de iniciativa privativa do Supremo Tribunal Federal, dispor sobre o Estatuto da Magistratura (LOMAN).

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Nessa senda, temos que até hoje o STF não enviou projeto de lei complementar a fim de sanar a imoralidade da aposentadoria temerária, tampouco a declarou como não recepcionada pela Lex Mater.

Nesse aspecto, conforme ensinam Mendes e Gonet (2021) sobre o fenômeno da recepção,

O importante, então, é que a lei antiga, no seu conteúdo, não destoe da nova Constituição. Pouco importa que a forma de que o diploma se revista não mais seja prevista no novo Texto Magno. Não há conferir importância a eventual incompatibilidade de forma com a nova Constituição. A forma é regida pela lei da época do ato (tempus regit actum), sendo, pois, irrelevante para a recepção. Assim, mesmo que o ato normativo se exprima por instrumento diferente daquele que a nova Carta exige para a regulação de determinada matéria, permanecerá em vigor e válido se houver a concordância material, i. é, de conteúdo, com as novas normas constitucionais. (g. n.)

Oportuno lembrar que no mandado de segurança n. 38.030-DF, a Corte manteve a pena da Desembargadora Tânia Garcia de Freitas Borges do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul que usou do cargo para favorecer o próprio filho preso por tráfico de drogas e armas1. O mesmo tribunal possui outros Desembargadores sendo investigados por venda de decisões2.

Já no Estado vizinho, Mato Grosso, a Presidência do Tribunal de Justiça concedeu a todos os funcionários ativos no último natal o “vale-peru”, e agora os servidores tentam no STF impedir a devolução da graciosidade com o dinheiro público3. Será que pensam na realidade brasileira?

Ora, são tantas imoralidades dentro do Poder Judiciário, contingentemente pela impunidade, que o próprio Conselho Nacional de Justiça deveria passar por uma reforma, se constituindo de fato em órgão de controle externo, em companhia do Tribunal de Contas (o qual deveria ter maior poder de sancionamento), para fiscalizar esse excesso de escândalos que rondam esse poder da República.

De outra parte, em relação ao tema propriamente dito, temos que esperar que o Poder Legislativo reforme a constituição para que os projetos de lei que digam respeito ao Estatuto da Magistratura sejam de iniciativa concorrente com outras autoridades da União e não somente daquele que já demonstrou que não utilizará dessa faculdade, por descuido ou amizade.


Referências bibliográficas

Barroso, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. – 9. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

Mendes, Gilmar Ferreira. Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. – 16. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021. (Série IDP)

Moraes, Alexandre de. Direito constitucional. – 36. ed. – São Paulo: Atlas, 2020.

Tormena, Celso Bruno Abdalla. A autonomia institucional e a farra com o dinheiro público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7861, 8 jan. 2025. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/112359/a-autonomia-institucional-e-a-farra-com-o-dinheiro-publico>. Acesso em: 19 fev. 2025.


Notas

1 Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=540066&ori=1

2 Disponível em: https://g1.globo.com/ms/mato-grosso-do-sul/noticia/2024/11/01/desembargadores-de-ms-afastados-por-suspeita-de-corrupcao-e-venda-de-sentenca-seguem-sem-tornozeleira.ghtml

3 Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/424397/tj-mt-servidores-vao-ao-stf-para-nao-devolver-r-8-mil-de-vale-peru

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Sobre o autor
Celso Bruno Abdalla Tormena

Criminólogo e Mestre em Direito. Procurador Municipal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORMENA, Celso Bruno Abdalla. A pena de aposentadoria compulsória: inconstitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7905, 21 fev. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/112954. Acesso em: 2 abr. 2025.

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