Introdução
A Justiça tem como um de seus princípios fundamentais a busca pela verdade e pela proteção dos direitos individuais. No entanto, muitas vezes, vítimas de crimes e violações enfrentam dificuldades para formalizar suas denúncias, tornando o caminho para a responsabilização dos agressores ainda mais desafiador.
Situações como violência sexual, assédio moral e psicológico, abusos de autoridade e outras infrações frequentemente ocorrem em contextos privados, sem testemunhas diretas ou vestígios físicos imediatos. O problema é evidenciado em casos amplamente divulgados pela mídia, como o de um médium famoso, um médico especialista em reprodução humana e, mais recentemente, o caso que dominou as manchetes na Paraíba.
A inviabilidade de apresentação de provas materiais pode levar as vítimas a um estado de vulnerabilidade processual. O risco de serem acusadas injustamente de denunciação caluniosa ou falso testemunho torna-se uma preocupação real, afastando muitas pessoas da busca por seus direitos.
A Declaração de Ocorrência surge como um instrumento jurídico inovador destinado a preencher lacunas na documentação de crimes. Trata-se de um registro contemporâneo dos fatos, permitindo que a vítima documente detalhadamente sua versão dos acontecimentos enquanto ainda possui lembrança vívida do ocorrido.
Diferente do Boletim de Ocorrência, que é um registro formal feito perante a autoridade policial, a Declaração de Ocorrência tem a finalidade de atuar como uma peça complementar no resguardo da memória da vítima e na preservação de seu direito à justiça. Seu propósito é reforçar o arcabouço probatório e ampliar as possibilidades de responsabilização dos agressores.
Origem e Fundamentos
A Declaração de Ocorrência foi inspirada na Declaração de Descoberta, originalmente concebida por Juan Moricz e formalizada por Gerardo Peña Matheus, cujo objetivo era registrar a posse de descobertas arqueológicas e científicas. A Declaração de Ocorrência adapta esse conceito ao contexto jurídico e social, possibilitando a documentação segura e juridicamente válida de eventos de natureza criminosa ou violadora de direitos.
Sua origem está enraizada em princípios do direito probatório, que reconhecem a importância de registros contemporâneos como evidências complementares em processos judiciais, mitigando as dificuldades da ausência de provas diretas e auxiliando na responsabilização de agressores.
Sob essa perspectiva, o ordenamento jurídico brasileiro oferece respaldo à Declaração de Ocorrência com base em diversos princípios e normas que regem a produção e a valoração das provas no âmbito judicial. O artigo 371 do Código de Processo Civil consagra o princípio da livre apreciação da prova pelo juiz, garantindo ao magistrado ampla liberdade para analisar e atribuir peso aos elementos probatórios apresentados pelas partes. Essa prerrogativa se conecta ao princípio do livre convencimento motivado, que exige que o juiz fundamente suas decisões com base na análise lógica e racional dos fatos e das provas, possibilitando que documentos como a Declaração de Ocorrência sejam considerados como meio complementar de prova, ainda que não haja evidências materiais diretas no momento da denúncia.
Além disso, a evolução tecnológica do sistema jurídico brasileiro trouxe avanços significativos no reconhecimento da validade de documentos eletrônicos, reforçando a autenticidade e a integridade das declarações feitas de forma digital. A Lei nº 14.063/2020 regulamenta o uso de assinaturas eletrônicas e sua equiparação às assinaturas manuscritas para fins de comprovação documental, garantindo segurança jurídica ao uso de plataformas digitais para o registro de ocorrências. Esse marco normativo fortalece a Declaração de Ocorrência como um instrumento legítimo e eficaz para a proteção das vítimas, permitindo que registros formais sejam realizados de maneira acessível, segura e juridicamente válida.
Assim, além de preencher lacunas no sistema de provas tradicional, a Declaração de Ocorrência representa um avanço na modernização da produção de provas, alinhado às novas possibilidades tecnológicas do sistema de justiça.
Vantagens
A principal vantagem da Declaração de Ocorrência é a preservação da memória da vítima em um momento em que as lembranças ainda estão nítidas. O tempo e o trauma podem modificar ou apagar detalhes importantes, dificultando a reconstrução precisa dos acontecimentos em depoimentos posteriores. Ao formalizar seu relato de maneira documentada, a vítima cria uma base que pode ser utilizada para reforçar sua versão dos fatos caso o caso venha a ser judicializado.
Além disso, esse instrumento reduz a vulnerabilidade da vítima perante possíveis acusações de má-fé, já que a existência de um registro prévio pode demonstrar coerência e boa-fé em sua denúncia. No caso da Declaração de Ocorrência Testimonialis, a presença de testemunhas fortalece ainda mais a credibilidade do relato, criando uma espécie de "testamento probatório" que poderá ser invocado no momento oportuno.
Outro aspecto fundamental está relacionado ao impacto psicológico positivo da Declaração de Ocorrência para as vítimas. Estudos da psicologia forense demonstram que vítimas de traumas podem sofrer alterações na memória ao longo do tempo, seja pela influência do estresse e do medo, seja por tentativas inconscientes de esquecimento.
O ambiente mais acessível e menos traumatizante protege quem busca responsabilização pelos danos sofridos contra os efeitos da revitimização. Pesquisas de Elizabeth Loftus, referência mundial no estudo da memória, indicam que relatos de eventos traumáticos podem ser distorcidos devido a fatores externos. É essencial o registro imediato das informações para evitar a reconstrução imprecisa de seu depoimento, garantindo que seu relato preserve a fidelidade aos fatos, permanecendo íntegro e confiável.
Em síntese, a Declaração de Ocorrência representa um avanço na luta por justiça, proporcionando segurança e respaldo às vítimas de crimes e violações de direitos. Diante das dificuldades enfrentadas no sistema tradicional de provas, esse instrumento se apresenta como uma solução prática e eficaz para garantir que a voz das vítimas não se perca no tempo e que seus relatos possam, de fato, contribuir para a realização da justiça.
Desafios
Apesar de sua relevância e potencial transformador, esse instrumento ainda enfrenta desafios para ser amplamente aceito e utilizado.
A falta de informação sobre sua existência, tanto por parte das vítimas quanto dos profissionais do Direito, limita sua aplicabilidade e impede que sua eficácia seja plenamente explorada. Esse desconhecimento sobre a Declaração de Ocorrência, infelizmente, também contribui para que vítimas deixem de utilizar um recurso essencial para resguardar sua memória e fortalecer eventuais processos judiciais futuros.
Além disso, a necessidade de padronização e regulamentação do uso da Declaração de Ocorrência como meio probatório ainda é uma questão a ser trabalhada dentro do sistema jurídico. Este artigo busca apresentar a fundamentação jurídica desse instrumento e fomentar sua compreensão na sociedade e no meio jurídico.
Documento Jurídico e sua Estrutura
A Declaração de Ocorrência pode ser elaborada de duas formas distintas, adaptando-se às necessidades da vítima e à gravidade do caso.
Declaração de Ocorrência Simples – Trata-se de um documento de próprio punho, que pode ser escrito à mão ou digitado e posteriormente assinado, seja fisicamente ou por meio de assinatura eletrônica. Por se tratar de uma declaração unilateral, não há necessidade de testemunhas, sendo um registro pessoal que pode ser utilizado para fundamentar futuras ações judiciais, depoimentos ou denúncias formais.
Declaração de Ocorrência Testimonialis (Declaração de Ocorrência Testemunhal) – Nomeada a partir do latim Testimonialis, que significa "relativo à testemunha", essa modalidade se distingue pela presença de três a cinco testemunhas, que atestam a veracidade da narrativa da vítima. Nesse formato, a vítima lê a declaração na presença das testemunhas, garantindo que seu relato foi feito de forma voluntária e sem coação. As testemunhas, por sua vez, assinam o documento conjuntamente, agregando peso probatório à declaração. O processo de assinatura conjunta confere maior robustez ao documento, tornando-o um elemento de maior credibilidade no contexto jurídico.
Embora a Declaração de Ocorrência possa ser feita sem assistência profissional, sua elaboração cuidadosa exige, na maioria dos casos, a orientação de um advogado. A correta estruturação do documento pode evitar falhas na descrição dos fatos e garantir que o relato esteja juridicamente bem fundamentado, facilitando sua utilização futura como meio de prova complementar.
A Possibilidade de Entrega Pós-Morte e Compartilhamento com Outras Vítimas
Uma característica inovadora da Declaração de Ocorrência, tanto em sua modalidade simples quanto na Testimonialis, é a possibilidade de a vítima autorizar previamente seu advogado a armazenar o documento e, se necessário, entregá-lo às autoridades ou a advogados que representem outras vítimas com provas concretas contra o agressor. Essa autorização deve ser expressa e formalizada, garantindo que o documento possa ser utilizado de forma estratégica na busca por justiça.
Na Declaração de Ocorrência simples, a vítima pode optar por deixar o documento sob custódia de seu advogado, assegurando que seu relato permaneça preservado até que seja oportuno apresentá-lo. Já na modalidade Testimonialis, a formalização perante testemunhas fortalece ainda mais a credibilidade da declaração, permitindo que ela seja usada como um elemento probatório relevante em processos futuros.
Essa funcionalidade é essencial em casos de crimes sistemáticos, onde há múltiplas vítimas ao longo do tempo. Muitas vezes, uma vítima isolada pode encontrar dificuldades em provar os fatos, mas, ao associar seu relato a outros com elementos comprobatórios, cria-se um corpo probatório mais robusto.
Além disso, a Declaração de Ocorrência pode ser anexada a processos judiciais sob sigilo, garantindo a proteção da identidade da vítima e evitando a exposição desnecessária de informações sensíveis. Essa medida reforça a segurança do procedimento e a confiabilidade do documento como instrumento jurídico eficaz.
Dessa forma, a possibilidade de armazenamento seguro e entrega estratégica da Declaração de Ocorrência amplia suas vantagens, permitindo que vítimas contribuam para investigações e responsabilizações de criminosos, mesmo que não possam ou não queiram se expor imediatamente.
Estrutura e Funcionamento
Identificação da Vítima: Nome, documento de identidade e contato.
Descrição do Evento: Relato detalhado do ocorrido, incluindo data, local e circunstâncias.
Dano Psicológico e Emocional: Relato dos impactos psicológicos e emocionais causados pelo evento, incluindo emoções e sentimentos vivenciados. Essa seção serve como uma forma de desabafo, permitindo à vítima expressar o sofrimento, com o objetivo de que o magistrado tenha a mínima compreensão do impacto desse dano na alma da pessoa afetada.
Testemunhas (opcional): Possibilidade de incluir declarações de terceiros que possam corroborar o relato.
Assinatura e Validação: A declaração pode ser assinada fisicamente ou digitalmente, garantindo sua autenticidade.
O funcionamento da Declaração de Ocorrência é simples e seguro. A vítima deve buscar a orientação de um advogado para garantir a elaboração adequada do documento, uma vez que, muitas vezes, pode estar abalada e incapaz de redigir seu relato de maneira estruturada. Além disso, o sigilo profissional entre cliente e advogado oferece uma proteção superior à de amigos ou parentes, evitando riscos de exposição indesejada.
A declaração pode ser feita de próprio punho pela vítima ou digitada com assinatura eletrônica. Entretanto, contar com a assistência de um advogado não apenas proporciona a orientação necessária, mas também permite que o profissional redija o documento a partir do relato verbal da vítima. O armazenamento da declaração pode ser incluído no serviço prestado ou contratado separadamente, garantindo sua preservação segura.
A inclusão de testemunhas é opcional, mas fortalece a credibilidade do relato. Todas as testemunhas que forem incluídas estarão vinculadas a uma cláusula de confidencialidade. Caso divulguem o conteúdo do documento fora das vias legais – ou seja, sem ser perante autoridade policial, promotor, juiz de direito ou, no caso de falecimento da vítima, ao advogado de outra vítima – estarão sujeitas ao pagamento de uma indenização previamente estabelecida em contrato, destinada à vítima ou a seus familiares.
No que diz respeito ao armazenamento, a opção mais segura é a guarda do documento em um escritório de advocacia, reduzindo o risco de invasões cibernéticas. Caso a vítima opte por armazená-lo em uma plataforma digital criptografada, o documento deve conter assinatura eletrônica, e a senha de acesso deve ser confiada ao advogado. O armazenamento em cartório não é recomendado, pois os registros cartorários são públicos, permitindo que qualquer pessoa tenha acesso ao conteúdo. Nessa circunstância, o registro cartorário seria mais adequado para a Declaração de Descoberta, que inspirou a criação deste documento.
Modelo de Declaração de Ocorrência
DECLARAÇÃO DE OCORRÊNCIA
Eu, (Nome Completo), portador(a) do documento de identidade (Documento de Identidade), residente em (Endereço), venho por meio desta declarar que os fatos a seguir descritos representam minha experiência pessoal, registrada de forma voluntária e fiel à minha memória. A presente declaração foi formalizada na presença de testemunhas, que atestam apenas a autenticidade do meu relato e a integridade deste documento, sem qualquer juízo sobre o conteúdo dos fatos narrados, conforme os termos abaixo:
1. DESCRIÇÃO DO EVENTO
Relato detalhado do ocorrido, incluindo data, local, circunstâncias e quaisquer informações relevantes que possam contribuir para a compreensão do evento.
2. DANO PSICOLÓGICO E EMOCIONAL
Relato dos impactos psicológicos e emocionais causados pelo evento, incluindo emoções e sentimentos vivenciados. Essa seção serve como uma forma de desabafo, permitindo à vítima expressar o sofrimento, com o objetivo de que o magistrado tenha a mínima compreensão do impacto desse dano na alma da pessoa afetada.
3. DAS TESTEMUNHAS
As testemunhas presentes neste ato são:
Nome, qualificação;
Nome, qualificação;
Nome, qualificação;
Nome, qualificação;
Nome, qualificação.
As testemunhas supracitadas atestam que a vítima leu e relatou os fatos de forma voluntária e sem coação, comprometendo-se com a veracidade do exposto.
4. CLÁUSULA DE CONFIDENCIALIDADE
As testemunhas signatárias desta declaração comprometem-se a manter absoluto sigilo sobre o conteúdo deste documento, salvo se sua divulgação for expressamente autorizada pela vítima ou requerida por autoridade judicial competente. O descumprimento desta cláusula poderá ensejar sanções cíveis e criminais, incluindo a obrigação de indenização pelos danos causados à vítima.
5. AUTORIZAÇÕES E CUSTÓDIA DO DOCUMENTO
Eu autorizo meu advogado(a), (Nome do Advogado), OAB (Número), a armazenar e resguardar este documento sob sigilo profissional, podendo revelá-lo apenas nos seguintes casos:
Se solicitado formalmente por autoridade judicial ou policial;
Se a vítima autorizar expressamente a sua utilização em ação judicial;
No caso de falecimento da vítima, permitindo que o advogado(a) o compartilhe com outras vítimas ou familiares que busquem responsabilização do autor do fato.
O presente documento pode ser assinado de forma física ou eletrônica, garantindo sua autenticidade e validade jurídica.
6. FORO E COMPETÊNCIA
Fica estabelecido que qualquer questão oriunda desta declaração será dirimida perante o foro da comarca de (Cidade/Estado), ou outro foro competente conforme a legislação aplicável, podendo abranger território estadual, nacional ou internacional, conforme necessário para garantir a proteção e eficácia desta declaração.
(Local), (Data)
Assinatura da Declarante: ______________________________
Assinatura do Advogado: ______________________________
Assinatura das Testemunhas:
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Exemplo de Aplicabilidade
Considere o seguinte cenário:
Primeira Vítima: Uma mulher sofre violência sexual, mas não possui provas físicas do ocorrido. Ela registra uma Declaração de Ocorrência detalhando o evento, incluindo informações sobre o agressor, local e data.
Segunda Vítima: A Declaração de Ocorrência, tanto na modalidade simples quanto na Testimonialis, apresenta um papel crucial na preservação do relato da vítima, garantindo que seu depoimento não se perca com o tempo e possa ser utilizado de forma estratégica em momentos oportunos. Seu valor jurídico se manifesta principalmente em três cenários distintos, nos quais seu impacto pode ser decisivo na busca pela verdade e na responsabilização do agressor.
Além disso, a Declaração de Ocorrência pode se tornar ainda mais relevante quando, tempos depois, uma segunda vítima sofre violência do mesmo agressor, mas, desta vez, há provas físicas e testemunhas. Nessa situação, a declaração da primeira vítima pode ser utilizada como evidência complementar, demonstrando um padrão de comportamento do criminoso. Esse reforço probatório é essencial para fortalecer o caso da segunda vítima e ampliar as chances de responsabilização do agressor.
Cenário 1: A Primeira Vítima Está Viva, Mas Não Lembra de Todos os Detalhes
Em muitos casos, a primeira vítima pode levar anos para decidir formalizar uma denúncia. No entanto, o tempo pode comprometer sua memória, fazendo com que detalhes essenciais se percam. Caso essa vítima tenha registrado uma Declaração de Ocorrência com seu advogado, ela poderá recuperá-la e relembrar os fatos com maior precisão antes de se apresentar às autoridades.
Além disso, mesmo que não deseje ou não consiga mais provar diretamente o crime que sofreu, essa vítima pode comparecer à delegacia e contribuir como testemunha da índole criminosa do agressor, auxiliando a segunda vítima a estabelecer um padrão de comportamento reiterado do acusado. Dessa forma, a Declaração de Ocorrência funciona como um instrumento que ajuda a manter viva a verdade dos fatos, permitindo que a vítima não seja refém da própria falha de memória.
Cenário 2: A Primeira Vítima Faleceu Antes de Poder Buscar Justiça
Se a vítima não está mais viva, sua Declaração de Ocorrência pode ser encaminhada às autoridades por seu advogado e, quando apropriado, compartilhada com o advogado da segunda vítima. Embora a declaração, por si só, não constitua prova do crime—justamente porque foi elaborada devido à ausência de provas concretas—ela se torna um forte indício, uma peça fundamental para a reconstituição da verdade dos fatos.
Neste contexto, a declaração não apenas direciona as investigações, mas também fortalece a posição da nova vítima, fornecendo um precedente documentado que pode contribuir para a compreensão do padrão de comportamento do agressor. Esse cenário reforça a importância da Declaração de Ocorrência como um registro capaz de transcender o tempo e permitir que a voz da vítima continue ecoando mesmo após sua partida.
Cenário 3: A Primeira Vítima Faleceu, Mas Sua Declaração Foi Feita na Modalidade Testimonialis
Este cenário se assemelha ao anterior, com uma diferença crucial: a Declaração de Ocorrência Testimonialis foi feita na presença de três a cinco testemunhas. Essas testemunhas não presenciaram o crime, mas estavam presentes no momento em que a vítima relatou sua história e registrou formalmente os acontecimentos. Esse diferencial confere ainda mais credibilidade ao documento, pois essas pessoas podem testemunhar não apenas o conteúdo do relato, mas também as reações emocionais da vítima ao lembrar do ocorrido.
O impacto dessas testemunhas reside no fato de que a dor de uma vítima não é meramente um relato escrito; ela se manifesta no corpo e na mente. Muitas vítimas, ao relembrar um evento traumático, podem desmaiar, entrar em estado de choque ou sofrer episódios de insônia prolongada. A presença de testemunhas que viram esse sofrimento confere um caráter humano ao documento, permitindo que a justiça não enxergue apenas palavras no papel, mas sim o reflexo real da dor de uma vítima. Esse testemunho não deve ser visto como um espetáculo para transformar o tribunal em um circo, mas sim como um meio legítimo para garantir que a verdade prevaleça e que o sofrimento de uma vítima jamais seja ignorado.
Tanto no segundo quanto no terceiro cenário, a Declaração de Ocorrência encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro. O artigo 371 do Código de Processo Civil consagra o princípio da livre apreciação da prova pelo juiz, permitindo que documentos dessa natureza sejam considerados na formação de seu convencimento.
Além disso, a Declaração de Ocorrência se fundamenta em princípios de direito probatório, como o princípio da busca da verdade real, que orienta a investigação dos fatos para além das provas estritamente formais; o princípio da livre apreciação da prova pelo juiz, previsto no artigo 371 do Código de Processo Civil, que permite ao magistrado valorar documentos e testemunhos conforme sua convicção; e o princípio da instrumentalidade das formas, que garante que atos processuais sejam aproveitados sempre que atingirem sua finalidade, mesmo que não sigam formalismos rígidos. Esses princípios reconhecem a importância de registros contemporâneos como evidências complementares em processos judiciais, fortalecendo o arcabouço probatório e proporcionando maior segurança jurídica às vítimas.
Dessa forma, a Declaração de Ocorrência se consolida como um instrumento valioso para garantir que vítimas tenham voz, independentemente do tempo ou das circunstâncias, permitindo que a verdade seja preservada e que a justiça possa ser feita. Esse exemplo ilustra como a Declaração de Ocorrência pode ser um poderoso meio de conectar casos e fortalecer investigações criminais, mesmo quando as provas iniciais são escassas, contribuindo para a responsabilização de criminosos e para a proteção de novas vítimas.