Capa da publicação Autoritarismo bolsonarista: razões do fracasso
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A inevitabilidade do fracasso do Estado autoritário bolsonarista

24/02/2025 às 06:50

Resumo:


  • O professor Pedro Estevam Serrano compara a ditadura militar com o governo Bolsonaro, destacando diferenças significativas em áreas como desenvolvimento, vacinação, religião e educação.

  • Enquanto os militares investiram em obras públicas e preservaram universidades públicas, Bolsonaro optou por privatizações e cortes na educação, além de sabotar a produção e compra de vacinas durante a pandemia.

  • Bolsonaro e seus aliados demonstraram falta de astúcia política e militar, além de adotar um pensamento assistemático, o que contribuiu para o fracasso de seu governo e golpe planejado para 2023.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O governo Bolsonaro falhou em neutralizar obstáculos institucionais antes de tentar um golpe. Como a falta de estratégia jurídica e política inviabilizou o projeto autoritário?

O professor e constitucionalista Pedro Estevam Serrano tem afirmado que Bolsonaro fracassou porque tentou impor um modelo de autoritarismo ultrapassado. Essa tese parece correta, mas, se observarmos de perto a ditadura militar e a compararmos com o bolsonarismo, as discrepâncias tornam-se evidentes.

  1. Os militares eram desenvolvimentistas: criaram empresas públicas, fortaleceram as que já existiam e investiram muito dinheiro na construção de obras de infraestrutura. Bolsonaro, por outro lado, limitou-se a privatizar o que pôde, imitando o governo FHC. Nenhuma obra pública de infraestrutura relevante foi planejada e iniciada durante seu governo, e várias que estavam em andamento no final do governo Dilma Rousseff foram descontinuadas.

  2. Durante a ditadura, as campanhas de vacinação eram realizadas normalmente e, quando surgia um surto de doença infecciosa, como o de tuberculose em Osasco (SP) no início dos anos 1970, recursos públicos eram mobilizados para tratar a população atingida e prevenir o contágio. Durante a pandemia, Bolsonaro sabotou a produção e a compra de vacinas, além de desautorizar recomendações da Organização Mundial da Saúde.

  3. Embora tenham se apoiado na religião, os militares nunca cederam muito poder político nem permitiram que católicos e protestantes controlassem parcelas significativas do orçamento da União. Bolsonaro, por sua vez, concedeu aos pastores evangélicos uma parcela de poder político e administrativo, além de um naco do orçamento sem precedentes na história republicana do país. Rapidamente, tornou-se refém desse grupo, a ponto de comprometer sua reeleição ao atender exclusivamente às suas demandas durante a pandemia.

  4. A ditadura militar foi extremamente brutal e cruel com professores e alunos universitários que combatiam o autoritarismo. No entanto, com o apoio de intelectuais conservadores e gestores educacionais da época, preservou as universidades públicas e até ampliou algumas delas. Bolsonaro, por outro lado, limitou-se a atacar as universidades e sufocá-las com cortes orçamentários na tentativa de privatizá-las. Cercou-se de pastores fanáticos e pseudointelectuais incompetentes, que não conseguiram evitar nem derrotar a reação universitária que salvou as instituições públicas de ensino superior.

  5. No período ditatorial, o sistema de saúde pública brasileiro era muito menor e mais precário do que o SUS. Entretanto, ninguém pode dizer que ele não funcionava ou que seus gestores não sabiam administrá-lo. Já no governo Bolsonaro, ao decretar a privatização do SUS, a administração cometeu uma série de erros: nenhum assessor ligado ao presidente sabia como o SUS estava estruturado, como ele funcionava ou quais medidas seriam indispensáveis para desmantelá-lo.

Serrano é um grande jurista e tem o hábito de pensar de maneira metódica, profunda e sistemática sobre o Estado, suas características passadas, presentes e potenciais. No entanto, cometeu um erro ao projetar sua própria forma de raciocinar no ex-presidente e nos membros do círculo enfadonho e medonho de poder que ele criou.

O bolsonarismo era totalmente assistemático. Seus integrantes sabiam o que queriam — permanecer no poder e desfrutar os privilégios decorrentes disso —, mas não tinham a menor ideia de como um Estado neoliberal deveria ser estruturado ou do que seria necessário para neutralizar o poder de inércia das instituições existentes, até que pudessem ser destruídas ou substituídas por outras.

Bolsonaro e seus capangas, tanto fardados quanto civis, são autoritários, sem dúvida. No entanto, foram constrangidos — e se deixaram constranger — pelas instituições democráticas, pois não reduziram imediatamente a competência do STF. Nem sequer tentaram limitar o direito dos partidos de oposição e das instituições privadas de recorrer à Suprema Corte, tornando-se vítimas da judicialização da política.

Faltou astúcia política e militar na preparação do golpe fracassado de janeiro de 2023. Mas, sobretudo, faltou um jurista capaz de avaliar as consequências de não modificar cirurgicamente o sistema constitucional vigente para remover os entraves que dificultariam o sucesso de um futuro golpe de Estado. Bolsonaro parece ser vítima do pensamento mágico, assim como muitos dos seus aliados. Isso facilitou a bancarrota do empreendimento neoliberal autoritário e assistemático que tentaram implementar. Felizmente, devo dizer.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Fábio Oliveira. A inevitabilidade do fracasso do Estado autoritário bolsonarista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7908, 24 fev. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/112997. Acesso em: 18 mar. 2025.

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