Este artigo tem por objetivo analisar, de forma breve, se as medidas adotadas pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, em 2024, para assegurar a Soberania Nacional contra o bilionário estadunidense Elon Musk encontram respaldo interpretativo institucional no dever jurídico previsto no inciso IV do artigo 139 do Código de Processo Civil de 2015. Para tanto, adota-se como base argumentativa o entendimento desenvolvido na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.941, de 9 de fevereiro de 2023, que julgou a constitucionalidade desse dispositivo, estabelecendo sua relação com princípios processuais vinculados à corrente neoprocessualista.
INTRODUÇÃO: ORIGEM DO CONFLITO
O conflito judicial envolvendo o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, e o bilionário estadunidense Elon Musk, dono da plataforma “X”, teve origem no fatídico dia 8 de janeiro de 2023, quando bolsonaristas invadiram e vandalizaram o Congresso Nacional e o STF. Considerando que a organização desse evento, a propagação de ideais antidemocráticos e a prática de crimes tiveram como principal palco as redes sociais, o Supremo, sob a liderança do Ministro Moraes, iniciou uma série de inquéritos com o objetivo de investigar a difusão de conteúdo falso, a atuação de milícias digitais e a promoção de atos dessa natureza. Desde então, o Ministro determinou o bloqueio de diversos perfis de usuários em redes sociais acusados de estimular os atos golpistas do dia 8 de janeiro, bem como de promover ameaças e coações contra delegados federais que atuaram nos procedimentos investigatórios conduzidos pelo Supremo. Dentre essas redes, a plataforma “X” (antigo Twitter), representada por seu dono e CEO (Chief Executive Officer), assumiu uma postura de resistência às determinações do STF, alegando, inclusive, censura à liberdade de expressão dos brasileiros. (REUTERS, 2024)
Diante do deliberado descumprimento da ordem judicial, Moraes determinou o bloqueio dos perfis, sob pena de multas diárias à X BRASIL INTERNET LTDA., pessoa jurídica que representava legalmente a plataforma no Brasil, a fim de pressioná-la ao cumprimento da decisão. No entanto, a sanção precisou ser ampliada devido à evasão dolosa dos representantes da X Brasil, que buscaram evitar a intimação da decisão judicial. Além disso, o Ministro ordenou o bloqueio de ativos financeiros, mas Musk não apenas manteve sua posição de resistência, como também encerrou as atividades administrativas da empresa no Brasil, de modo que não houvesse mais um representante legal da plataforma no país para responder por esses atos, mantendo, ainda assim, a rede social em funcionamento. (BRASIL, Petição n° 12.404)
Nesse contexto, em 28 de agosto de 2024, Moraes determinou a nomeação de um representante no Brasil para responder pelos crimes relacionados ao caso. No entanto, o bilionário permaneceu insubordinado à máxima instância judicial do país, demonstrando completo desprezo pela soberania brasileira. Em razão disso, no dia 30 de agosto de 2024, o Ministro determinou a suspensão da plataforma em todo o território nacional. (NETTO, 2024)
Essa determinação reacendeu uma grande polêmica entre os juristas brasileiros: quais são os limites das medidas para assegurar o cumprimento de uma ordem judicial, prevista legalmente no inciso IV do artigo 139 do Código de Processo Civil.
Este trabalho tem por objetivo analisar, de forma breve, se as medidas adotadas pelo Ministro Alexandre de Moraes contra o bilionário estadunidense Elon Musk encontram respaldo interpretativo institucional no dever jurídico estabelecido no dispositivo legal citado, considerando as circunstâncias do caso concreto. Para isso, adotou-se como base argumentativa o entendimento desenvolvido na Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.941, de 9 de fevereiro de 2023, estabelecendo-se sua relação com princípios processuais vinculados à corrente neoprocessualista, que norteou a criação do CPC.
INTERPRETAÇÕES DO ARTIGO 139, IV, DO CPC
Antes de analisar as possíveis interpretações do inciso IV do artigo 139 do Código de Processo Civil, é necessário, primeiramente, apresentar a corrente que serviu de inspiração e até mesmo de fundamento para o próprio CPC: o Neoprocessualismo.
O Neoprocessualismo deriva do Neoconstitucionalismo, uma corrente teórica pós-positivista que pressupõe uma relação consideravelmente próxima entre o Direito e a moral. Isso ocorre porque o positivismo, por si só, não conseguiria se sustentar sem estar ancorado em valores ético-morais, como defendia o jurista argentino Carlos Santiago Nino:
Nino critica o positivismo recorrendo ao que chama de "teorema fundamental da filosofia do direito". Este pode ser sintetizado na afirmação de que as normas jurídicas não estão em condições de constituir razões suficientes para a justificação de ações ou decisões (dos juízes, por exemplo) se não têm um fundamento moral. Por esse motivo, o direito positivo só pode ser considerado obrigatório se respaldado em princípios ou razões morais. A elaboração desse teorema está relacionada às insuficiências do positivismo: a consideração do direito como fato ou como comando só consegue fornecer uma explicação da obrigatoriedade incidindo na lei de Hume e negligenciando a dimensão “de conteúdo" do direito. (FARALLI, 2022, p. 19)
A incorporação dos valores ao sistema jurídico ocorreu de diferentes formas. No Brasil, esse processo se deu por meio da positivação de princípios do Direito assegurados na Constituição de 1988, como o princípio da dignidade humana. A grande questão é que, entre 1988 e a primeira década dos anos 2000, os juristas perceberam que o Código de Processo Civil então vigente, o CPC de 1973, já não atendia às expectativas sociais geradas pela Carta Magna. Isso ocorria porque não havia preocupação em alinhar o processo aos valores sociais, sendo ele tratado apenas como um instrumento ou ferramenta para a resolução de lides. O juiz, por sua vez, atuava como mero aplicador do Direito, utilizando o processo para decidir com base na verdade processual – ou seja, a verdade apresentada nos autos – independentemente da verdade dos fatos e do tempo necessário para sua conclusão.
O Código de Processo Civil de 2015, instituído pela Lei nº 13.105, substituiu o CPC de 1973 com o objetivo de construir uma realidade processual coerente com os anseios sociais expressos na Constituição Federal, sendo caracterizado, já em seu artigo inaugural, pela consideração dos valores constitucionais:
Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código. (BRASIL, 2015)
Esse dispositivo introduz a corrente neoprocessualista no Brasil, caracterizada por conferir "a importância que se deve dar aos valores constitucionalmente protegidos na pauta de direitos fundamentais na construção e aplicação do formalismo processual" (OLIVEIRA, 2007, p. 134). Essa corrente está diretamente vinculada "à construção de técnicas processuais efetivas, rápidas e adequadas à realização do direito processual" (CAMBI, 2007, p. 1–44). O processo deixa de ser uma mera ferramenta e passa a ser um meio para garantir a dignidade humana, uma vez que o juiz não deve mais adotar uma postura apática diante do caso, mas sim atuar de forma ativa, "curiosa", buscando proferir uma sentença que reflita a verdade mais próxima possível dos fatos. Além disso, deve garantir a efetividade da decisão pelos meios processuais mais adequados, respaldado por princípios processuais e constitucionais, no menor tempo possível.
É nesse contexto que surge a questão do inciso IV do artigo 139, pois, devido à sua redação "aberta", são possíveis múltiplos argumentos que sustentam duas interpretações distintas: uma restritiva e outra abrangente. O dispositivo legal é redigido da seguinte maneira:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
[...]
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária; (BRASIL, 2015)
No ano de 2023, o Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.941 (ADIN 5.941), proposta pelo Partido dos Trabalhadores (PT), que pleiteava a declaração de inconstitucionalidade, sem redução de texto, do dispositivo legal supracitado. O argumento central era de que "[o] preenchimento de sentido das expressões ‘medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial’ não pode ser relegado exclusivamente ao subjetivismo judicial" (BRASIL, ADIN nº 5.941, p. 8), devendo, portanto, estar restrito ao princípio da patrimonialidade e aos limites próprios da aplicação do Direito, conforme declarado pela Procuradora-Geral da República em seu parecer (Ibid., p. 12).
De maneira sintética, os argumentos sustentavam que a adoção de medidas atípicas pelo magistrado deveria ser sempre precedida de uma fundamentação rigorosa, demonstrando por que as medidas típicas não foram suficientes no caso concreto. Além disso, o juiz deveria comprovar a proporcionalidade e a adequação das medidas atípicas escolhidas, evitando que estas se transformassem em um substituto de penas ou sanções desproporcionais. Em outras palavras, a adoção dessas medidas deveria ser um recurso excepcional e de última instância para garantir o cumprimento de uma ordem judicial, aspecto que não poderia ser extraído de uma redação tão ampla como a do inciso IV do artigo 139. Por essa razão, argumentava-se que a supressão desse dispositivo do ordenamento jurídico seria necessária para evitar eventuais excessos do Judiciário.
Nessa mesma linha, aponta também a Associação Brasileira de Direito Processual:
O processo não é instrumento da jurisdição, tal visão não encontra eco na Constituição. O processo é, pois, garantia de liberdade contra o exercício do poder estatal. Deste modo, o processo deve ser visto como um limite para o exercício do poder jurisdicional e não como uma ferramenta para a execução de acordo com “seus interesses” ou “suas vontades”. (Ibid., p. 13)
Além disso, o argumento apresentado ousadamente determina aos Ministros do Supremo Tribunal Federal quais interpretações seriam possíveis e coerentes com o texto constitucional, restringindo o sentido do artigo 139, inciso IV, ao princípio da patrimonialidade e ao campo semântico de “ordem judicial”:
Deste modo, apenas duas interpretações possíveis do artigo 139, inciso IV, do CPC são compatíveis com a Constituição: (a) no procedimento de expropriação, existem obrigações legais acessórias de fazer, de não fazer e de entrega que devem ser cumpridas pelo devedor, pelo credor ou por terceiro [...]; (b) o texto legal se refere ao “cumprimento de ordem judicial”. No particular, a definição do significante “ordem judicial” tem relação direta com o pronunciamento judicial cuja carga eficacial preponderante é mandamental.
Não se trata, portanto, de todo e qualquer pronunciamento judicial, não podendo ser aplicado a sentenças com eficácia preponderantemente condenatória. Quaisquer outras interpretações são inconstitucionais, por violação ao disposto no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal. (Ibid., p. 14–15)
Embora fundamentados em dispositivos constitucionais, os argumentos construídos em defesa da declaração de inconstitucionalidade do inciso IV do artigo 139 representam uma linha interpretativa restritiva da potencialidade normativa desse dispositivo. Essa abordagem contraria os fundamentos valorativos tanto da Constituição Federal quanto do Código de Processo Civil de 2015. Como defende o Ministro Luiz Fux:
acolher o pleito de inconstitucionalidade [...] corresponderia, ademais, à limitação, ex ante, da discricionariedade do órgão julgador, em nome da proteção absoluta da liberdade do devedor, independentemente dos demais valores jurídicos afetos a cada caso.
As normas em exame devem ser lidas em sintonia com o ordenamento no qual estão inseridas, mormente porque não se pode conceber um sistema jurídico livre de aspirações de coerência interna. (Ibid., p. 21)
A efetividade das decisões judiciais possui valor constitucional intrínseco e deve ser balanceada com os direitos fundamentais, garantindo o acesso à justiça e a proteção das partes. A Constituição Federal e o Código de Processo Civil de 2015, em sua totalidade, asseguram que, por serem fundamentados nas correntes do neoconstitucionalismo e do neoprocessualismo, o processo deve ser célere e eficiente. A ausência de efetividade no cumprimento das decisões judiciais comprometeria a credibilidade de todo o sistema jurisdicional.
Desse modo, o Supremo Tribunal Federal entendeu que, ao conceder ao juiz, no inciso IV do artigo 139, o poder de adotar medidas necessárias para assegurar o cumprimento das decisões, o CPC pressupõe que a efetividade e a razoável duração do processo, desde que limitadas pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, são os meios mais adequados para garantir a dignidade da pessoa humana. Não se trata, portanto, de um poder discricionário ilimitado do magistrado, pois, embora excessos possam ocorrer, estes decorreriam da violação dos princípios mencionados, devendo ser analisados caso a caso. Essa perspectiva corresponde, assim, à linha interpretativa abrangente.
Ao considerar os princípios como elementos basilares da ordem jurídica (os valores) e as limitações dos poderes concedidos pela legislação, alguns princípios processuais são centrais na interpretação do artigo 139, inciso IV, do CPC, como o princípio da efetividade, da cooperação e da criatividade jurisdicional. Esses princípios serão analisados a seguir, a fim de possibilitar a discussão sobre a medida de suspensão da rede social “X”, determinada pelo Ministro Alexandre de Moraes.
CONCEITO E RELAÇÃO DE PRINCÍPIOS PROCESSUAIS COM O DEVER DO ART. 139, IV, DO CPC
Como evidenciado nas páginas anteriores, a questão das medidas atípicas de execução possui uma relação estreita com princípios constitucionais e, sobretudo, processuais. Já se sabe que o objetivo maior do neoprocessualismo é promover a dignidade humana por meio de um processo efetivo e em tempo razoável; no entanto, ainda não foi devidamente explanado o sentido real dessa "efetividade".
O princípio da efetividade, conforme descrevem Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, está diretamente relacionado ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. Para esses juristas, o CPC de 2015 estabelece que esse princípio não se limita ao direito de propor um conflito em juízo, mas também "uma tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva (Kazuo Watanabe), além de impedir a imposição de óbices ilegítimos à concessão da tutela eventualmente devida" (DINAMARCO, 2016, p. 54–55). A efetividade, ou princípio da efetividade, pode ser compreendida como "o respeito à real satisfação do direito judicialmente reconhecido, ao seu implemento no mundo da vida" (Ibid., p. 55). Em outras palavras, trata-se do "fazer-valer" da decisão judicial, garantindo o resultado prático da determinação, sempre respeitando os limites valorativos assegurados por lei.
No que se refere às medidas atípicas, o objetivo central desse dispositivo é a concretização da decisão judicial não por meios processuais genéricos, mas por mecanismos que efetivamente pressionem o executado a cumprir o que lhe foi determinado. Além disso, é fundamental que o método empregado para compelir o executado a cumprir a sentença seja adequado e respeite um prazo razoável, garantindo, assim, a dignidade humana decorrente do devido e efetivo processo legal. Dessa necessidade emergem as noções de adequação e tempestividade apontadas por Dinamarco e Lopes.
Para que essa efetividade seja assegurada, dois outros princípios processuais devem ser concretizados: o princípio da cooperação e o princípio da criatividade jurisdicional.
O princípio da cooperação, como aponta Fredie Didier Jr., fundamenta-se em outros princípios, como o princípio do devido processo legal, da boa-fé processual e do contraditório, que, quando unificados, resultam no bom desenvolvimento do processo (DIDIER JR., 2015, p. 120–131). Para isso, conforme previsto no artigo 6º do CPC de 2015, é necessária a cooperação entre todos os sujeitos processuais, ou seja, as partes e o juiz. Este, por sua vez, deve demonstrar interesse na verdade dos fatos, indo além da mera verdade processual, e dispor de todos os meios cabíveis para alcançá-la, decidir a lide e garantir a efetividade de sua decisão.
Quanto ao princípio da criatividade jurisdicional, entende-se que ele é inerente à função jurisdicional, uma vez que a interpretação da legislação e sua aplicação à realidade demandam compreensão e criatividade por parte do operador do Direito. Como apontam Alvim e Dantas:
O juiz é criativo quando se afasta de padrões estabelecidos, em precedentes, em leis ou em doutrina respeitada, tal como vinham sendo compreendidos antes, ou da procura, com base em padrões decisórios menos nítidos, de soluções para situações empíricas "novas". (ALVIM; DANTAS, 2023)
Nesse sentido, há contextos em que a aplicabilidade desse princípio se torna mais evidente, como nas decisões judiciais diante de lacunas jurídicas. O juiz, ao ser responsável por resolver conflitos não previstos expressamente na legislação, é compelido a buscar novas soluções para essas situações excepcionais. Um exemplo disso é o uso da analogia, por meio da qual a criatividade do magistrado se manifesta ao adotar uma norma cujo suporte fático hipotético não seja necessariamente idêntico ao caso concreto, mas que, devidamente justificado, se torne aplicável à determinada situação, desde que fundamentado nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Outro exemplo é o próprio dispositivo do CPC que rege a adoção de medidas atípicas de execução. Como já foi esclarecido pelo Supremo Tribunal Federal, esse dispositivo também confere ao juiz o poder de criar medidas que melhor se adequem à necessidade de forçar o cumprimento da decisão judicial, sempre respeitando os princípios processuais e constitucionais previamente mencionados.
Tendo esclarecido todos esses elementos fundamentais da matéria processual, torna-se possível, enfim, analisar as medidas adotadas pelo Ministro Alexandre de Moraes, considerando seu contexto e suas particularidades.
ANÁLISE DO CASO ALEXANDRE DE MORAES V. ELON MUSK
Como reiterado diversas vezes neste trabalho, o Neoprocessualismo, que estrutura o Código de Processo Civil de 2015, elege o devido e efetivo processo legal, vinculado a todos os princípios supracitados, como o principal meio para assegurar a Dignidade Humana. Tendo isso como premissa maior, é possível analisar as medidas determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes no caso Moraes x Musk.
Ao longo do processo contra a plataforma “X”, até o dia 30 de agosto de 2024, Moraes determinou as seguintes medidas:
Em decisão de 7/8/2024, entre outras medidas, determinei à empresa TWITTER INC. (responsável pela rede social "X") que, no prazo de 2 (duas) horas, procedesse ao bloqueio dos canais/perfis/contas indicados, bem como de quaisquer grupos que sejam administrados pelos usuários seus, inclusive bloqueando eventuais monetizações em curso relativas aos mencionados perfis, devendo as plataformas informar os valores que seriam monetizados e os destinatários dos valores, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), com o fornecimento de seus dados cadastrais a esta SUPREMA CORTE e a integral preservação de seu conteúdo.
A referida empresa foi devidamente intimada da referida determinação, por e-mail ([email protected]), às 9h40min de 12/8/2024, deixando de atender à decisão judicial. Foi aplicada multa diária prevista de R$ 50.000,00 (CINQUENTA mil reais) em face da empresa X BRASIL INTERNET LTDA., (antigo Twitter), determinando a intimação pessoal do representante legal X BRASIL INTERNET LTDA.
Em 16/8/2024, a determinação judicial foi reiterada, bem como ampliado o valor da multa diária, em virtude da constatação de dolosa evasão dos representantes legais da X BRASIL para evitar a intimação da decisão judicial.
Em 18/8/2024, diante da permanência do desrespeito às determinações judiciais e da declarada intenção de ELON MUSK em não se sujeitar ao ordenamento jurídico e ao Poder Judiciário brasileiros, em relação às empresas TWITTER INTERNATIONAL UNLIMITED COMPANY [...], X BRASIL INTERNET LTDA. [...] foram determinados os bloqueios imediatos das contas bancárias/ativos financeiros, mediante expedição de ofício ao BANCO CENTRAL DO BRASIL, e da comunicação oficial à CVM.
Em 24/8/2024, em virtude da ausência de recursos financeiros suficientes encontrados das empresas TWITTER INTERNATIONAL UNLIMITED COMPANY, T. I. BRAZIL HOLDINGS LLC e X BRASIL INTERNET LTDA., para a adimplemento das multas diárias, bem como de decisão que entendeu configurada a existência de “grupo econômico de fato” entre a X BRASIL INTERNET LTDA, a STARLINK BRAZIL HOLDING LTDA e a STARLINK BRAZIL SERVIÇOS DE INTERNET, todas ligadas a empresa SPACE X e comandadas de fato por ELON MUSK, foram determinados novos bloqueios de contas bancárias/ativos financeiros, mediante expedição de ofício ao BANCO CENTRAL DO BRASIL, e da comunicação oficial à CVM.
Certifico que, nesta data, às 20h07min, conforme “captura de tela” anexa a esta certidão, a Secretaria Judiciária desta SUPREMA CORTE procedeu à intimação, por meios eletrônicos, de ELON MUSK, da decisão proferida nos autos em epígrafe em 18/8/2024, que determinou a indicação, em 24 (vinte e quatro) horas, do nome e qualificação do novo representante legal da X BRASIL em território nacional, devidamente comprovados junto a JUCESP , sob pena de IMEDIATA SUSPENSÃO DAS ATIVIDADES DA REDE SOCIAL X (antigo Twitter) até que as ordens judiciais sejam efetivamente cumpridas e as multas diárias quitadas, nos termos do artigo 12, inciso III, da Lei nº. 12.965/14.
Brasília, 28 de agosto de 2024”. (BRASIL, Petição 12.404, p. 1 – 6) (grifos nossos)
Todas essas medidas coercitivas determinadas pelo Supremo Tribunal Federal têm por objetivo pressionar o "fazer-valer" de suas decisões contra o bilionário estadunidense Elon Musk, que, reiteradamente, não reconhece a autoridade do Poder Judiciário brasileiro e, por consequência, deslegitima a soberania do país. Como o próprio ministro Alexandre de Moraes aponta na PET 12.404:
Não é a primeira vez que isso ocorre, pois, em outras oportunidades, o maior acionista da TWITTER INTERNATIONAL UNLIMITED COMPANY, ELON MUSK, demonstrou seu total desrespeito à Soberania brasileira e, em especial, ao Poder Judiciário, colocando-se como verdadeiro ente supranacional e imune às legislações de cada País. (Ibid., p. 16)
Assumindo, portanto, que a efetividade das decisões judiciais é um pressuposto para o devido processo legal e que as medidas adotadas pelo ministro Moraes foram aumentando em gravidade proporcionalmente ao desrespeito do empresário estadunidense à soberania nacional — inicialmente estabelecendo multas diárias, que foram aumentando devido ao contínuo desrespeito ao Poder Judiciário brasileiro, culminando na suspensão da rede social “até que as ordens judiciais sejam efetivamente cumpridas e as multas diárias quitadas, nos termos do artigo 12, inciso III, da Lei nº 12.965/14” (Ibid., p. 6) —, não é possível apontar um excesso dessas medidas atípicas, considerando não somente a gravidade de haver um bilionário cujo capital é maior que diversos PIBs de Estados soberanos, mas também a adequação às condições do caso, tendo em vista que todas as medidas afetaram unicamente o capital do bilionário, o que certamente não é suficiente para deixá-lo ou à sua empresa em uma situação delicada no aspecto financeiro.
Em outras palavras, pode-se dizer que as medidas atípicas aplicadas contra Elon Musk encontram respaldo interpretativo institucional (da linha abarcante) sobre o inciso IV do artigo 139, tendo em vista que foram fundadas nos princípios da proporcionalidade, uma vez que foram proporcionais à gravidade do desrespeito à soberania nacional; da razoabilidade, de modo que não haveria consequências que prejudicassem a potencialidade máxima de Musk ou da rede social; e que buscam a concretização dos princípios da efetividade, da criatividade jurisdicional e da cooperação, atrelados ao princípio do devido processo legal, considerando a distopia da deslegitimação da autoridade soberana de um país por apenas um homem. Se o Supremo Tribunal Federal não adotar medidas dessa natureza contra a deslegitimação da soberania nacional promovida por um indivíduo que tem poder econômico equiparável ao de países, a fim de se alcançar a efetividade do devido processo legal, não haverá mais como se falar em dignidade humana.
Conclusão
As medidas atípicas de execução determinadas pelo Ministro Alexandre de Moraes no caso contra Elon Musk e a plataforma "X" são justificadas pelo inciso IV do artigo 139 do Código de Processo Civil de 2015, pela necessidade de assegurar o cumprimento das decisões judiciais, ou seja, a efetividade do processo e, nesse caso, reafirmar a soberania brasileira. Essas medidas devem ser limitadas pelos princípios desenvolvidos na era neoprocessualista, tais como os princípios da proporcionalidade, razoabilidade, cooperação e criatividade jurisdicional.
Ao longo do processo, medidas coercitivas, como multas, bloqueios de ativos financeiros e a própria suspensão da rede social no território nacional, foram aplicadas de forma crescente devido ao desrespeito contínuo de Musk às ordens do Supremo Tribunal Federal. Isso resultou na reafirmação da autoridade do Judiciário brasileiro, enquanto Estado soberano, sobre os abusos de poder de um bilionário estrangeiro, limitando-os e assegurando, assim, a dignidade da pessoa humana.
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