1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem o escopo de oferecer uma análise histórica, fática e jurídica sobre o instituto da delação e colaboração premiada, além do acordo de leniência, métodos empregados no Brasil por meio de diversas legislações infraconstitucionais. Serão abordadas suas conceituações próprias, natureza jurídica, aplicabilidade e finalidades, incluindo sua extensão no âmbito da incidência legal.
De fato, a delação premiada é uma forma de colaboração premiada, sendo conhecida como um mecanismo legal que beneficia o acusado. Contudo, a colaboração premiada é mais abrangente, englobando a delação premiada.
No que tange à diferenciação entre delação e colaboração, afirma-se que, na delação premiada, o acusado confessa sua participação no crime e delata os coautores, por iniciativa própria. Sua aplicação é restrita, conforme disposto na Lei dos Crimes Hediondos. Já na colaboração premiada, o acusado confessa sua participação no crime e colabora com a investigação, podendo agir por iniciativa própria ou mediante solicitação do Ministério Público.
Ademais, a colaboração premiada é considerada um mecanismo de consenso penal, podendo envolver outras formas de contribuição, como a recuperação do produto do crime. Esse instituto pode gerar inúmeros benefícios ao colaborador, desde a redução da sanção até o perdão judicial.
Por fim, o termo “colaboração premiada” está previsto na Lei nº 12.850/2013, enquanto o termo “delação premiada” continua sendo amplamente utilizado, especialmente pela imprensa, como uma forma de referência ao instituto.
2. ORIGEM DA DELAÇÃO PREMIADA
É cediço que a delação premiada tem sua extensão por meio da colaboração premiada. Essa técnica investigatória tem origem na Justiça italiana, tendo sido utilizada pela primeira vez pelo juiz italiano Giovanni Falcone, com o objetivo de desbaratar o grupo mafioso conhecido como La Cosa Nostra.
Ao resgatar a história, verifica-se que, no ano de 1983, surgiu o primeiro Pentito (palavra italiana que significa "arrependido" ou "repente"). No âmbito da Justiça criminal italiana, esse termo é considerado informal e designa ex-membros de organizações criminosas que colaboraram com o Ministério Público, abandonando suas organizações e auxiliando os investigadores da polícia. Aliás, essa categoria de Pentito foi instituída na década de 1970, com o intuito de combater a violência e o terrorismo.
Dessa forma, o primeiro mafioso preso que colaborou com a Justiça italiana foi Tommaso Buscetta, que, após se afastar do grupo mafioso e de seus aliados, aderiu à delação, denunciando seus comparsas ao promotor de Justiça Giovanni Falcone. Com essa atitude, desencadeou-se o Maxiprocesso, realizado entre os anos de 1986 e 1987, que resultou no julgamento de centenas de mafiosos.
Ressalte-se que a expressão Cosa Nostra surgiu no início dos anos 1960, nos Estados Unidos, sendo mencionada pelo mafioso Leonardo Marcelo Camargo, que se tornou a principal testemunha do Estado italiano perante as audiências da Comissão McClellan.
3. ORIGEM DA DELAÇÃO PREMIADA NO BRASIL
No Brasil, a delação premiada surgiu com a edição da Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos), instituindo o marco inicial da colaboração premiada no ordenamento jurídico brasileiro. Essa legislação previu a redução de um a dois terços da pena para partícipes ou associados de quadrilhas envolvidas na prática de crimes hediondos, tortura, tráfico de drogas e terrorismo, desde que colaborassem com a autoridade competente, entregando os membros da quadrilha ou bando. Esse ato visava à desarticulação dessas organizações criminosas, conforme disposto no artigo 8º, parágrafo único, da Lei nº 8.072/1990, infra:
“Art. 8º. Será de três a seis anos de reclusão a pena prevista no art. 288 do Código Penal, quanto se tratar de crimes hediondos, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins ou terrorismo”.
“Parágrafo único. O participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento, terá a pena reduzida de um a dois terços”.
Por outro lado, há que se observar que, a partir do marco legislativo supracitado, o instituto da delação premiada passou a ser utilizado em outras legislações pátrias, conforme se verifica a seguir:
1. Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848, de 1940), artigos 159, § 4º, 288, parágrafo único, e 288-A (Extorsão mediante sequestro), infra:
“Art. 159. Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate”.
“Pena – Reclusão, de oito a quinze anos (Redação dada pela Lei nº 9.269/96).
Vislumbra-se que, na prática, a existência de um acordo de colaboração, válido e eficaz, nos termos do artigo 4º, incisos I a V, da Lei nº 12.850/2013, cujo nomen juris é “Sanção Premial”, depende sempre do fiel cumprimento, por parte do colaborador, do compromisso assumido, com a efetiva produção de pelo menos um dos seguintes resultados esperados:
a) Identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa, incluindo as infrações penais por eles perpetradas
b) Revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa
c) Prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa
d) Recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa.
e) Localização de eventual vítima, garantindo a preservação de sua integridade física.
Segundo entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), caso nenhum desses resultados concretos seja alcançado durante a investigação, ficará demonstrado o inadimplemento do acordo pelo colaborador, não se produzindo a sanção premial almejada.
Além disso, por se tratar de uma negociação jurídica processual personalíssima, seus efeitos não são extensíveis a corréus, conforme disposto no artigo 6º, inciso I, da Lei nº 12.850/2013.
No que diz respeito à associação criminosa, prevista no artigo 288, parágrafo único, e no artigo 288-A do Código Penal, suas tipificações são as seguintes:
“Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes”.
“Pena - Reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.850/13”.
“Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente”. (Redação dada pela Lei n° 12.850/13).
“Art. 288-A. Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos neste Código.” (Incluído pela Lei nº 12.720/13).
“Pena – Reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) anos”.
2. Lei nº 7.492/86 – Sistema Financeiro Nacional – Artigo 25, § 2º.
3. Lei nº 8.137/90 – Ordem Tributária, Econômica e Contra as Relações de Consumo – Artigo 16, parágrafo único.
4. Lei nº 8.884/94 – Infrações praticadas contra a Ordem Econômica.
5. Lei nº 9.034/95 – Organizações Criminosas.
6. Lei nº 9.613/98 – Crimes de Lavagem de Capitais – Artigo 1º, § 5º.
7. Lei nº 9.807/99 – Proteção de Vítima e Testemunha – Artigo 14.
8. Lei nº 9.034/05 – Lei do Crime Organizado – Artigo 6º.
9. Lei nº 11.343/06 – Drogas e Afins – Artigo 41.
10. Lei nº 12.529/11 – Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – Artigo 86.
11. Lei nº 12.850/13 – Combate as Organizações Criminosas.
De fato, entre todas as disposições legais supramencionadas que foram inseridas no contexto da delação premiada, apenas uma contribuiu significativamente para a aplicabilidade prática do instituto: a Lei nº 9.613/1998, que combate a lavagem de dinheiro. Destarte, essa norma legal passou a prever benefícios mais atrativos ao colaborador, como a possibilidade de cumprimento da pena em regime menos gravoso (regime aberto ou semiaberto), a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos e, até mesmo, o perdão judicial, nos termos do artigo 1º, § 5º, da Lei nº 9.613/1998.
Na mesma linha, surgiu a Lei nº 9.807/1999, que trata da proteção da testemunha e da vítima, conforme disposto nos artigos 13 e 14.
Posteriormente, foram editadas outras legislações que ampliaram o uso da colaboração premiada, tais como:
Lei nº 11.343/2006, que prevê a colaboração premiada para os crimes de tráfico de drogas e afins, conforme disposto em seu artigo 41.
Lei nº 12.529/2011, que passou a denominar a colaboração premiada de “Acordo de Leniência”, direcionando sua aplicabilidade para infrações contra a ordem econômica, nos termos dos artigos 86 e 87.
Com exceção desta última legislação citada, todas as demais normas padeciam de formalidades legais, devido à falta de regulamentação específica dessa técnica investigativa. Essa lacuna gerava insegurança jurídica para alguns colaboradores, que ficavam à mercê de um "limbo jurídico", no qual a informação fornecida poderia perder seu valor e ser descartada, além de submeter os delatores a um sistema judicial sem previsibilidade clara de benefícios.
No que concerne à Lei nº 12.529/2011, que regulamentou especificamente o Acordo de Leniência, há uma ênfase na preservação do sigilo, conforme previsto no artigo 86, § 9º. Esse sigilo é essencial para que o colaborador possa identificar os envolvidos e fornecer informações e documentos que comprovem a prática do delito sob investigação, nos termos do artigo 86, incisos I e II.
Ademais, faz-se necessário ressaltar que, para a celebração do Acordo de Leniência, devem ser observadas algumas condições:
Não podem estar disponíveis, previamente, provas suficientes para embasar uma condenação.
O colaborador deve confessar sua participação no ato delituoso.
Deve cooperar plenamente e de forma contínua com as investigações.
Tais exigências estão expressamente previstas no § 1º do artigo 86 do referido Diploma Legal.
4. DO PROCEDIMENTO DA COLABORAÇÃO PREMIADA COMPLETA
Nesse sentido, observa-se que apenas a Lei nº 12.850/2013, em seu teor, prevê um procedimento completo, com medidas voltadas ao combate das organizações criminosas. Dentre essas medidas, destacam-se os benefícios concedidos ao colaborador, que podem incluir:
Perdão judicial;
Redução da pena em até 2/3;
Substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos;
Conforme disposto no artigo 4º da referida legislação:
“Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados”: (...). (Grifei).
Vislumbra-se que o preceito legal supracitado é cristalino ao dispor que a colaboração premiada constitui um meio de obtenção de prova formalizado por um negócio jurídico processual, celebrado voluntariamente entre o colaborador e a autoridade responsável pela investigação criminal. Ou seja, não pode haver qualquer tipo de pressão, seja ela física ou moral, por parte de qualquer autoridade envolvida no procedimento.
Nesse sentido, exige-se que a colaboração seja voluntária e efetiva. Aliás, essa é uma das características mais relevantes da colaboração premiada: o benefício concedido ao colaborador dependerá sempre da efetividade da colaboração, ou seja, de um resultado concreto. Esse resultado pode incluir:
A identificação de cúmplices e dos delitos por eles praticados;
A descoberta da estrutura e do funcionamento da organização criminosa;
A prevenção da prática de novos crimes;
A recuperação dos lucros obtidos com a prática delituosa;
A localização de uma possível vítima, garantindo sua integridade física.
Tais requisitos estão previstos nos incisos I a V do artigo 4º da legislação supracitada.
No que se refere à participação do Magistrado, é defeso ao Juiz participar das negociações que visam à formalização do acordo de colaboração premiada. Devem participar desse procedimento apenas:
O colaborador ou delator;
Seu advogado;
A autoridade policial;
O parquet (representante do Ministério Público).
Essa restrição está prevista no § 6º do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013, conforme disposto infra:
"Art. 4º, § 6º. O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.”
Destarte, firmado o acordo, este deve ser formalizado legalmente, incluindo a oitiva do colaborador, na qual ele relatará tudo o que sabe e os eventuais resultados pretendidos. O acordo também deve conter:
As condições da proposta do Ministério Público e da Autoridade Policial;
A declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;
As assinaturas de todos os participantes;
A especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família.
Essas exigências estão previstas no artigo 6º da Lei nº 12.850/2013.
Após a adoção das formalidades acima mencionadas, o termo do acordo deve ser encaminhado, juntamente com as cópias da investigação e das declarações do colaborador, ao Juiz da causa, para a devida homologação, conforme previsto no § 7º do artigo 4º da referida Lei.
Ademais, compete ao Juízo da causa, antes da homologação, verificar a regularidade, legalidade e voluntariedade do acordo. Para isso, o magistrado poderá ouvir o colaborador sigilosamente, na presença de seu advogado, porém sem a assistência presencial do Ministério Público, nos termos do § 7º do artigo 7º da mesma Lei.
Uma vez homologado o acordo, as medidas de colaboração serão implementadas, conforme a previsão do § 9º do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013.
Vale ressaltar que a parte mais importante do acordo está relacionada ao dever do colaborador de renunciar ao direito de permanecer em silêncio, comprometendo-se a dizer a verdade, nos termos do § 14 do artigo 4º da Lei.
Além disso, a Lei nº 12.850/2013 estabelece a exigência da presença de um advogado em todos os atos da negociação, confirmação e execução do acordo de colaboração, conforme previsto no § 15 do artigo 4º da Lei.
Finalizando, tem-se que a eficácia do acordo é julgada pelo Juiz da causa, por meio da prolação de uma sentença, nos termos do § 11 do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013. Entretanto, essa decisão não pode se basear exclusivamente nas declarações do colaborador para impor uma condenação, sendo necessário que os autos do procedimento contenham outros meios de prova legais, conforme prevê o § 16 do artigo 4º da mesma legislação.
No que se refere aos requisitos necessários para a elaboração do Termo de Acordo de Colaboração Premiada, o artigo 6º da Lei nº 12.850/2013 determina que ele deve ser redigido por escrito e conter:
I - O relato da colaboração e seus possíveis resultados;
II - As condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia;
III - A declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor;
IV - As assinaturas do representante do Ministério Público ou do delegado de polícia, do colaborador e de seu defensor;
V - A especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.
No que concerne à atuação do Ministério Público na colaboração premiada, este também pode deixar de oferecer a denúncia se forem atendidos os seguintes requisitos:
O colaborador não for o líder da organização criminosa;
O colaborador for o primeiro a prestar efetiva colaboração;
A infração não for de conhecimento prévio do Ministério Público.
Essa previsão está contida no § 4º do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013.
Além disso, a concessão do benefício levará em consideração os seguintes fatores:
A personalidade do colaborador;
A natureza da infração;
-
As circunstâncias do crime;
A gravidade do fato delituoso;
A repercussão social do crime;
A eficácia da colaboração prestada.
Ressalte-se, por oportuno, que o Ministério Público ou, ainda, o Delegado de Polícia, no curso do inquérito policial, podem requerer ou representar ao Juízo da causa pela concessão do perdão judicial, mesmo que esse benefício não tenha sido pactuado originalmente. Isso pode ocorrer a qualquer tempo, desde que a colaboração do delator seja considerada relevante, conforme dispõe o § 4º do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013.
Caso o Magistrado discorde da concessão do benefício, aplica-se, no que couber, a previsão do artigo 28 do Código de Processo Penal (CPP). Essa situação é bastante comum quando a colaboração prestada pelo delator se mostra mais valiosa do que a inicialmente esperada, levando à ampliação do benefício.
Porquanto, sendo a colaboração prestada após a prolação da sentença condenatória, a pena a ser cumprida poderá ser reduzida em até metade, ou, alternativamente, será admitida a progressão de regime prisional, mesmo que ausentes os requisitos objetivos previstos no § 5º do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013.
Contudo, para que ocorra a progressão de regime, não basta o mero preenchimento dos requisitos objetivos, sendo essencial que o colaborador demonstre mérito na sua conduta.
No que tange aos direitos do colaborador, previstos nos incisos I a VI do artigo 5º da Lei nº 12.850/2013, estes incluem:
I – Usufruir das medidas de proteção previstas na legislação específica;
II – Ter seu nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados;
III – Ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes;
IV – Participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;
V – Não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado sem sua prévia autorização por escrito;
VI – Cumprir pena ou prisão cautelar em estabelecimento penal distinto dos demais corréus ou condenados.
(Grifos nossos.)