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Delação e colaboração premiadas e do acordo de leniência

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01/03/2025 às 19:47
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5. DA NÃO HOMOLOGAÇÃO DA DELAÇÃO PREMIADA

Na hipótese de não homologação da delação premiada, a informação prestada pelo delator poderá ser validada como prova legal?

De acordo com o entendimento do advogado e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto,

“O delator perde o benefício, contudo, a informação oferecida na delação pode, mesmo assim, servir de caminho para a investigação”.

E prossegue:

“Bem no plano dos fatos é possível até que tenha alguma serventia, porque o delator dá um start, ele sinaliza, ele até aponta caminhos, ele inicia um processo de investigação penal. Há de ter préstimo à colaboração dele!”


6. DO MOMENTO DA OCORRÊNCIA DA DELAÇÃO PREMIADA

Impõe-se afirmar que o instituto da delação premiada se manifesta quando o indiciado ou acusado responsabiliza a autoria de um crime a um terceiro, seja este coautor ou partícipe. Da mesma forma, o instituto é empregado quando uma pessoa investigada ou já processada, de forma voluntária, fornece à autoridade competente dados ou informações sobre crimes praticados por uma quadrilha ou grupo criminoso. Esse mecanismo também pode ser utilizado para indicar a localização da vítima de um sequestro ou para possibilitar o recuperação do produto ou objeto do ato delituoso.

Nesse sentido, o momento adequado para a aplicação da delação premiada pode ocorrer durante a fase pré-processual, ou seja, na instauração do inquérito policial, quando há o esgotamento da fase inter criminis (o caminho do crime). No entanto, a delação também pode ser empregada na fase processual, durante a instrução criminal, ou seja, quando a ação penal já estiver em curso.

Cabe ressaltar que a delação premiada só será admitida se o delator fornecer informações novas, que acrescentem dados inéditos aos fatos já conhecidos pela investigação. Segundo o Ministério Público, a colaboração pode revelar informações estratégicas, que nem mesmo os investigadores conseguiriam obter sozinhos ou levariam muito tempo para captar, como, por exemplo, o caminho percorrido no desvio de dinheiro.


7. DO SIGILO DA DELAÇÃO PREMIADA

Nos termos da Lei nº 12.850/2013, o sigilo sobre o teor do acordo de delação premiada é expressamente previsto, com o objetivo de proteger o delator contra possíveis represálias e evitar prejuízos às investigações futuras. No entanto, a legislação não prevê que o vazamento de informações possa, por si só, anular as declarações fornecidas pelo delator.

Nesse sentido, ensina o jurista Tiago Botino, infra:

“Esse vazamento específico da empresa Odebrecht ocorreu antes da homologação judicial, mas isso não torna nulo o acordo. O que anula um acordo de colaboração premiada é quando as duas partes (acusação x defesa) rompem alguma das cláusulas daquele contrato. (...). Por exemplo, se o criminoso concordou em colaborar, e mente, informa falsamente um fato ou diz que determinada pessoa participou e não participou, ou omite a participação de outra pessoa e isto acaba sendo descoberto, isso faz com que o acordo seja anulado”.


8. DA DIFERENCIAÇÃO ENTRE CONFISSÃO E DELAÇÃO

Dentre outras denominações empregadas para a delação premiada, destaca-se o termo “confissão delatória”. No entanto, esta se diferencia da confissão comum, uma vez que o ato de confessar implica o desejo do indiciado ou acusado de se autoincriminar, enquanto a confissão delatória refere-se à imputação de um fato delituoso a uma terceira pessoa.


9. DA NATUREZA JURÍDICA DA DELAÇÃO PREMIADA

A delação premiada se concretiza formalmente por meio de um acordo celebrado entre o indiciado ou acusado e o representante do Ministério Público, no qual este oferece benefícios em troca de informações substanciais. Nesse contexto, a valorização das informações fornecidas, tanto em qualidade quanto em quantidade probatória, deve ser considerada para que o benefício concedido ao delator possa ser ampliado.

No que se refere aos benefícios concedidos aos delatores, nos termos da delação premiada, incluem-se:

  • a) A redução da pena de 1/3 a 2/3;

  • b) O cumprimento da pena em regime semiaberto, considerado um regime menos gravoso;

  • c) A extinção da pena;

  • d) O perdão judicial.

Além disso, a aplicação da delação premiada deve ocorrer de acordo com as circunstâncias do caso concreto, podendo resultar em uma causa de redução de pena ou de extinção da punibilidade. Dessa forma, pode ser concedido o perdão judicial, nos termos do artigo 13 da Lei nº 9.807/1999, que trata da proteção da vítima e da testemunha, conforme exposto abaixo:

“Art. 13. Poderá o Juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder perdão judicial e a consequente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado”:

“I – a identificação dos demais coautores ou partícipes da ação criminosa;”

“II – a localização da vítima com a sua integridade física preservada;”

“III – a recuperação total ou parcial do produto do crime:”

“Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.”


10. DA DELAÇÃO PREMIADA E O SEU VALOR PROBANTE

O valor probante da delação premiada não pode ser considerado absoluto em relação à pessoa delatada. Isso significa que o instituto se destina apenas a apontar a materialidade e a autoria do delito, sendo indispensável que a ação penal seja devidamente instruída com outras provas que possam validar as informações fornecidas pelo delator.

Além disso, a delação premiada não deve ser vista exclusivamente como um meio de colaboração e benefício ao delator, pois sempre existe o risco de uma falsa delação. Por essa razão, é essencial que se proceda a uma rigorosa avaliação entre as provas efetivamente produzidas e as informações decorrentes das delações, garantindo maior segurança jurídica ao processo penal.


11. DOS MEIOS DE VENCER O PACTO DE SILÊNCIO

Ao avaliar os meios para romper o pacto de silêncio no âmbito de um grupo criminoso, destaca-se um caso específico em que o Juiz Federal responsável pela prolação da sentença do Mensalão, Alexandre Sampaio, afirmou que a delação premiada é um instrumento "estritamente regulado em lei" e fundamental para "vencer pactos de silêncio estabelecidos entre criminosos".

Ainda segundo o magistrado, qualquer alteração na delação premiada poderia "dificultar o acesso da Justiça aos altos escalões das organizações criminosas".


12. DAS CRÍTICAS A DELAÇÃO PREMIADA

A delação premiada já foi alvo de inúmeras críticas, dentre elas, a de que as oitivas tomadas ficam sob o critério de avaliação do Juízo da causa e do parecer do Ministério Público, no que tange à utilidade das informações prestadas pelo delator.

Ora, diante desse impasse crítico, questiona-se: quem seria mais competente para avaliar as informações prestadas pelo colaborador senão a autoridade judicial julgadora? Afinal, o juiz, na condição de órgão jurisdicional, é a autoridade estatal investida de jurisdição, com competência para dizer o direito e solucionar pacificamente a lide penal. Além disso, o representante do Ministério Público, além de fiscal da lei, tem o dever de apresentar, oportunamente, a denúncia na ação penal.

Ressalte-se, ainda, que, no que se refere à homologação dos acordos e à produção das oitivas, os acordos de delação devem ser homologados pelo Juiz da causa. No entanto, o magistrado não se deterá sobre o teor da informação fornecida pelo delator, mas apenas verificará se o acordo foi firmado em conformidade com os requisitos legais. Ademais, cabe ao juiz analisar, dentre outras questões:

  • Se a redução da pena prometida está respaldada na legislação vigente;

  • Se a declaração do delator foi absolutamente espontânea.

Na hipótese de descumprimento dos requisitos exigidos ou da ausência de algum deles, caberá ao Juiz da causa recusar a homologação da proposta, devolvendo a documentação ao Ministério Público, a fim de que este supra as lacunas dos requisitos faltosos, conforme disposto no § 8º do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013.

Por conseguinte, a própria legislação pertinente afasta qualquer tentativa de questionamento sobre a validade e a aplicação da delação premiada.

Para alguns juristas, como Tourinho Filho e Guilherme de Souza Nucci, trata-se de um meio de obtenção de prova imoral, ainda que considerado um "mal necessário" diante da ineficácia do Estado no combate ao crime organizado.


13. DO RESULTADO POSITIVO DA DELAÇÃO PREMIADA

Nesse contexto, notícias indicam que, em dois anos, a Operação Lava Jato conseguiu recuperar mais de 4 bilhões de reais desviados devido à corrupção sistêmica. Segundo o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot Monteiro de Barros, em 16 de março de 2016, o Ministério Público Federal congelou aproximadamente 4,2 bilhões de reais oriundos dos desvios na Petrobras. O PGR afirmou, ainda, que as investigações só avançaram graças às informações obtidas e comprovadas por meio das delações premiadas.

Em março de 2016, ocorreu uma reunião em Berna, na Suíça, com a presença de Rodrigo Janot e do Procurador-Geral da Suíça, Michael Lauber, para discutir a cooperação entre os dois países no combate aos desvios na Petrobras. De acordo com um comunicado oficial da Suíça, divulgado na mesma data, US$ 70 milhões que haviam sido congelados deveriam ser devolvidos ao Brasil como resultado das investigações.

Além disso, até março de 2016, uma notícia divulgada informava que a Procuradoria-Geral da Suíça havia recebido 240 relatos de lavagem de dinheiro, relacionados à investigação de contas ligadas à Petrobras. O Ministério Público suíço solicitou documentos referentes a mil contas distribuídas em 40 bancos, no contexto das investigações sobre o escândalo da estatal. Além disso, cerca de 60 investigações resultaram no congelamento de aproximadamente US$ 800 milhões.


14. DA OPERAÇÃO LAVA JATO E A DELAÇÃO PREMIADA

A partir do início da vigência das leis que implementaram a delação premiada, tem-se observado que esse instituto ganhou ampla visibilidade e passou a ter maior utilização no procedimento penal brasileiro, especialmente em razão das investigações da Operação Lava Jato. Dessa forma, daqui para frente, o avanço das investigações dependerá das delações dos indiciados ou acusados e dos acordos de leniência, que podem gerar resultados expressivos tanto para a Administração da Justiça quanto para os próprios colaboradores.

Em 17 de março de 2014, a Operação Lava Jato foi deflagrada ostensivamente, dando início à maior investigação de corrupção da história do Brasil. A fase inicial contou com o cumprimento de mais de 100 mandados de busca e apreensão, além de prisões temporárias e preventivas e conduções coercitivas, com o objetivo de apurar um grande esquema de lavagem de dinheiro. Esse esquema movimentou mais de R$ 10 bilhões, provenientes de propinas que, segundo estimativas, poderiam chegar a R$ 20 bilhões.

As investigações conduzidas pela Polícia Federal, em parceria com o Ministério Público Federal, foram denominadas Operação Lava Jato. Entre os crimes investigados, destacam-se:

  • Corrupção ativa e passiva;

  • Gestão fraudulenta;

  • Lavagem de dinheiro;

  • Organização criminosa;

  • Obstrução da Justiça;

  • Operação fraudulenta de câmbio;

  • Recebimento de vantagem indevida.

De acordo com notícias divulgadas pela mídia, as investigações e delações obtidas pela Força-Tarefa da Operação Lava Jato revelaram o envolvimento de alguns dos maiores partidos políticos do Brasil, incluindo Partido dos Trabalhadores (PT), Partido Progressista (PP), Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), além de empresários brasileiros e outros partidos políticos.

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Desde o início da Operação Lava Jato, já foram celebrados 70 acordos de delação premiada, dos quais 41 já foram homologados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em razão do foro privilegiado dos delatores envolvidos.

No que se refere à competência dos investigadores da Operação Lava Jato, cabe a eles verificar se o delator está falando a verdade e, com base nas informações prestadas, buscar provas que confirmem as declarações.

Caso o delator minta, ele perderá os benefícios da delação. Por outro lado, se a Polícia Judiciária não conseguir obter as provas necessárias após a homologação da delação, o delator não sofrerá qualquer sanção pela ausência de provas.


15. DO ACORDO DE LENIÊNCIA

Por meio da Lei nº 12.846/2013, denominada Lei Anticorrupção, foram estabelecidas as regras do Acordo de Leniência. O significado literal da palavra "leniência" remete à "suavização" da punibilidade do infrator que participou da atividade ilícita. No entanto, em troca, ele se tornará colaborador das investigações, com o objetivo de delatar os demais criminosos envolvidos no delito.

Nesse sentido, o Acordo de Leniência é celebrado com a pessoa jurídica que, em seu nome, praticou ato ilícito em detrimento da Administração Pública, seja ela nacional ou estrangeira. Contudo, para obter benefícios e suavizar sua pena, a empresa deve se colocar à disposição para auxiliar nas investigações e colaborar na identificação de outros envolvidos na prática ilícita.

O instituto da leniência, conforme disposto na Lei nº 12.529/2011, também está inserido no contexto do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. De acordo com as regras do acordo, há a necessidade de apresentação de informações e provas relevantes para as investigações e para a prisão dos demais infratores.

Dessa forma, as empresas envolvidas em ilicitudes que firmam o Acordo de Leniência devem implementar mecanismos internos para aprimorar a integridade da organização. Esse mecanismo é conhecido como programa de compliance, cujo objetivo é prevenir a ocorrência de novos atos ilícitos que comprometam a ética e a moralidade na Administração Pública. Essa exigência está prevista no inciso IV do artigo 16 da Lei nº 12.846/2013, conforme exposto infra:

“Art. 16. (...).”

“(...);”

“IV - a pessoa jurídica se comprometa a implementar ou a melhorar os mecanismos internos de integridade, auditoria, incentivo às denúncias de irregularidades e à aplicação efetiva do Código de Ética e de conduta”.

A Controladoria-Geral da União (CGU) é a entidade pública responsável pela celebração dos Acordos de Leniência no âmbito do Poder Executivo Federal. No entanto, esse benefício também pode ser concedido pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), conforme disposto na Lei nº 12.529/2011.

O Acordo de Leniência foi incorporado ao sistema jurídico brasileiro com base em experiências vividas nos Estados Unidos, especialmente a partir do início da década de 1990.

No que se refere aos benefícios do Acordo de Leniência, ele é tratado como uma "recompensa" pelo auxílio prestado ao longo das investigações, funcionando como uma tentativa de mitigação da responsabilidade pela participação no ato ilícito.

Dessa forma, a empresa infratora que firmar um Acordo de Leniência poderá ser beneficiada com:

  • Isenção total da multa, ou redução de até dois terços (2/3) do valor total devido;

  • Isenção da proibição de receber incentivos, subsídios e empréstimos do Governo Federal;

  • Isenção da obrigatoriedade de publicar a punição;

  • Isenção ou atenuação da proibição de contratar com a Administração Pública.

Por outro lado, o Acordo de Leniência não isenta a empresa da obrigação de reparar integralmente os danos causados pelos atos ilícitos praticados.

No que concerne à relação entre Acordo de Leniência e Delação Premiada, ambos se configuram como acordos firmados entre infratores e os órgãos responsáveis pelos procedimentos investigatórios criminais.

A principal diferença entre os dois institutos reside na concessão dos benefícios. O Acordo de Leniência é celebrado por órgãos administrativos do Poder Executivo, enquanto a Delação Premiada é firmada pelo Poder Judiciário, em parceria com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal.

Em ambos os casos, o acusado deve assumir o compromisso de colaborar com as investigações.

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Sobre o autor
Jacinto Sousa Neto

Advogo nas área de direito civil, trabalhista e em procedimentos administrativos (sindicância e processo administrativo), além disso sou escritor e consultor jurídico. Advogado – Consultor Jurídico – Literário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA NETO, Jacinto. Delação e colaboração premiadas e do acordo de leniência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7913, 1 mar. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113080. Acesso em: 5 dez. 2025.

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