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Delação e colaboração premiadas e do acordo de leniência

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01/03/2025 às 19:47
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19. DA CONCLUSÃO

No que se refere à participação do juiz da causa, é sabido que este está proibido de participar das negociações para a formalização do acordo de colaboração premiada. Dessa forma, é cabível apenas a participação do colaborador ou delator, de seu advogado, da autoridade policial e do representante do Ministério Público Federal (MPF), conforme dispõe o § 6º do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013, in verbis:

“Art. 4º. (...)”.

“(...)”;

“§ 6º O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor”.

Conforme já mencionado anteriormente, o magistrado não participará das negociações para a formalização do acordo de colaboração premiada, a fim de preservar sua imparcialidade.

No entanto, para que a colaboração produza efeitos jurídicos, ela deverá ser homologada pelo Poder Judiciário, nos termos dos §§ 6º e 7º do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013, infra:

“§ 6º O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor”.

“§ 7º Realizado o acordo na forma do § 6º deste artigo, serão remetidos ao juiz, para análise, o respectivo termo, as declarações do colaborador e cópia da investigação, devendo o juiz ouvir sigilosamente o colaborador, acompanhado de seu defensor, oportunidade em que analisará os seguintes aspectos na homologação”:     (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019). (Grifei).

“I - regularidade e legalidade”;      (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).

“II - adequação dos benefícios pactuados àqueles previstos no caput e nos §§ 4º e 5º deste artigo, sendo nulas as cláusulas que violem o critério de definição do regime inicial de cumprimento de pena do art. 33 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), as regras de cada um dos regimes previstos no Código Penal e na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal) e os requisitos de progressão de regime não abrangidos pelo § 5º deste artigo”;       (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).

“III - adequação dos resultados da colaboração aos resultados mínimos exigidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput deste artigo”;      (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).

“IV - voluntariedade da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares”. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).

Neste ponto, observa-se a proibição do magistrado de interferir nas negociações para a formalização do acordo de colaboração premiada, o qual deverá ser conduzido exclusivamente pelas autoridades competentes, conforme disposto no § 6º do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013.

Além disso, o § 7º do mesmo diploma legal prevê a possibilidade de o juiz da causa ouvir, de forma sigilosa, o colaborador ou delator, desde que acompanhado por seu advogado.

Dessa forma, verifica-se que houve quebra do sigilo obrigatório previsto em lei, não observada pelo Ministro Alexandre de Moraes, quando, durante a oitiva, ocorreu a transmissão gravada e televisionada para todo o país. A manifestação verbal do ministro nessas circunstâncias não é admitida pela legislação infraconstitucional, tampouco prevista no ordenamento processual penal brasileiro.

Vale esclarecer que a quebra de sigilo determinada pelo Ministro Alexandre de Moraes, neste processo, não se restringe apenas à oitiva do Tenente-Coronel Mauro Cid, mas também afeta a integridade do procedimento sigiloso como um todo.

Por outro lado, na hipótese de o Ministério Público Federal (MPF) não oferecer a denúncia, o magistrado pode se recusar a homologar o acordo de colaboração premiada, com fundamento no princípio da obrigatoriedade da ação penal pública?

Neste caso, acredita-se que não, uma vez que o princípio da obrigatoriedade, como ocorria no âmbito da Lei dos Juizados Especiais ao promover a transação penal, foi mitigado (abrandado). Dessa forma, ao analisar a necessidade e adequação da medida, é cabível ao Ministério Público Federal deixar de oferecer a denúncia.

O magistrado, por sua vez, fica incumbido apenas de analisar a regularidade, legalidade e voluntariedade da medida, não lhe sendo permitido avaliar o mérito do acordo, mas apenas verificar se as normas legais que o regem foram observadas.

No entanto, o juiz da causa poderá ouvir o colaborador, desde que a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade policial, mesmo que este tenha sido beneficiado com o perdão judicial ou não denunciado, nos termos do § 12 do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013. Dessa forma, a qualquer momento, sempre que necessário para esclarecimentos de fatos apurados em processo judicial, será possível a oitiva do colaborador. (Grifei.)

Consequentemente, nessas oitivas prestadas perante o magistrado, o MPF e a autoridade policial, o colaborador deverá renunciar ao direito ao silêncio, sempre na presença de seu advogado, e estará sujeito ao compromisso de dizer a verdade, nos termos do § 14 do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013. Isso significa que, curiosamente, ele pode ser processado pela prática do crime de falso testemunho, previsto no artigo 342 do Código Penal.

Dessa forma, deduz-se que, embora o colaborador ou delator possa estar envolvido nos fatos delituosos, ele não pode ser ouvido por meio de "Termo de Depoimento", uma vez que este é utilizado para ouvir testemunhas, que são obrigadas a falar a verdade, sob pena de responderem pelo crime de falso testemunho.

Por outro lado, o acusado também não está obrigado a dizer a verdade durante seu interrogatório, pois não pode ser punido por falso testemunho, uma vez que tem o direito de não produzir provas contra si mesmo. Além disso, o interrogatório é um meio de autodefesa, e o acusado não é considerado testemunha.

Dessa forma, o procedimento correto para a oitiva do colaborador ou delator deve ser realizado por meio de um "Termo de Declarações", e jamais por um "Termo de Depoimento".

Por conseguinte, a novel previsão do § 14, do artigo 4º, da Lei nº 12.859/2013, reza que

“Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade”.

De acordo com a conclusão da ADI 5.567-DF, a 2ª Tese reza que

“O § 14, do art. 4º, da Lei de Organizações Criminosas deve ser interpretado da seguinte forma: o colaborador, nos depoimentos que prestar, não renuncia ao direito ao silêncio, mas apenas escolhe deixar de exercê-lo”.

Vislumbra-se que, perante a Lei de Organizações Criminosas, apenas o § 14 do artigo 4º dispõe sobre a oitiva do colaborador ou delator mediante Termo de Depoimento, o que diverge da regra processual penal brasileira.

No que se refere à preservação da legalidade do ato, para que a colaboração seja essencial na formação da convicção do juiz da causa, é necessário que fique evidente sua voluntariedade. Para tanto, recomenda-se, sempre que possível, que o ato seja registrado por meio de gravação eletrônica.

Além disso, quanto ao registro das tratativas e dos atos de colaboração, este pode ser feito por gravação eletrônica, gravação magnética, estenotipia ou técnica similar, garantindo-se ao colaborador a disponibilização de cópia de todo o material, conforme previsão do § 13 do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013. Dessa forma, todos os dados do depoimento poderão ser acessados e analisados posteriormente.

Ademais, visando à preservação da voluntariedade e da legalidade da medida, o colaborador, em todos os atos de negociação e depoimentos que prestar, deverá estar sempre acompanhado por seu advogado ou defensor, conforme dispõe o § 15 do artigo 4º da Lei supracitada.

No que se refere à garantia dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, deve ser assegurada ao réu delatado a oportunidade de se manifestar em todas as fases do processo, após o decurso do prazo concedido ao réu que o delatou, nos termos do § 10-A do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013.

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Dessa forma, chama atenção a interferência do Ministro Alexandre de Moraes na condução da oitiva de Mauro Cid, com o propósito de questionar eventuais alterações no acordo de colaboração premiada, sem a presença dos principais responsáveis por sua condução, ou seja, o representante do Ministério Público Federal (MPF) e a autoridade policial.

Assim, a pressão verbal exercida pelo Ministro Alexandre de Moraes sobre o colaborador, com o intuito de provocar temor em relação a ele e seus familiares, não é admitida nem prevista no ordenamento jurídico brasileiro, seja constitucional ou infraconstitucional.

Na hipótese da prática de ameaça, conforme a boa doutrina, o crime de ameaça é considerado formal, sendo o bem jurídico tutelado a tranquilidade psíquica da vítima. Dessa forma, o crime se consuma no momento em que o infrator manifesta sua intenção de causar um mal injusto e grave à vítima, desde que esta fique efetivamente atemorizada.

Além disso, verifica-se a possível tipificação do crime de abuso de autoridade, conforme previsto na Lei nº 13.869/2019, mediante a seguinte conduta:

“Art. 15. Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo”:

“Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.

Na mesma lógica, incorre no mesmo crime aquele que constranger um preso ou detento a produzir prova contra si mesmo ou contra terceiros. (Grifei.)

No que se refere ao dolo específico, exigido pela Lei de Abuso de Autoridade, este fica evidente quando restar cristalina a vontade do agente de prejudicar alguém ou beneficiar-se indevidamente, caracterizando assim uma conduta maliciosa.

Quanto à definição da Lei de Abuso de Autoridade, o artigo 1º dispõe:

"Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído."

Já o § 1º do mesmo artigo estabelece que:

"As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal." (Grifei.)

Nesse sentido, não há como conceber que um magistrado possa reverter ou alterar os termos de um acordo de colaboração premiada já devidamente homologado judicialmente. Caso contrário, essa prática levaria ao descrédito do instituto, pois o investigado ou acusado deixaria de confiar em seus termos, gerando grave insegurança jurídica.

Consequentemente, para evitar esse tipo de situação, a própria lei prevê a homologação judicial do acordo, oportunidade em que o magistrado poderá rejeitá-lo ou adequá-lo caso sejam constatados vícios que o tornem legalmente inexequível.

Dessa forma, antes de rejeitar a homologação do acordo, o juiz da causa deve devolvê-lo às partes, permitindo que sejam feitas as adequações necessárias. Esse procedimento deve ser sempre a medida correta a ser adotada pelo magistrado.


FONTES DE PESQUISA

  • Constituição Federal de 1988

  • Código Penal Brasileiro

  • Código de Processo Penal

  • Jornal Jurid – Publicações Eletrônicas – 02/01/2017

  • Delação Premiada e o Acordo de Leniência – Jacinto Sousa Neto – Jus Brasil

  • Lei de Abuso de Autoridade - Ronaldo João Roth – 29/05/2020

  • STF – 21/11/2024

  • CNN Brasil – 19/02/2025

  • Agência Brasil – 19/02/2025 – André Richter

  • Portal Novo Norte – 20/02/2025

  • Pablo Carvalho – Contra Fatos – 20/02/2025.

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Sobre o autor
Jacinto Sousa Neto

Advogo nas área de direito civil, trabalhista e em procedimentos administrativos (sindicância e processo administrativo), além disso sou escritor e consultor jurídico. Advogado – Consultor Jurídico – Literário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA NETO, Jacinto. Delação e colaboração premiadas e do acordo de leniência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7913, 1 mar. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113080. Acesso em: 5 dez. 2025.

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