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Direitos fundamentais e responsabilidade da administração pública na terceirização de serviços

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27/05/2008 às 00:00
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A responsabilidade da Administração Pública, nas hipóteses de terceirização, é medida indispensável para a concretização dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

RESUMO: A Constituição Federal brasileira atribuiu aos direitos fundamentais natureza de núcleo essencial do sistema jurídico e fundamento de sua legitimidade. Os direitos fundamentais vinculam o Poder Público e também impõem às entidades privadas a obrigação de respeitá-los, o que alcança as relações trabalhistas. No âmbito laboral, as pressões determinadas pelos novos modos de produção provocaram a descentralização das atividades empresariais, processo chamado de terceirização e que trouxe conseqüências nocivas aos direitos dos trabalhadores, obrigando o legislador brasileiro a normatizá-la. Na prática, entretanto, a terceirização passou a ser realizada de forma mais ampla do que aquela permitida pela legislação. O Tribunal Superior do Trabalho, na tentativa de unificar o entendimento, editou, sucessivamente, as Súmulas 256 e 331, que contemplam a responsabilidade subsidiária do tomador do serviço, inclusive da Administração Pública. A responsabilidade da Administração Pública é alicerçada em norma constitucional, que prevê a responsabilidade objetiva do Estado com base no risco administrativo e também em princípios constitucionais. O privilégio estabelecido em lei infraconstitucional, que isenta a Administração Pública de qualquer responsabilidade pelos créditos trabalhistas nos casos de terceirização, é inconstitucional, por ofensa ao princípio da dignidade humana, da valorização do trabalho e do trabalhador consagrados na Constituição Federal e por afronta a norma hierarquicamente superior.

Palavras-chave: Direitos fundamentais. Terceirização. Direitos trabalhistas. Responsabilidade. Administração Pública.

ABSTRACT: The Brazilian Federal Constitution assigned to the fundamental rights of core essential nature of the legal system and basis of its legitimacy. The fundamental rights bind the Public Authorities and also impose to the private entities the obligation to respect them, which reaches labor relations. In the scope of labour the pressures determined by new modes of production led to the decentralization of business activities, a process called outsourcing, which has harmful consequences to the rights of workers, forcing the Brazilian legislature to normatize it. In practice, however, outsourcing has become more widely held than that permitted by law. The High Court of Labour, in an attempt to unify the understanding, edited, successively, the Summulas 256 and 331, which include the liability associated with the service, including Public Administration. The responsibility of government is rooted in constitutional standard, which provides for the liability of the State under administrative risk and also in constitutional principles. The privilege established in infraconstitutional law, which exempts the government of any liability for claims in cases of labor outsourcing, is unconstitutional, for offending the principle of human dignity, the value of work and worker enshrined in the Federal Constitution and by affront to the superior hierarchical norm.

Key words: Fundamental Rights. Outsourcing. Labor rights. Responsibility. Public Administration.


1.INTRODUÇÃO

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 dedicou aos direitos fundamentais generoso e singular tratamento. A par de conferir-lhes especial disposição topográfica, atribuiu-lhes aplicabilidade imediata, com afastamento do indesejável cunho programático, inserindo-os ainda no rol das chamadas cláusulas pétreas, circunstâncias que, aliadas à amplitude de seu catálogo, permitem aferir sua condição de núcleo essencial do sistema jurídico e fundamento de sua legitimidade.

Não obstante a entusiástica acolhida dispensada pela Carta Magna aos direitos fundamentais, a justificar os encômios e o reconhecimento que lhe são reiteradamente dirigidos, em especial pela comunidade jurídica, urge transpor obstáculo relevante, consubstanciado na necessária eficácia e indispensável efetivação desse catálogo de direitos, com destaque para o âmbito das relações de trabalho, onde se mostram particularmente agudas as dificuldades para sua concretização.

Diversas razões sociais e econômicas, aliadas ao fenômeno da globalização, provocaram acentuadas transformações no mundo do Direito do Trabalho, especialmente a partir do final do último século. A reestruturação produtiva, engendrada para estancar a progressiva redução dos lucros das empresas, determinou movimento de flexibilização e desregulamentação das relações laborais, de precarização do emprego e do trabalho, e, particularmente, de terceirização da força de trabalho.

A escalada avassaladora desse fenômeno pode ser medida a partir da realidade vivenciada pelo Judiciário Trabalhista, instado cotidianamente a examinar situações de terceirização – quando não de quarteirização – da força de trabalho e de seu principal efeito deletério, consubstanciado no habitual e reiterado inadimplemento dos haveres trabalhistas, a exigir ampliação do pólo passivo, providência indispensável para tornar efetivos os direitos conferidos aos trabalhadores.

No panorama contemporâneo, de rarefação das normas estatais de proteção e de enfraquecimento, por força do desemprego, dos poderes de pressão e negociação dos sindicatos, emergem os direitos fundamentais como instrumentos aptos a restabelecer o equilíbrio entre os direitos dos trabalhadores e os poderes empresariais, para impor freio à avassaladora precarização das relações laborais e para afastar o risco de ver os créditos trabalhistas circunscritos a mera declaração formal de direitos.

Essas as razões do presente estudo, que pretende demonstrar que os direitos fundamentais emprestam supedâneo à teoria da responsabilidade dos tomadores do serviço, em especial da Administração Pública, nas hipóteses de terceirização, providência indispensável para concretização do Estado de Direito, que deve estar voltado não apenas para as competências negativas, mas envidar seus melhores esforços em busca da diminuição das desigualdades sociais, o que exige afastar a retórica e implementar medidas efetivas, tendentes à concretização dos ideais de justiça e solidariedade.

Busca-se também examinar as razões que fundamentam o entendimento predominante acerca da inconstitucionalidade do §1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93, que isenta a Administração Pública de qualquer responsabilidade pelos créditos trabalhistas nas hipóteses de terceirização, em especial diante da existência, junto ao Supremo Tribunal Federal, de Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC nº 16), de autoria do Governador do Distrito Federal, em face da aludida norma. Eventual decisão favorável ao autor, em razão do efeito vinculante de julgamento da espécie, provocará pernicioso reflexo, na medida em que é considerável o risco de o reconhecimento de direitos trabalhistas a trabalhadores de empresas contratadas pela Administração Pública circunscrever-se, em número considerável de casos, ao aspecto meramente formal, diante da habitual inidoneidade econômico-financeira das prestadoras de serviços.

A responsabilidade da Administração Pública, nas hipóteses de terceirização, é medida indispensável para a concretização dos direitos fundamentais dos trabalhadores. Regras insculpidas em legislação infraconstitucional, limitadoras dessa garantia, reclamam declaração de inconstitucionalidade, em razão de que manifestamente ofensivas ao princípio da proibição do excesso e porque comprometedoras do núcleo essencial dos direitos fundamentais.


2.ASPECTOS GERAIS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1.Conceito e limites dos direitos fundamentais

A conceituação de direitos fundamentais enseja considerável controvérsia doutrinária. A celeuma alcança a própria terminologia. Surgiram diversas expressões para designar os direitos fundamentais, tais como direitos humanos, direitos naturais, liberdades públicas, e direitos das personalidade, dentre outros.

A expressão direitos humanos é criticada, sob o argumento de que sua vagueza determina definições tautológicas e inúteis, a par de conduzir a conceitos que, por demasiadamente abertos, pouco dizem ou representam. [01] Essa terminologia é preferencialmente utilizada para designar direitos naturais insertos nas declarações e convenções internacionais. Para Ingo Sarlet, os direitos humanos seriam os atributos reconhecidos, em documentos internacionais, ao ser humano como tal, independentemente do direito constitucional do Estado, aspirando assim à validade universal, para todos os povos e tempos e ostentando inequívoco caráter supranacional, enquanto os direitos fundamentais são aqueles reconhecidos e positivados pelo direito constitucional de um determinado Estado. [02] José Joaquim Gomes Canotilho, embora reconheça que as expressões "direitos do homem" e "direitos fundamentais" são freqüentemente utilizadas como sinônimas, explica que "segundo sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: ‘direitos do homem’ são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); ‘direitos fundamentais’ são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espacio-temporalmente". [03] Luiz Fernando Coelho, por sua vez, afirma que o conceito de direitos fundamentais tende a ser absorvido pelo de direitos humanos, como reação natural das nações que se consideram civilizadas diante das experiências, em especial do nazismo e do fascismo, caracterizadas pelo total desprezo à dignidade humana. [04]

Após analisar as diversas expressões utilizadas para designar tais direitos, José Afonso da Silva conclui que direitos fundamentais do homem constitui a mais apropriada, porque, a par de dizer respeito a princípios que resumem a concepção do mundo e indicam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no âmbito do direito positivo, as prerrogativas e instituições concretizadas em garantias de convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. Segundo o mesmo autor, o qualificativo fundamentais indica que se trata de situações jurídicas imprescindíveis à realização, à convivência e à própria sobrevivência da pessoa humana. São, também, fundamentais do homem - entendido como pessoa humana - no sentido de que a todos, sem distinção, devem ser reconhecidos e concreta e materialmente efetivados. Não significam simples limitação ao Estado ou autolimitação deste, mas "limitação imposta pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado que dela dependem". [05]

Para Arion Sayão Romita, "pode-se definir direitos fundamentais como os que, em dado momento histórico, fundados no reconhecimento da dignidade da pessoa humana, asseguram a cada homem as garantias de liberdade, igualdade, solidariedade, cidadania e justiça." [06]

No que respeita aos limites dos direitos fundamentais, Júlio Ricardo de Paula Amaral informa que há duas posições acerca do tema, consubstanciadas na teoria absoluta e relativa. Segundo a teoria absoluta, todo direito fundamental conteria uma parte nuclear (conteúdo essencial) e uma parte periférica (espécie de conteúdo acessório), a primeira intangível, imune a restrições por parte do legislador ordinário, e a segunda suscetível de alguma regulação, desde que justificada. Para a teoria relativa, os direitos fundamentais podem sofrer limitações, desde que justificada pela necessidade de se preservar outros bens constitucionalmente relevantes. [07]

Prevalece o entendimento de que os direitos fundamentais não são absolutos, submetendo-se a reserva legal expressa, quando existente, ou ainda podem sofrer limitações quando em confronto com outros valores consagrados pela Constituição, inclusive outros direitos fundamentais.

2.2.Direitos fundamentais e princípio da dignidade humana

Os direitos fundamentais e o princípio da dignidade humana entrelaçam-se fortemente. O último é apontado como elemento fundante, informador e unificador dos direitos fundamentais e uma das bases do Estado de Direito Democrático, conforme previsto no inciso III, do art. 1º, da Constituição Federal, servindo também como elemento orientador do processo de interpretação, integração e aplicação das normas constitucionais e infraconstitucionais.

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No âmbito das relações trabalhistas a simbiose entre direitos fundamentais e princípio da dignidade ganha destaque e relevância. O respeito aos atributos do trabalhador, atendida sua condição de pessoa humana, é elemento fundamental para que não seja visto apenas como mera peça da engrenagem e passe a ser reconhecido como homem, valorizando-se sua integridade física, psíquica e moral, o que alcança, indiscutivelmente, a justa, adequada e efetiva retribuição de seu trabalho. A exaltação da dignidade humana e dos direitos fundamentais não pode se circunscrever à esfera teórica, devendo transpor esse âmbito para alcançar efetividade, traduzida na efetiva asseguração, a quem trabalha, da contraprestação, cujo núcleo básico é o estipêndio de salários, condição indispensável para viabilizar existência digna.

2.3.Eficácia dos direitos fundamentais

Os direitos fundamentais são, simultaneamente, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Em face de sua condição de direitos subjetivos, facultam a seus titulares impor seus interesses em face dos órgãos que a eles se vinculam. Como elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva, estabelecem a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático. [08]

Os direitos fundamentais foram concebidos originariamente como direitos de defesa, para proteger o cidadão de interferências indevidas do Estado. Atendida essa dimensão, ao Poder Público era atribuída competência negativa, o que determinava a obrigação de respeitar o núcleo básico de liberdades do cidadão. Trata-se da chamada eficácia vertical, necessária, ante a manifesta desigualdade do indivíduo perante o Estado, a quem são atribuídos poderes de autoridade. Para José Joaquim Gomes Canotilho, a função de direitos de defesa dos cidadãos, exercida pelos direitos fundamentais, compreende dupla perspectiva: 1) no plano jurídico-objetivo, representam normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo sua interferência na esfera jurídica individual; 2) no plano jurídico-subjetivo, significam o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir abstenções do Estado, a fim de evitar ações lesivas por parte deste (liberdade negativa). [09]

Entretanto, com o evoluir das relações sociais e o incremento de suas necessidades, observou-se a insuficiência desse mero dever de abstenção. Surgiu então a chamada vinculação positiva dos poderes públicos, que pressupõe a ação do Estado, que deve adotar políticas e ações aptas a fomentar a preservação dos direitos e garantias dos indivíduos, concretizando assim o ideário do Estado Social.

A vinculação positiva do Estado alcança os Poderes Executivo, Judiciário e Legislativo. Do primeiro, exige-se o incremento de políticas públicas destinadas à efetivação dos direitos e garantias do cidadão, além de interpretação e aplicação das leis em conformidade com os direitos fundamentais. Ao Judiciário cabe tarefa relevante na defesa dos direitos fundamentais, em especial diante do preceito insculpido no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, que consagra a inafastabilidade da jurisdição, incumbindo-lhe, no exercício de suas atribuições, conferir a esses direitos a máxima eficácia possível, a par de recusar aplicação a preceitos que desrespeitem os direitos fundamentais.

Historicamente, conferiu-se especial proeminência à proteção dos direitos fundamentais em face do Estado, em razão de que estes surgiram e afirmaram-se justamente como reação ao poder das monarquias absolutistas.

Entretanto, em razão da manifesta superação do tradicional conceito de que direito constitucional e direito privado ocupavam posições estanques, divorciadas entre si, e diante da progressiva assimilação da força normativa da Constituição, fez-se necessário refletir sobre o problema da aplicação dos direitos fundamentais nas relações entre particulares. Segundo Von Münch, "Uma vez desmoronado o dique que, segundo a doutrina precedente, separava o direito constitucional do direito privado, os direitos fundamentais se precipitaram como uma cascata no mar do Direito privado." [10].

Gilmar Mendes informa que esse tema marcou a discussão doutrinária dos anos 50 e do início dos anos 60 na Alemanha. Também é objeto de intensos debates nos Estados Unidos, sob o rótulo da state action. [11]

Segundo a doutrina tradicional, dominante no século XIX, os direitos fundamentais tinham por objetivo proteger o indivíduo contra eventuais ações do Estado e, como tal, não apresentavam relevância nas relações entre particulares. Entretanto, o reconhecimento de que os direitos fundamentais não se limitam ao direito de defesa, para conter o poder estatal, mas também compreendem postulados de proteção, conferiu supedâneo à teoria que defende sua aplicação no âmbito do direito privado. Consoante afirma Konrad Hesse "a liberdade humana pode resultar menoscabada ou ameaçada não só pelo Estado, mas também no âmbito de relações jurídicas privadas", razão por que "só é possível garanti-la eficazmente considerando-a como um todo unitário" [12]

Com efeito, o desenvolvimento da sociedade pulverizou o poder, antes concentrado nas mãos do Estado. As diversas formas de organização surgidas na órbita privada passaram a assumir relevantes funções, desenvolvendo-se também entre elas o fenômeno do poder, que deixou de ser atributo exclusivo do Estado. Existe na sociedade contemporânea, marcada que é pela complexidade, relações jurídicas entre particulares em que não impera o dogma da igualdade, verificando-se amiúde verticalidade, desigualdade e sujeição, com manifesta superioridade de uma das partes sobre as outras, o justificar a adoção da teoria da chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

2.4.Aplicação dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas

Ao explicar a tese que advoga a aplicação dos direitos fundamentais nas relações jurídicas entre particulares, Jane Reis Gonçalves Pereira afirma que esta toma em consideração, principalmente, a dimensão funcional dos direitos fundamentais. Quando se examina os direitos fundamentais a partir de sua finalidade – que é, precipuamente, garantir níveis máximos de autonomia e dignidade aos indivíduos -, mostra-se razoável defender sua aplicação em todas as hipóteses onde possa haver comprometimento dessa esfera de autogoverno. Para esse efeito, é irrelevante que a redução do âmbito da autonomia decorra de ato de um poder privado ou de um poder público. "Se uma das partes encontra-se em situação de sujeição, seu poder de autodeterminação resta aniquilado, não havendo como cogitar-se de aplicação do princípio da liberdade." E acrescenta:

Por isso, como averba Bilbao Ubillos, não é surpreendente que a fecunda teoria da eficácia privada tenha surgido e se desenvolvido no âmbito das relações trabalhistas. Nas palavras do autor:

"O fato de que o ordenamento trabalhista tenha sido e continue sendo especialmente receptivo à idéia da polivalência destes direitos constitucionais não é causal. Explica-se pela nota de subordinação intrínseca a prestação do trabalhador.

A empresa, como organização econômica, gera uma situação de poder e, correlativamente, outra de subordinação. Os poderes do empresário (o poder de direção e disciplinar) constituem, portanto, uma ameaça potencial para os direitos fundamentais do trabalhador, dada a forte implicação da pessoa deste na execução da prestação laboral [...]." [13]

A experiência demonstra a pertinência da observação. O âmbito laboral, em razão de suas particularidades, em especial a subordinação jurídica do empregado, é propício à chamada horizontalização dos direitos fundamentais, ou seja, à aplicação desses direitos a relações entre particulares. Como conseqüência imediata da celebração do contrato de trabalho, surge para o empregador os poderes de organização, fiscalização e disciplina do trabalho, que encontram fundamento no art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, segundo o qual empregador é "a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços."(grifos acrescidos). Conseqüência do poder diretivo assegurado ao empregador é a sujeição do empregado, que assume dependência hierárquica perante o empregador. Há, portanto, manifesta assimetria de poder, circunstância que pode fomentar a exacerbação das faculdades próprias dos poderes de direção e disciplinar enfeixados nas mãos do empregador. Indispensável, assim, o recurso aos direitos fundamentais justamente para coarctar eventuais abusos de parte do empregador.

Assentada a premissa acerca da aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações privadas, e, em conseqüência, às relações de emprego, necessário examinar-se os mecanismos de que deve se valer o intérprete – em especial o julgador - para equacionar eventuais litígios decorrentes da colisão desses direitos, que são inevitáveis e esperados, na medida em que a Constituição confere proteção a valores e interesses de ambos os envolvidos (empregado e empregador) e que ostentam manifesto potencial de conflito.

Diante de eventual colisão de direitos fundamentais, havendo submissão do litígio à cognição judicial, incumbe ao aplicador da lei, consideradas as peculiaridades do caso concreto e examinando seus diversos elementos, sopesar as circunstâncias e eleger a norma que considerar mais adequada para solucionar a questão que lhe é apresentada a julgamento, valendo-se, para tanto, da técnica da ponderação.

Sobre a ponderação, Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos esclarecem:

Da exposição apresentada extrai-se que a ponderação ingressou no universo da interpretação constitucional como uma necessidade, antes que como uma opção filosófica ou ideológica. É certo, no entanto, que cada uma das três etapas descritas acima – identificação das normas pertinentes, seleção dos fatos relevantes e atribuição geral de pesos, com a produção de uma conclusão – envolve avaliações de caráter subjetivo, que poderão variar em função das circunstâncias pessoais do intérprete e de outras tantas influências. É interessante observar que alguns dos principais temas da atualidade constitucional do Brasil tem seu equacionamento posto em termos de ponderação de valores, podendo-se destacar:

I- [...]

II- o debate acerca da denominação "eficácia horizontal dos direitos fundamentais, envolvendo a aplicação das normas constitucionais às relações privadas, onde se contrapõem a autonomia da vontade e a efetivação dos direitos fundamentais; (grifos acrescidos)

III- [...] [14]

A ponderação, entretanto, muito embora seu natural caráter subjetivo, não pode ser realizada de maneira absolutamente livre e isenta de critérios científicos. A sujeição das partes ao arbítrio judicial comprometeria a segurança jurídica, que é elemento constitutivo do Estado Democrático de Direito.

Por essa razão, a doutrina propugna que o processo intelectual da ponderação tenha como fio condutor o princípio instrumental da proporcionalidade ou razoabilidade

O princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da razoabilidade) desdobra-se em três subprincípios: a) da adequação de meios; b) da necessidade e c) da proporcionalidade em sentido estrito. Segundo o primeiro (da adequação), é necessário verificar se determinada medida é efetivamente o meio certo para alcançar determinado fim, ou seja, se há consonância entre o fim buscado e o instrumento utilizado. O subprincípio da necessidade, também denominado máxima dos meios mais suaves, impõe a investigação sobre a existência de meio menos gravoso para alcançar o mesmo resultado. A proporcionalidade em sentido estrito (também chamada máxima do sopesamento) exige que se examine se o resultado obtido com a intervenção sobrepõe-se àquilo que se perde com a medida.

A doutrina assevera:

Percebe-se, de forma cristalina, que, nos dias atuais, com as mencionadas transformações do âmbito do Direito do Trabalho, o princípio da proporcionalidade desempenha uma tarefa essencial na preservação e proteção dos direitos fundamentais do trabalhador perante os renovados poderes empresariais, e não apenas com respeito aos denominados direitos laborais inespecíficos, mas também com relação aos direitos especificamente trabalhistas de âmbito coletivo, sindicalização, greve, negociação, reunião e conflito, perante as intervenções ilegítimas dos poderes públicos e, em especial, das ingerências dos trabalhadores. [15]

Trata-se, portanto, de instrumento relevante, apto a orientar o intérprete na solução de questões que envolvem colisão de direitos fundamentais, na medida em que fornece elementos técnicos e seguros para alcançar a necessária justiça das decisões, sem o sacrifício da segurança jurídica, pois esta também é um direito fundamental, elemento essencial da noção de Estado de Direito, que haverá de ser respeitado pelo legislador, pelo administrador e pelo julgador.

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Sobre a autora
Ilse Marcelina Bernardi Lora

Juíza do Trabalho no Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LORA, Ilse Marcelina Bernardi. Direitos fundamentais e responsabilidade da administração pública na terceirização de serviços. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1791, 27 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11314. Acesso em: 22 dez. 2024.

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