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Direitos fundamentais e responsabilidade da administração pública na terceirização de serviços

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27/05/2008 às 00:00
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3.TERCEIRIZAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO

3.1.Direitos fundamentais e precarização das relações trabalhistas

Os direitos fundamentais apresentam parâmetros para a interpretação e aplicação do amplo conjunto de normas que forma o arcabouço jurídico, onde se inserem aquelas que regulam as relações de trabalho. A própria Constituição Federal retrata a preocupação com essa natureza de direitos, tendo consagrado a valorização do trabalho humano como fundamento da ordem econômica (art. 170). Afirma Dinaura Gomes:

Assim, pelo fato de proclamar a dignidade humana como um valor supremo da ordem jurídica, a Constituição Federal invoca ao incluir, no catálogo de direitos fundamentais, os direitos civis e políticos, acompanhados dos direitos sociais, a manter, assim, o trabalhador sob o manto protetor de suas normas insculpidas nos arts. 7º e 8º, no sentido de superar a concepção de que os direitos sociais, econômicos e culturais não serem direitos legais; mas, ao contrário, consagra os mesmos, como verdadeiros direitos fundamentais. [16]

No atual cenário econômico-social, recrudesce a importância acerca da compreensão dos direitos fundamentais, de sua dimensão e eficácia, como instrumentos relevantes para ordenar as atividades do Executivo, balizar a função legiferante e legitimar a função juridiscional no exame das normas e regras que orientam a atividade econômica e sua correspondente força motriz, definida no trabalho humano.

A realidade hodierna, determinada pelo impacto da revolução tecnológica, da globalização e do contínuo e intenso intercâmbio entre países e forças econômicas, de condições díspares, reacende o debate acerca do alcance – e eventuais limites – da normatização infraconstitucional sobre o trabalho e a respeito da abrangência da atividade jurisdicional no julgamento das questões que envolvem interesses de empregados e tomadores de serviços, com destaque para o chamado ativismo judicial, guiado pelo ideal de realização da justiça e pela busca da efetividade do direito material invocado.

A relação entre trabalhadores e os beneficiários de sua energia pessoal sempre foi marcada pela tensão e pela contraposição de interesses, havendo de um laudo a luta por melhores condições de trabalho e renda, que presidiu a ação individual e coletiva dos trabalhadores ao longo da histórica, e, de outro, o interesse empresarial de buscar sempre maiores lucros.

A doutrina [17] assevera que se encontra em marcha um processo de negação da centralidade do trabalho. A crise localiza-se principalmente no trabalho, pois o capital continua a atingir seus objetivos de acumulação e lucros.

No período compreendido entre o fim da Segunda Guerra Mundial e até o início dos anos setenta, reinou relativa harmonia no mundo do trabalho, graças à intensificação da acumulação do capital, ao crescimento da economia, aumento da produtividade e do poder de compra, circunstâncias que viriam a ser abaladas pela Revolução Teconológica.

Os modelos de produção capitalista foram sendo renovados a partir do final do penúltimo século. O Taylorismo, iniciado a partir do último quarto do século XIX, baseado na divisão do trabalho em níveis (gerentes e não-gerentes) e na eficiência, cedeu espaço para o Fordismo, a partir do segundo quarto do século XX. Este modelo baseava-se na linha de produção em série, compartimentalização das atividades e pouca especialização. Entrou em crise na transição da década de sessenta para a de setenta nos países desenvolvidos, em face da redução da produtividade, do aumento do capital e da saturação do consumo de massa, com a conseqüente redução dos lucros. Para preservá-los, o capital passou a adotar a chamada reestruturação produtiva, que implica maior racionalização de máquinas e equipamentos e aumento do controle sobre o trabalho. O Toyotismo determinou a reorganização do processo de produção, exigindo trabalhadores de alta qualificação, dispostos a executar diversas funções e prontos a sugerir medidas capazes de incrementar o processo produtivo. Uma de suas características é "a modificação de vários aspectos do processo de produção por meio da desregulamentação, da fragmentação da classe trabalhadora, da precarização do emprego e do trabalho, da terceirização da força de trabalho e da rutpura do sindicalismo". [18]

A flexibilidade e a desregulmentação passaram a ser apregoadas como verdadeira panacéia para todos os males, desde a crise de empregabilidade e empregos, até a asfixia econômica das empresas. Estas, para reduzir custos, empreenderam processo de delegação a terceiros, muitas vezes sem qualquer idoneidade financeira, da execução de parte de suas atividades, e, não raro, de sua própria atividade nuclear, tudo em nome do crescimento econômico e sob a onírica promessa de criação de novos postos de trabalho.

Diversas razões sociais e econômicas, aliadas ao fenômeno da globalização, determinaram profundas transformações no mundo do Direito do Trabalho. Premido pela pressão do capital, o Estado foi gradativamente reduzido as normas de proteção, com progressivo afastamento das relações laborais e abertura de espaço para atuação dos sindicatos, com manifesto prestígio à negociação coletiva. Entretanto, as condições econômicas e, principalmente, o recrudescimento do desemprego, fizeram com que os sindicatos também perdessem sua força de pressão e negociação. A orfandade, determinada pela rarefação das normas estatais e pelo enfraquecimento dos sindicatos, impulsionou os trabalhadores a buscar nos direitos fundamentais, consagrados na Constituição Federal, os instrumentos para restabelecer o equilíbrio entre os seus direitos e os poderes empresariais, bem assim para impor freio à avassaladora precarização das relações laborais. É manifesta a aplicação dos direitos fundamentais às relações de trabalho, com destaque para o princípio da igualdade, da proteção dos direitos da personalidade, da proteção da saúde e da integridade física e do acesso ao Judiciário para a defesa de direitos e interesses.

3.2.A terceirização no modelo jurídico brasileiro

O modelo clássico trabalhista fundamenta-se na relação de emprego típica, gerada pelo contrato de trabalho de prazo indeterminado, com empregador único.

Todavia, as pressões determinadas pelos novos modos de produção, que exigem especialização em todas as áreas, provocaram o surgimento do fenômeno da descentralização das atividades empresariais. Em lugar do modelo tradicional, onde a relação jurídica de emprego era, no plano formal e fático, estabelecida com o tomador do serviço, surge relação trilateral, que engloba o trabalhador, que tem vínculo jurídico com empresa terceirizante mas que, no cotidiano, trabalha no âmbito e em proveito da tomadora dos serviços. A este processo convencionou-se chamar terceirização, que consiste em transferir para outras empresas atividades havidas secundárias. Desta forma, a empresa pode centrar suas atenções na atividade-fim, delegando a outros parceiros econômicos as chamadas atividades de suporte. Não obstante seus resultados economicamente vantajosos, o processo trouxe também conseqüências socialmente nefastas, com destaque para a precarização das relações de trabalho, redução salarial, fragmentação das relações trabalhistas e utilização abusiva pelas empresas, que passaram, não raro, a utilizar o expediente com o único propósito de reduzir o custo da mão-de-obra.

A prática da terceirização, entretanto, mostrou-se irreversível, forçando o legislador brasileiro e o aplicador do Direito a normatizá-la e a extremar seus contornos, com o intuito de evitar a fraude e a simulação.

O fenômeno, cujas raízes são encontradas no período da II Guerra Mundial, quando as empresas produtoras de armas, em face da sobrecarga de trabalho, passaram a delegar serviços a terceiros, chegou ao Brasil na década de cinqüenta, trazida por multinacionais, preocupadas em centrar seus interesses na sua atividade principal.

A Consolidação das Leis do Trabalho, em consonância com o modelo econômico e social vigente no período em que editada, apenas fez menção à empreitada e à subempreitada (art. 455) como figuras de subcontratação de mão-de-obra.

Em meados da década de 60, introduziu-se no Brasil, através do Decreto-lei nº 200/67 e da Lei nº 5.645/70, a descentralização administrativa. Esta legislação autorizava a contratação de trabalhadores por interpostas empresas, para realização de serviços de apoio, assim considerados aqueles de transporte, conservação, custódia, operação de elevadores, limpeza e outras atividades assemelhadas, conforme disposto no art. 3º, parágrafo único, da Lei n º 5.645/70.

No setor privado, como reação à multiplicação de empresas que eram criadas com o único propósito de fornecer mão-de-obra a outras empresas, surgiu a Lei nº 6.019/74, que limitava a contratação de trabalhadores, mediante empresa interposta, para atender necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente da tomadora ou acréscimo extraordinário de serviços. Esta lei autoriza a terceirização em atividade permanente, mas estabelece restrição temporal relevante. O prazo máximo do contrato entre a tomadora e a fornecedora de mão-de-obra em relação a um mesmo empregado é de noventa dias, salvo autorização do Ministério do Trabalho.

A Lei nº 7.102/83 autorizou a terceirização permanente das atividades de vigilância no setor bancário, sendo a prática posteriormente permitida também para outros estabelecimentos, públicos ou privados, inclusive segurança de pessoas físicas, além do transporte de valores ou garantia do transporte de qualquer tipo de carga, conforme modificações introduzidas no art. 10 da Lei 7.102 pela Lei 8.863, de 28 de março de 1994.

3.3. A terceirização e a Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho

Não obstante a normatização jurídica, claramente restritiva, na prática a terceirização passou a ser realizada de forma mais ampla do que aquela permitida pela legislação, circunstância que determinava o reiterado exame pela Justiça laboral da matéria. Na tentativa de unificar o entendimento sobre o tema, o Tribunal Superior do Trabalho editou, em 1986, o Enunciado 256, que foi revisto, em dezembro de 1993, pelo Enunciado 331 (atualmente denominado Súmula, por força da Resolução 129/2005 do TST).

Segundo o atual entendimento jurisprudencial predominante (Súmula 331 do TST), mostra-se lícita a terceirização nas seguintes situações: a) necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente da empresa tomadora ou necessidade resultante de acréscimo extraordinário de serviços (art. 2º da Lei 6.019/74); b) atividades de vigilância; c) conservação e limpeza; d) serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador. Ressalva-se, contudo, que, exceto no que respeita ao trabalho temporário, nas demais situações, para que seja havida lícita a terceirização, não deve haver pessoalidade e subordinação direta do trabalhador ao tomador do serviço.

A experiência, contudo, demonstra que persistem as práticas abusivas, com a indiscriminada utilização da fórmula terceirizante para exercício de atividades finalísticas da tomadora do serviço. Carmen Camino registra:

Açodadamente, muitos vislumbraram no referido verbete um amplo espectro para a terceirização, esquecidos que a referência a serviços especializados reduz significativamente o campo para serviços terceirizados. O que se diz explicitamente é que, quando necessários e permanentes, os serviços de apoio que demandam especialização na sua consecução podem ser contratados de terceiros. [19]

A situação alcança contornos mais graves no âmbito da Administração Pública, pois, ainda que verificada ilicitude na contratação de trabalhadores por meio de empresa interposta, a exigência de concurso público para investidura em cargo ou emprego público, expressamente prevista no art. 37, II, da Constituição Federal, inviabiliza o reconhecimento do vínculo de emprego, circunstância que implica conferir-se tratamento vantajoso à ilicitude.

A jurisprudência majoritária acolheu a vedação constitucional. Segundo o inciso II, da Súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho, "A contratação irregular de trabalhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacional (art. 37, II, da Constituição da República).

Esse entendimento é alvo de críticas, na medida em que representa manifesto benefício ao tomador do serviço, responsável pela prática ilícita, a par de representar violação ao princípio da proteção que informa todo o Direito do Trabalho e, por conseqüência, o instituto da nulidade trabalhista.


4.A RESPONSABILIDADE PELOS CRÉDITOS TRABALHISTAS

4.1.Fundamentos da responsabilidade do tomador do serviço

Segundo o modelo tradicional, a relação de emprego estabelece-se entre o trabalhador e o tomador do serviço. O contrato de trabalho é bilateral, oneroso e comutativo. "O contrato de trabalho é bilateral porque cria obrigações para ambas as partes: a do empregado, trabalhar de forma subordinada; e a do empregador, remunerar o serviço prestado e demais consectários (encargos) sociais." [20] É oneroso, pois o empregado recebe salário, não se admitindo, salvo situações especiais, trabalho sem remuneração. Diz-se comutativo (ou sinalagmático) porque determina obrigações contrárias e equivalentes.

Dentre seus efeitos, emerge como principal, quanto ao empregado, a obrigação de prestar o trabalho, enquanto ao empregador incumbe, fundamentalmente, pagar o salário. É, portanto, o empregador o responsável primeiro pela satisfação dos direitos assegurados ao trabalhador a seus serviços, vinculando seu patrimônio a essa obrigação.

Entretanto, as novas modalidades de contratação surgidas, tanto no cenário mundial, como brasileiro, por força do impacto gerado pela chamadas revolução tecnológica e seus desdobramentos, reacenderam o interesse pelo estudo, no âmbito do Direito do Trabalho, da responsabilidade patrimonial, que deslocou seu eixo, em determinadas circunstâncias, do devedor principal (o empregador) para outros partícipes, ainda que indiretos, da relação laboral, desde que beneficiários da energia pessoal do trabalhador.

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Atenta a esse fenômeno e com a preocupação de conferir efetividade à execução e garantia à satisfação do direito do credor, máxime diante de seu manifesto cunho alimentar, a jurisprudência dominante sedimentou o entendimento de que "O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).". Esta é a redação dada pela Resolução TST nº 96, de 11.09.2000, ao inciso IV, da Súmula 331, do Tribunal Superior do Trabalho.

Vantuil Abdala explica que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho orientou-se nesse sentido pelas seguintes razões: a) o conteúdo do art. 455, da Consolidação das Leis do Trabalho, que prevê a responsabilidade do empreiteiro principal, nos contratos de subempreitada, em face do inadimplemento do subempreiteiro em relação aos direitos dos empregados deste; b) a teoria da culpa extracontratual, fundada no dever geral de não causar dano a outrem; c) a teoria do risco e o princípio da proteção, que justificam a preocupação de não deixar ao desabrigo o trabalhador e autorizando a responsabilização indireta daquele que se beneficiou da atividade dos trabalhadores. E acrescenta:

Havia uma grita muito grande por parte dos obreiros, mormente quando seu empregador, ou seja, a empresa prestadora de serviços não cumpria suas obrigações legais e nem tinha o obreiro como fazê-la cumprir. E a realidade demonstrava ter existido um boom nesse tipo de atividade, com muitas pessoas aventureiras ou inescrupulosas cirando empresas de prestação de serviço que não tinham condições de cumprir, ou, o que é pior, não cumpriam dolosamente suas obrigações trabalhistas; verdadeiras empresas fantasmas que apareciam e desapareciam, como que por milagre (do demônio naturalmente), para reabrirem acolá e novamente irem embora, como as pombas de Raimundo Correia vão-se dos pombais ao alvorecer. [21]

Embora o artigo supra mencionado tenha sido escrito em 1996, passada mais de uma década, a experiência demonstra que a realidade descrita pelo doutrinador não sofreu alterações, mostrando-se a terceirização, tanto lícita como ilícita, prática adotada de forma maciça e indiscriminada, a reclamar posição firme da doutrina e da jurisprudência, no que respeita à responsabilidade pelos créditos trabalhistas, sob pena de comprometimento do núcleo essencial dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Há vasta gama de fundamentos para sustentar-se a responsabilidade do tomador do serviço pela satisfação dos direitos trabalhistas, destacando-se, por sua relevância, a teoria da responsabilidade subjetiva, fundada na culpa; a teoria do abuso de direito; a teoria objetiva (fundada no risco empresarial) e a função social do contrato.

A responsabilidade civil subjetiva é aquela decorrente de dano causado por ato doloso ou culposo. Trata-se de princípio nuclear do Código Civil, consoante se extrai de seus artigos 186, e 927, caput, aplicáveis no âmbito laboral, por força da subsidiariedade estabelecida pelo art. 8º, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho. Funda-se na culpa, que pode configurar-se pela negligência ou pela imprudência. A primeira é falta de cautela, enquanto a segunda é o descaso, falta de cuidado, o não agir, quando do agente era exigida ação ou conduta positiva.

Os adeptos da teoria subjetiva fundamentam a responsabilidade do tomador do serviço nas culpas in eligendo e in vigilando. Essa teoria parte do pressuposto de que o tomador agiu com culpa ao contratar empresa fornecedora de serviços que não adimpliu os direitos de seus empregados e que também se omitiu – quando deveria agir – ao não fiscalizar o cumprimento dos encargos trabalhistas.

A teoria do abuso de direito é fundada no disposto no art. 187, do Código Civil, segundo o qual "Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes". Embora seja assegurado às empresas, por força dos princípios gerais da atividade econômica, em especial da livre iniciativa e da livre concorrência (Constituição Federal, art. 170), delegar a terceiros atividades especializadas ou de mero apoio, a fim de concentrar-se na atividade finalística, buscando assim maior eficiência e produtividade, não lhes é dado abusar desse direito, contratando prestadoras de serviços economicamente inidôneas e incapazes de assegurar os direitos dos trabalhadores contratados para execução do contrato interempresarial e, ainda assim, pretender se eximir de qualquer responsabilidade, quando notoriamente beneficiaram-se diretamente da força de trabalho. "O abuso do direito não se dá porque o titular não respeitou os limites internos de seu direito, porque aí, sim, estaria praticando ilegalidade simples, mas, sim, porque abusou do exercício de uma faculdade que realmente lhe cabia." [22]

A teoria da responsabilidade objetiva é lastreada no parágrafo único, do art. 927, do Código Civil, que dispõe: "Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". Trata-se de cláusula inovadora e abrangente, que busca equacionar inúmeras situações, tradicionalmente subsumidas à responsabilidade subjetiva, e onde, diante da dificuldade de parte da vítima de provar a culpa do agente, não havia a devida reparação. Fundamenta-se na doutrina do risco, sobre o que afirma Rui Stoco, invocando a lição de Caio Mário da Silva Pereira: [23]

Para o sempre citado Caio Mário o conceito de risco que melhor se adapta às condições de vida social "é o que se fixa no fato de que, se alguém põe em funcionamento uma qualquer atividade, responde pelos eventos danosos que esta atividade gera para os indivíduos, independentemente de determinar se em cada caso, isoladamente, o dano é devido à imprudência, à negligência, a um erro de conduta, e assim se configura a "teoria do risco criado" (op. cit. p. 268).

Segundo o disposto no art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, ao empregador incumbe suportar os riscos do negócio, inserindo-se nessa responsabilidade a satisfação dos direitos não apenas dos trabalhadores diretamente contratados, mas também daqueles arregimentados por prestadoras de serviços, na medida em que o tomador do serviço é o beneficiário direto da energia pessoal do obreiro.

Partidário dessa teoria, assevera Ari Pedro Lorenzetti:

Como se pode verificar, a responsabilidade da tomadora decorre do fato simples fato de a prestadora não ter satisfeito os créditos trabalhistas e não mais ter condições de fazê-lo. Irrelevante perquirir se tinha idoneidade financeira quando da contratação ou os motivos pelos quais deixou de cumprir suas obrigações trabalhistas no tempo devido. Seja qual for a situação, a responsabilidade da tomadora persistirá, ainda que em caráter subsidiário, uma vez que ela é a conseqüência natural dos riscos do empreendimento. O que fez a jurisprudência, portanto, foi considerar incluída nos riscos da atividade do tomador a garantia da remuneração dos trabalhadores que lhe prestam serviços, ainda que estes sejam obtidos por intermédio de outra empresa. [24]

A função social do contrato, expressamente consagrada no art. 421, do Código Civil, também empresta supedâneo à defesa da responsabilidade do tomador do serviço pelos encargos trabalhistas decorrentes de contratação prestadora de serviços. Com efeito, a cláusula geral da função social do contrato é conseqüência do princípio constitucional previsto no art. 3º, inciso I, da Constituição Federal, consagrador dos valores da sociedade livre, justa e solidária. Desse princípio deriva a concepção de que a análise do contrato não pode se restringir ao prisma formal e seus efeitos não devem se circunscrever ao aspecto meramente econômico, devendo, necessariamente, observar também sua função social, onde se insere a justa, adequada e efetiva remuneração da força laboral. "O contrato, portanto, para poder ser chancelado pelo Poder Judiciário deve respeitar regras formais de validade jurídica, mas, sobretudo, normas superiores de cunho moral e social, que, por serem valoradas pelo ordenamento como inestimáveis, são de inegável exigibilidade jurídica." [25]

Os princípios constitucionais, com sua inequívoca carga normativa, também representam alicerce inquebrantável à teoria da responsabilidade do tomador dos serviços na terceirização. Com efeito, a Constituição Federal, em diversos dispositivos, de que são exemplos o art. 1º, inciso III (princípio da dignidade da pessoa humana) e inciso IV (valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos do Estado de Direito), art. 3º, inciso I (construção de sociedade livre, justa e solidária como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil), art. 4º, inciso II (prevalência dos direitos humanos), art. 6º (consagração dos direitos sociais) e art. 170, inciso III (função social da propriedade), conferiu manifesta prevalência à proteção do trabalho humano e dos créditos trabalhistas. A concretização de tais princípios é que deve orientar a interpretação de todas as normas que integram o ordenamento jurídico, com a conseqüente asseguração, a quem trabalha, da contraprestação de seu labor, postura indispensável para assegurar o chamado mínimo existencial, elemento fundamental da dignidade humana.

4.2.Responsabilidade da Administração Pública

O entendimento predominante na doutrina e na jurisprudência é de que a responsabilidade subsidiária pelos créditos trabalhistas na hipótese de terceirização alcança também a Administração Pública, por força da responsabilidade objetiva do Estado, sem prejuízo dos demais motivos supra analisados, que alicerçam a atribuição de idêntica obrigação aos tomadores de serviço da esfera privada (Súmula 331, inciso IV, do Tribunal Superior do Trabalho).

Segundo o §6º do art. 37, da Constituição Federal, "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa." Consoante com essa diretriz, o Código Civil reproduz regra semelhante em seu art. 43. Esses consagram a responsabilidade objetiva do Estado como regra, seguindo tradição iniciada com a Constituição de 1946, que a estabeleceu em seu artigo 194.

Rui Stoco informa que a Constituição Federal de 1969, em seu art. 107, e a atual Carta Magna, no art. 37, §6º, mantiveram a orientação iniciada na Constituição de 1946, norteando-se pela doutrina do Direito Público e mantendo a responsabilidade civil objetiva do Estado, sob a modalidade risco administrativo moderado ou mitigado, que dispensa a vítima de provar a culpa da Administração e permite a esta esgrimir causas excludentes da responsabilidade, como o caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima. [26]

Segundo Celso Antonio Bandeira de Mello [27], "Entende-se por responsabilidade patrimonial extracontratual do Estado a obrigação que lhe incumbe de reparar economicamente os danos lesivos à esfera juridicamente garantida de outrem e que lhe sejam imputáveis em decorrência de comportamentos unilaterais, lícitos ou ilícitos, comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos." Esclarece o citado doutrinador que a responsabilidade do Estado subordina-se a princípios próprios, compatíveis com as particularidades de sua posição jurídica e, por essa razão, é mais extensa que a responsabilidade conferida às pessoas privadas. As funções do Estado, multifárias e impositivas, ensejam a possibilidade de prejuízos em larga escala, sendo limitadas as possibilidades dos administrados de se furtar da ação estatal, circunstâncias que justificam a responsabilidade mais ampla, adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro, que consagrou, no particular, a responsabilidade objetiva como regra geral (CF, art. 37, §6º), com base no risco administrativo, bastando à sua configuração o dano e o nexo de causalidade entre o fato e o dano.Para que surja a responsabilidade objetiva estatal, são necessários os seguintes requisitos: a) ação atribuível ao Estado; b) dano causado a terceiros; c) nexo de causalidade entre eles; e d) ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.

A responsabilidade objetiva emerge na hipótese de danos causados por ação do Estado, sendo irrelevante para esse efeito a legitimidade do ato comissivo. Basta para atrair a possibilidade de reparação a perda da situação juridicamente protegida, conforme assinala Mello na obra citada. A doutrina registra:

Para se imputar ao Poder Público a responsabilidade objetiva (teoria do risco-proveito) não é necessário questionar se a atuação do Estado foi legítima ou ilegítima; relevante é verificar a perda da situação juridicamente protegido. Quanto a esse aspecto, o magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello esclarece: "Em matéria de responsabilidade estatal por danos causados pelo próprio Estado, tem razão Sotto Kloss quando afirma que o problema há de ser examinado e decidido em face da situação do sujeito passivo – a de lesado em sua esfera juridicamente protegida – e não em face dos caracteres do comportamento do sujeito ativo. [28]

Ao comentar os fundamentos da responsabilidade do Estado, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma:

a) No caso de comportamentos ilícitos comissivos ou omissivos, jurídicos ou materiais, o dever de reparar o dano é a contrapartida do princípio da legalidade. Porém, no caso de comportamentos ilícitos comissivos, o dever de reparar já é, além disso, imposto também pelo princípio da igualdade.

b) No caso de comportamentos ilícitos, assim como na hipótese de danos ligados a situação criada pelo Poder Público – mesmo que não seja o Estado o próprio autor do ato danoso -, entendemos que o fundamento da responsabilidade estatal e garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito. [29]

O Estado responde, objetivamente, nos casos em que seu próprio comportamento determina o dano (conduta comissiva, portanto) e também nas situações em que o dano não é gerado por atuação do Estado mas por atividade dele se cria a situação ensejadora do dano. "Nestas hipóteses pode-se dizer que não há causação direta e imediata do dano por parte do Estado, mas seu comportamento ativo entra, de modo mediato, porém decisivo, na linha de causação" [30]. A terceirização de serviços amolda-se à essa segunda hipótese. O Estado, através de comportamento ativo (celebração de contrato de prestação de serviços), provoca a contratação de trabalhadores pela prestadora dos serviços. Esta, ao deixar de satisfazer direitos trabalhistas dos empregados que arregimentou por força do ajuste celebrado com a Administração Pública, enseja dano, em cuja causação participou o Estado. "Em última instância, estas hipóteses de danos ora cogitadas não se distanciam muito dos casos em que o prejuízo é causado diretamente pelo Estado. É que a lesão deriva de uma situação criada pelo próprio Estado. É o próprio Poder Público que, embora sem ser o autor do dano, compõe, por ato seu, situação propícia à eventualidade de um dano." [31]

Vê-se, portanto, que a atribuição de responsabilidade subsidiária à Administração Pública, na hipótese de terceirização de serviços, prevista no inciso IV, da Súmula 331, do TST, encontra-se em absoluta harmonia com a diretriz estabelecida no art. 37, §6º, da Constituição Federal, na medida em que se fundamenta na responsabilidade objetiva, sob a modalidade do risco administrativo.

4.3.Inconstitucionalidade do privilégio estabelecido para a Administração Pública na Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93)

O art. 71 da Lei 8.666/93, que dispõe sobre licitações e contratos públicos, tem a seguinte redação:

Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1º. A inadimplência do contratado com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 28.04.1995). (grifos acrescido).

§ 2º. [...]

Trata-se de dispositivo através do qual o legislador ordinário pretendeu excluir a Administração Pública de qualquer responsabilidade pelos créditos trabalhistas devidos por força de contrato de natureza administrativa firmado entre empresas prestadoras e o órgão público. O Judiciário, em especial o Trabalhista, tem negado vigência a esse dispositivo, acoimando-o de inconstitucional, entendimento que encontra amparo na legislação e na doutrina constitucional, conforme se verá a seguir.

Já se disse, alhures, que os direitos fundamentais apresentam parâmetros para a interpretação e aplicação do amplo conjunto de normas que forma o arcabouço jurídico, onde se inserem aquelas que regulam as relações de trabalho e que a própria Constituição Federal retrata a preocupação com essa natureza de direitos, tendo consagrado a valorização do trabalho humano como fundamento da ordem econômica. Os direitos fundamentais protegem os trabalhadores tanto contra ações do Estado quanto de outros indivíduos ou de entidades privadas. O princípio da dignidade também se entrelaça umibilicalmente com os direitos fundamentais, sendo o primeiro elemento estrutural, informador e unificador dos direitos fundamentais e uma das bases do Estado de Direito Democrático, conforme previsto no inciso III, do art. 1º, da Constituição Federal.

Na condição de direitos de defesa, os direitos fundamentais representam instrumento para coibir a intervenção indevida no Estado na esfera de liberdade do indivíduo e contra medidas legais restritivas. "Na sua concepção tradicional, os direitos fundamentais são direitos de defesa (Abwehrrechte),destinados a proteger determinadas posições subjetivas contra a intervenção do Poder Público, seja pelo (a) não impedimento da prática de determinado ato, seja pela (b) não-intervenção em situações subjetivas ou pela não-eliminação de posições jurídicas." [32]

Os direitos fundamentais, entretanto, não são absolutos, sujeitando-se a limites, impostos pela própria necessidade de equilibrar interesses divergentes.

Gilmar Mendes ensina que a análise das restrições dos direitos fundamentais exige a identificação de seu âmbito de proteção. Para a definição do âmbito de proteção, necessário analisar a norma constitucional garantidora de direitos, tendo em vista: a) a identificação dos bens jurídicos protegidos e a amplitude da proteção e b) o exame das possíveis restrições previstas expressamente na Constituição (expressa restrição constitucional) e a verificação das reservas legais de índole restritiva. A reserva legal pode ser simples ou qualificada. Nesta a Constituição não se limita a exigir previsão em lei para autorizar restrição ao âmbito de proteção, determinando, também, as condições especiais, os fins e os meios a serem empregados. Tratando-se de direitos fundamentais sem reserva legal expressa, não é dado ao legislador, como regra geral, ir além dos limites fixados no próprio âmbito de proteção. A ação do legislador, no exercício de seu poder de restrição e conformação, é limitada pela própria Constituição, que impõe a proteção de um núcleo essencial do direito fundamental, além de exigir clareza, determinação, generalidade e proporcionalidade das restrições impostas. O princípio da proteção do núcleo essencial busca evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental que poderia ocorrer em razão de restrições impróprias ou desproporcionais. Uma lei será inconstitucional se ferir o princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso. [33]

Atendidas tais lições doutrinárias, mostra-se inequestionável a necessária conclusão acerca da inconstitucionalidade do privilégio estabelecido para a Administração Pública no §1º, do art. 71, da Lei 8.666/93, por ofensivo ao princípio da dignidade, da valorização do trabalho e do trabalhador insculpidos na Constituição Federal. A restrição lá contemplada compromete o núcleo essencial dos direitos fundamentais dos trabalhadores, provocando seu esvaziamento.

Celso Bandeira de Mello ensina:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada. [34]

O direito de receber salários assegurado a quem trabalha conforma-se com o princípio da dignidade, pois em geral o trabalhador tem apenas na remuneração de seu labor os recursos necessários para assegurar o chamado mínimo existencial. A restrição estabelecida pelo legislador compromete o mínimo existencial, pois a intensidade com que o tema da responsabilidade subsidiária da Administração Pública na terceirização de serviços freqüenta o cotidiano do Judiciário Trabalhista demonstra, indene de dúvidas, que o inadimplemento, pelas prestadoras de serviços, é a regra. Afastar-se a responsabilidade do Estado, nesse contexto, significa deixar o trabalhador ao desamparo, atitude que não se coaduna com o significado, objetivo e dimensão dos direitos fundamentais. É, portanto, excessiva, desproporcional e afrontosa ao mínimo existencial e, por conseqüência, ao princípio da dignidade, a regra prevista na lei ordinária que afasta a responsabilidade da administração pública na hipótese de inadimplemento dos encargos trabalhistas pelo contratado, o que determina seja havida inconstitucional. "A inconstitucionalidade material envolve [...] não só contraste direto do ato legislativo com o parâmetro constitucional, mas também a aferição do desvio de poder ou do excesso de poder legislativo." [35] A regra prevista no §1º, do art. 71, da Lei 8.666/93, não resiste ao teste da adequação (subprincípio da proporcionalidade), pois seguramente dispõe a Administração Pública de outro meio menos gravoso para atingir o fim a que se propõe com a regra em questão, qual seja, a efetiva e necessária fiscalização do cumprimento, pelo contratado, dos encargos trabalhistas. Tampouco logra ultrapassar o filtro do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito, pois o resultado obtido com essa intervenção legislativa (desoneração da Administração Pública) sobrepõe-se àquilo que se perde com a medida (aviltamento de direitos fundamentais).

Também merece a pecha de inconstitucional a sobredita restrição por incompatibilidade com a regra insculpida no §6º, do art. 37, da Constituição Federal, que consagra a responsabilidade objetiva do Estado por danos causados a terceiros, na modalidade do risco administrativo, consoante acima se consignou, sem contemplar ressalvas. Sobre a inconstitucionalidade, ensina José Afonso da Silva:

Ocorre com a produção de atos legislativos ou administrativos que contrariem normas ou princípios da constituição. O fundamento dessa inconstitucionalidade está no fato de que do princípio da supremacia da constituição resulta o dia compatibilidade vertical das normas da ordenação jurídica de um país, no sentido de que as normas de grau inferior somente valerão se forem compatíveis com as normas de grau superior, que é a constituição. As que não forem compatíveis com ela serão inválidas, pois a incompatibilidade vertical resolve-se em favor das normas de grau mais elevado, que funcionam como fundamento de validade das inferiores. [36]

Nessas circunstâncias, é dado ao Judiciário Trabalhista, no exercício do controle de constitucionalidade difuso, que assegura a qualquer órgão judicial incumbido de aplicar a lei a um caso concreto submetido à sua cognição, o poder-dever de afastar a sua aplicação se a julgar incompatível com a ordem constitucional, reconhecer a responsabilidade subsidiária da Administração Pública, na hipótese de terceirização de serviços, ante a manifesta inconstitucionalidade da regra contida no §1º, do art. 71, da Lei 8666/ 93.

O Tribunal Superior do Trabalho, ao editar a Súmula nº 331, em especial seu inciso IV, limitou-se a exercer dever que lhe é imposto, por força de sua vinculação positiva aos direitos fundamentais. A lição doutrinária que a seguir se transcreve reafirma a pertinência do entendimento retratado naquele verbete:

Cabe ao Judiciário a tarefa clássica de defender os direitos violados ou ameaçados de violência (art. 5º, XXXV, CF). A defesa dos direitos fundamentais é da essência da sua função. Os tribunais detêm a prerrogativa de controlar os atos dos demais Poderes, com o que definem o conteúdo dos direitos fundamentais proclamados pelo constituinte. A vinculação das cortes aos direitos fundamentais leva a doutrina a entender que estão elas no dever de conferir a tais direitos máxima eficácia possível. Sob um ângulo negativo, a vinculação do Judiciário gera o poder-dever de recusar aplicação a preceitos que não respeitem os direitos fundamentais. [37]

Por isso, incumbe à comunidade jurídica, aos trabalhadores em geral, por meio de suas entidades representativas, e a todos os interessados levar ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal, através da figura do amicus curiae, as considerações e ponderações relevantes sobre a matéria objeto da ADC nº 16, em especial acerca dos reflexos da decisão, a fim de evitar que eventual acolhimento do pedido de declaração de constitucionalidade do §1º do art. 71 da Lei 8666/93 venha a comprometer, irremediavelmente, a satisfação dos direitos trabalhistas dos empregados contratados por prestadoras de serviços.

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Sobre a autora
Ilse Marcelina Bernardi Lora

Juíza do Trabalho no Paraná

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LORA, Ilse Marcelina Bernardi. Direitos fundamentais e responsabilidade da administração pública na terceirização de serviços. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1791, 27 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11314. Acesso em: 19 abr. 2024.

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